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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Os 10 Melhores Filmes de 2016, segundo Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 31.12.16

Como já é habitual, eis a resolução de 2016 com os 10 melhores filmes do ano, segundo o Cinematograficamente Falando … Chineses a aprenderem a serem chineses, juventude inconstante, animações de tira o fôlego, oitos desprezíveis e uma casa e o mais belo filme de guerra (sem guerra) dos últimos anos.

 

#10) Mountains May Depart

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O agridoce drama de Jia Zhang-Ke prevê um fim da cultura chinesa e o expansão completa do Ocidente globalizado e heterogéneo. Mas para além da sua crítica evidente, principalmente no terceiro acto onde adquire tons de distopia, Mountains May Depart é o reencontro com as raízes que muitos tendem em abandonar. Para além disso, eis a grande ressurreição de Go West, de Pet Shop Boys

 

#09) Kubo and the Two Strings

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Como já havia escrito, é puro cliché salientar a árdua tarefa de stop-motion e o esforçado trabalho que os estúdios Laika tem vindo a demonstrar nestes últimos anos. Kubo and the Two Strings é mais que um portento técnico-visual, é uma fábula encantada de "triste beleza" que nos dialoga sobre a perda e como superá-la por vias de outras curas. No campo das animações direccionadas para toda a família, tal mensagem é valiosa e por vezes evitada por motivos comerciais.

 

#08) American Honey

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Os jovens de Dazed and Confused tiveram filhos, e esses "rebentos" povoam agora o universo de American Honey, um país onde a doçura não mora aqui, o que não evita as suas personagens procurá-la. Na América de Trump, estes rebeldes sem causa seguem por estradas milésima vezes caminhadas ao som das suas regras como um tribo de "meninos perdidos" de Peter Pan. Entre os peregrinos encontramos a revelação Sasha Lane, que sob as ordens de Andrea Arnold, desbota uma emoção algo perdido numa demanda ausente de tais vencidos sentimentos. A viagem não será para todos, principalmente para quem ingenuamente acredita que a juventude é sagradas e imaculada na sua inocência.

 

#07) L'Attesa

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Piero Messina constrói um filme de gestos e de olhares, onde a perda tenta ser lidada por entre os silêncios. Os diálogos são raros, mas a espera é intensa, por entre uma atmosfera magnética e duas actrizes que se complementem numa só causa, L'Attesa (A Espera) é o mais recente filho de Persona, de Bergman, é o cinema de mulheres fragilizadas na descoberta da sua posição anteriormente questionada. 

 

#06) Saul Fia

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O horror acontece na porta ao lado, o medo atinge a sala oposta e o pânico é evidente pelo qual o nosso olhar desvia, ignorando o pesadelo que vivemos. Saul Fia (O Filho de Saul) atinge com uma abordagem improvável no cenário do Holocausto, revisitando os Campos de Concentração para uma perspectiva nada pensada anteriormente. Adeus dramalhões de puxar as lágrimas, até breve cinema estampado no preto-e-branco, bem-vindo Filho de Saul, a citar Primo Levi, a busca da Humanidade onde esta parece ter sido abandonada. 

 

#05) Elle

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Isabelle Huppert constrói em cumplicidade com o agora valorizado Paul Verhoeven uma das mais consistentes e complexas personagens femininas do cinema de 2016. Uma mulher refém do seu desejo, mas forte o suficiente para superar qualquer obstáculo inserido, é a carne e a fantasia unidas ao encontro de um só corpo, um thriller que parece emancipara-se das suas próprias raízes e por fim, dignificar a "vitima" e não o predador. Será Elle a obra-prima há muito pedida de Verhoeven? Só um o tempo dirá, novamente. 

 

#04) Anomalisa

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Tendo como inspiração uma peça teatral, Charles Kaufman e Duke Johnson insuflam vida nestas marionetas para a concepção de um enredo de colectividade, onde o individualismo, essa particularidade vivente em cada um de nós, é uma jóia a ser "desenterrada". O Mundo parece igual a si mesmo, todos parecem exibir a mesma face, as mesmas doutrinas, as ideias empacotadas como ovelhas em rebanho. Depois de A Grande Beleza, de Sorrentino, Anomalisa é esse ensaio existencialista que secretamente ansiávamos. 

 

#03) El Abrazo de la Serpiente

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Ciro Guerra explora um desconhecido universo. A indomabilidade da Amazónia alastra em todo um filme, conduzindo esta história contada em duas vozes e em dois tempos para territórios místicos, quase pagãos que renegam as culturas e crenças de fora. É o desconhecido que nos espera em cada margem do rio Amazonas, é o caos, a loucura, a peste, a febre e por fim, a harmonia encontrada no segredos dos segredos, residido no mais alto cume. A selva também sabe contar histórias. Histórias essas, que reflectem a actualidade do nosso Mundo e para onde caminhamos como seres humanos. Esquecimento, essa terrível maldição, não será imposta aqui neste brilhante filme.  

 

#02) The Hateful Eight

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Podem considerá-lo violento, regido ao universo que ele próprio criou através de "migalhas", nada original, reciclável e até vendido. Podem apelidá-lo do que quiser. Quentin Tarantino merece a atenção. O realizador de Pulp Fiction persiste nos temas focados no seu anterior Django para exercer um western gélido que tem como palco o passado, o presente e o futuro de uma Nação. É como "Um Conto de Natal", neste caso, Um Conto de Tarantino, rodeado de personagens taraninescas que despertam o mais profundo jubilo cinéfilo. Longa Vida a Tarantino

 

#01) Cartas da Guerra

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Sei que existe o senso colonialista dentro de nós, mas este não é um filme colonial, nem sequer de guerra. É um romance à distância, a da condição do soldado confinado à sua própria solidão, aquela prisão invisível induzido por politicas de outros. É a extrema luta de manter sóbrio perante um mundo bêbado que nos assiste. Ivo M. Ferreira invoca o verdadeiro soldado, não a máquina implacável de guerra implementada pelos prolongamentos do Call of Duty, mas de um homem "barricado" nos seus pensamentos, na saudade de uma outra vida que não seja aquela, mesmo sabendo que pouco sabemos como vivê-la - A Vida Civil.

 

Menções honrosas: O Ornitólogo, O Boi Néon, Evolution, The Childhood of a Leader, The Lobster, O Olmo e a Gaivota

Quem espera sempre alcança ...

Hugo Gomes, 14.04.16

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O cinema é dotado de uma linguagem, um dialeto trabalhado e aperfeiçoado por mais 100 anos de existência e que tal esforço se traduz através do seu visual. Tornando-se, segundo a teoria mais básica e prática do funcionamento expressivo da Sétima Arte, no “ingrediente fundamental” da narrativa cinematográfica. Mas por vezes surgem filmes cuja verdadeira história faz-se através dos silêncios, do ausente, do que não é mostrado, nem em campo, nem sequer fora de campo, é a sugestão poética invocada em cada frame, em cada plano, em olhar e obviamente em cada gesto. E são filmes como este - “A Espera” (“L'attesa”) - que nos fazem acreditar que o cinema é muito mais do que imagens, são sentimentos celebrados, neste exemplo, velados no recanto mais obscuro e ao mesmo tempo mais luminoso.

A primeira longa-metragem de Piero Messina recorre a um enredo tão minimalista que persegue em toda a sua duração; uma mãe de luto pela perda do seu filho, agora encarregue de revelar tal morte à namorada deste. Um objetivo constantemente procrastinado como representasse os “cinco minutos de Paraíso” entre uma mãe a fim de conviver com os últimos redutos da memória do seu “rebento”. Messina trabalhou com Sorrentino em duas obras (incluindo o consagrado “La Grande Bellezza”), sendo possível as comparações do seu visual com o seu anterior “mestre”. E que visual apresenta! Como um quadro de Caravaggio, Messina aproveita a luz e as sombras para conceber um palco de ilusão, onde lutos são ocultados mas não desviados da nossa atenção, com efeito disto, o realizador tem na sua mão um exemplar tradicional em consolidação com a sofisticação da fotografia.

O tradicionalismo transmite uma carga poética que aufere uma sensação de “amarcord“, neste caso a nostalgia constantemente referida. Se o “olhar” é importante na tradução narrativa da fita, a música transcreve esse ambiente em seu proveito. Com The Missing, de The XX, a conferir os créditos iniciais como um anunciado velório ou Leonard Cohen e o seu “Waiting for a Miracle” a perpetuar e relembrar o silencioso conflito que afronta a obra, nesta particular sequência envolvida numa dança sedutora como uma serpente e o seu flautista, é ditada por um jogo de olhares, uma envolvência que as duas personagens principais parecem compreender.

Aqui a cumplicidade é dita através do “não visto”, com Juliette Binoche a compor uma mulher sofisticada, abalada pela perda, e cujo luto torna-se no seu lar de emoções, por outro lado, Lou de Laâge (a estrela de “Respire”, de Mélanie Laurent), é uma jovem involuntariamente presa a uma ilusão. As duas atrizes completam-se numa sincronia de gestos, como tal, basta apenas verificar a emocionante cena em que Binoche adia a revelação e a reação sublime de Laâge perante em tão doce e vil mentira.

Como se tudo fosse uma questão de esoterismo, o clímax de “A Espera” é arrostado com a visita de fantasmas, ilusões, memórias, conforme quiserem descrever, operando como verdadeiros “Deus ex Machina” neste autêntico peso da confissão. Mas a verdade é que Piero Messina não possui preocupações com a linearidade da narrativa, apenas implica a forma como esta transcende à sua estrutura. Por outras palavras, existem dois filmes aqui. O orquestrado pelo visual e aquele que é dito por palavras mudas, esse, sim, a verdadeira obra nesta tão sublime pauta.