Sangue Azul ...
Reininho, o Rei, o Rui Rei ou Rei Rui, figura errante em territórios mesclados que o próprio apelida de sonhos, vangloriando a sua capacidade de os idealizar e controlar. É fruto da sua ambição, da sua excentricidade, da sua destrutiva aura em encontrar razão para o irreal da sua existência. Rui Reininho (deixemos os “trocadilhos” de lado), é do conhecimento de todos, a imagem, a voz, a musicalidade com que as palavras “expulsas” da sua boca são proferidas, o esoterismo motivado pela sua presença, o nosso GNR (o nosso artista-a-solo da Companhia das Indias).
Cantautor, poeta e artista, de braços estendidos para nos receber nesta estância cinematográfica, a sua vendida não-biografia, uma confissão decorrida no seu estado onírico. “A Viagem do Rei”, com o nosso Rui a servir de modelo perante a assinatura de João Pedro Moreira e Roger Mor, esboça-se como um protótipo de videoclipe, chanfrado, xamânico, chamado a depor. É uma jornada como o título indica, da realeza pelo real, um conjunto de formas que fazem “vai-e-vêm”, pelo passado, pelas memórias, pelas mágoas, atravessando o desejo, a criação e o abraço à morte, a próxima paragem entre as mil e uma paragens.
"Descobriste o que podes ver dentro de ti! Sabes o que é que isso significa? Foste promovido. Já não és mais um vagabundo, és um artista”, a frase de Hans Richter em “Dreams that's Money Can Buy” (1947) pode ser enxertado, convidado inesperado, aqui. É o sonho e o que fazer com eles, essa essência rara que torna Rui Reininho no autor, no dito artista. Mas as comparações terminam aqui, o experimentalismo vanguardista de Richter não encontra páreo (nem influência) com as camadas entre camadas de dimensões e extorsões à realidade desta “A Viagem’”. Das ameaças ao Sol, às valsa entre detectives, da saliva que nos afoga e a poeira quente do sangue oculto, João Pedro Moreira e Roger Mor construíram um vídeo-musical prolongado, de ideias atiradas e conjugadas a imagens avulsas.
Não é dos gestos mais originais, nem mesmo em panorama nacional - The Legendary Tigerman ousou converter-se a nada em 2017 (“Fade into Nothing”, Pedro Maia) - mas a performance de Reininho desculpa o vasto leque de sonhos limitadamente representados. A sua benção nos guia, e o ouvimos com mais gosto, ambicionando por mais e mais, sem fim de cumprir. Um exercício de estilo, de música pop e psicadélica, de vénia ao artista com prestação do mesmo.
Rui Reininho é cá um personagem! Tem todo o direito de o ser e de o fazer. A viagem prossegue …