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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Para onde irão confluir "criaturas" sentimentais?

Hugo Gomes, 19.09.15

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Constituído por três atos, “Praia do Futuro” centra-se como um conto de libertação para dar lugar a uma reconciliação afetiva. Dirigido por Karim Aïnouz - conhecido pela comunidade cinéfila como o autor de “Madame Satã”, onde a transversalidade sexual serve de pano de fundo a atípico filme de favela - esta é uma obra intimista e extensa nessa intimidade com os protagonistas, mesmo que a câmara tende em reter essa cumplicidade com as respectivas personagens. Mantido de longe, e de uma configuração fria, “Praia do Futuro”, ao contrário do que o título poderia suscitar, é um claro retrato acinzentado, detido por uma melancolia crónica, onde nem as praias de Fortaleza conseguem diferenciar de uma Alemanha subjugada a um gélido clima. Até porque o que muda nessas transições de enumerados capítulos, não são os cenários, e sim os sentimentos como as constantes nuances das suas personagens, com principal atenção ao de Donato (Wagner Moura, sim, o do “Tropa de Elite”), um nadador-salvador brasileiro que indicia um encontro com o seu ser mais profundo.

O primeiro capítulo, intitulado de “O Abraço do Afogado”, envolve-se com uma aproximação de duas figuras desconcertadas, uma delas reivindicada pela tragédia, e a outra pela manifestação pessoal e a consequência dessa. Donato encontra assim a sua "alma" repartida no seio dessa sua fatalidade vivida, quer individual ou profissional. Até aqui, “Praia do Futuro” incendiava como um romance dignamente regido aos lugares-comuns do denominado cinema "queer", mas essa incógnita é evidenciada na transição de tons que se dá pelo avanço de um segundo ato. “Um Herói Partido ao Meio”, como é assim chamado, prevalece como um singelo "coming to age", uma moldagem comportamental do nosso protagonista que se transforma a olhos vistos. Contra os seus próprios sentimentos, a saudade diversas vezes salientada é citada de forma subliminar, Wagner Moura tem o mérito de camuflar a sua figura, utilizando os seus tons camaleónicos para comunicar com a direção sugerida pela fita. O ritmo desvanece no seu todo na medula melancólica, fortemente "apimentada" no primeiro ato, agora entregue a este ato intermediário.

Esta "ponte" dará acesso ao derradeiro ato, “Um Fantasma que Fala Alemão”, onde dá-se o esperado choque temporal, contudo, a obsessão pelo protagonista durante esta jornada narrativa faz dissipar qualquer clímax assim sugerido, e a fraca apelação por personagens secundárias, que poderiam corresponder ao quotidiano de Donato, contribuem para essa amenização. Mas é neste capítulo, que Aïnouz também se liberta, e sob um jeito visual e estilístico. Não com isto dizer que o realizador vira um autêntico V.J., ou experimentalista nesse foro, mas sim demonstrando um gosto apurado no trabalho visual, compondo longos planos, isentos de diálogos, mas recheados de sentimentos puros e múltiplos.

Por entre simbolismos, como a desejada "praia sem mar", que interage com uma elipse que vai desaguar numa comovente declaração de emancipação: "Existem dois tipos de medo e dois tipos de coragem. O meu, fingir que nada é perigoso. O teu, fingir que tudo é perigoso". Pois é, Karim Aïnouz incute um ensaio sobre o quão minado é esse campo das emoções, as consequências que "explodem" e deixam seres repartidos, longe do seu mar. Intrinsecamente poético.