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Celebrity (Woody Allen, 1998)
São inúmeros os exemplos, tanto na ficção como na realidade, reveladores da opinião desfavorável generalizada recaída sobre os críticos. “Odeio críticos”, ouvi uma certa figura pública nacional dizer num programa televisivo de há uns anos. “Bom, és um crítico, não és?”, respondeu Jennifer Jones ao Peter Bogdanovich quando este lhe perguntou o porquê de ela lhe nutrir uma antipatia pessoal. E há aquele momento do "Celebridades" do Woody Allen onde uma personagem relata: “Aquele é um crítico de cinema famoso. Costumava detestar todos os filmes. Depois arranjou uma namorada boazona e, agora, adora todos os filmes.”
Sejamos sinceros. Para a maioria das pessoas, a noção de crítico de cinema recai num destes dois campos: aquele onde o crítico é parodiado como um pseudo-intelectual frustrado, servindo-se da escrita como um veículo revanchista sobre os outros para a sua eventual ausência de talento artístico (como se a crítica não fosse, também ela, uma arte); e aquele onde o crítico se limita ao papel de guia Michelin cinematográfico, estendendo firmemente o seu polegar peremptório à clássica moda romana. De quem já tem uns anos disto, em verdade lhe digo, caro leitor: o primeiro caso é falso; o segundo, redutor.
Para mim, as melhores críticas de cinema (pelo menos, as positivas) funcionam como cartas de amor. Em ambos os casos, o que conta é o entusiasmo com que se fala do objecto amado, associado a uma certa habilidade, liberdade e cuidado na prosa com o intuito de exteriorizar as opiniões e impressões que este deixou no amante enamorado. É então acertada a política cahierista “quem gosta mais escreve”. Porque, quanto maior e mais genuíno for esse amor manifestado, melhor e mais bonita ficará a carta. Por isso, se há uma coisa que peço ao abrir uma crítica elogiosa, é que nela esteja expressa a emoção que o filme suscitou no autor do texto. Quer dizer que concordo com ele? Evidentemente que não. Mas os melhores críticos levam-me também a isso, a querer rever a minha opinião sobre uma determinada obra e a revisitá-la sob o ângulo deles, descobrindo o que numa primeira visualização me surgia encoberto.
“Bom, se uma crítica positiva passa por uma carta de amor, então, por essa lógica, uma crítica negativa não passará por um mero hate mail?” Nada mais falacioso. Uma crítica negativa é, acima de tudo, uma oportunidade para se ser construtivo, contribuindo no amadurecimento e evolução de, se não da obra dos artistas em causa, pelo menos do olhar dos leitores. Claro que alguns dos recursos estilísticos utilizados (como a ironia), tons (do indignado ao vitriólico) ou excessos de linguagem (saudades de um “Danny Boyle não conseguiu sentir mais do que o cheiro a merda. Cada um tem o nariz que tem.”) poderão dificultar essa intenção. Mas sentido de humor e outras idiossincrasias estilísticas só contribuem para afastar a monotonia textual, provocando uma leitura mais viva, estimulosa e cativante. Pois um crítico não é um agente publicitário. Não se deve folhear uma crítica de cinema à espera de se deparar com um reforço adicional a uma já volumosa campanha de marketing. Nem deve ser essa a razão para uma pessoa ler outra. Deve-se, sim, ler alguém pelo seu estilo e qualidade argumentativa. A não concordância com um crítico pode, assim, ser encarada como uma chance para pensar em raciocínios que vão em direcção oposta aos nossos, construindo (ou não) outros capazes de rebaterem os primeiros, ao mesmo tempo que se aprende um pouco mais sobre a História e a linguagem do cinema. É nesse sentido que uma crítica negativa pode levar à evolução do olhar dos leitores.
Finalmente, há que dizer que a diferença entre um crítico e quem não o é está na capacidade de verbalização. Gostamos de um crítico que concordamos porque é capaz de verbalizar aquilo que vimos quando nos falta a perícia para o fazer. Por isso, haverá sempre no mundo essas pessoas com o direito a reclamarem, em sites e jornais, a dissecação dos seus sentimentos, opiniões e ideias em torno de um objecto estético, traduzindo a sua vida interior (e, quiçá, a de outros) de uma forma inteligente, articulada e bela.
São grandes professores, os críticos de cinema. Saibamos ser com eles grandes alunos.
*Texto da autoria de Duarte Mata, ex-crítico de cinema que colaborou em meios como C7nema e À Pala de Walsh.