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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Há Tempo para degustar o Cinema! Arranca o 4º Close-Up, Observatório de Cinema de Famalicão

Hugo Gomes, 10.10.19

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Les Yeux sans Visage (George Franju, 1960)

O Tempo destrói tudo, isso é mais que sabido, mas ele também constrói. Constrói uma perspetiva, uma noção e acima de tudo a História. Neste caso a História do Cinema, que é novamente revisitada no CLOSE-UP – Observatório de Cinema, neste seu quarto episódio, como é habitual, a ter lugar na Casa das Artes de Famalicão, entre os dias 12 a 19 de outubro.

Novamente, uma programação recheada de filmes, concertos, temáticas, round tables e muitos convidados naquela que já é a mais respeitada comunhão de cinefilia do país. E voltando ao Tempo, a História do Cinema que é constante revista, CLOSE-UP contará como prato principal dois acompanhamentos musicais a dois dos grandes clássicos do cinema russo; o sempre incontornável “Battleship Potemkin” / “O Couraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, com a Orquestra de Jazz de Matosinhos a condizer, e o aclamado filme de Boris Barnet, “The House on Trubnaya Square” / “A Casa na Praça Trubnaya”, onde os Mão Morta assumem uma original banda-sonora. Já nas sessões especiais, a História do Cinema pelos olhos delirantes de Quentin Tarantino, “Once Upon a Time... in Hollywood”, e a antestreia da mais recente obra do filipino Brillante Mendoza, que volta a debruçar-se pela teias criminosas e marginais de Manila em “Alpha: The Right to Kill”.

A fortalecer a temática do Tempo, ainda temos o historial condensado num folhetim imagético em “Le livre d'image”, do sempre intemporal Jean-Luc Godard, ou do tempo enquanto dispositivo manipulável em “John McEnroe: O Domínio da Perfeição” / “L'empire de la perfection”, de Julien Faraut. A Lenda e o Contemporâneo do atual Cinema Francês, dois pontos de partida para uma das secções fundamentais desta anual mostra cinematográfica – Histórias de Cinema – que nos brinda com um Passeio pelo Cinema Francês com dois protagonistas: Agnès Varda e Jean-Luc Godard.

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Halito Azul (Rodrigo Areias, 2018)

Aí, para além dos filmes da cineasta que apaixonou gerações pela sua criatividade e dinamismo e o realizador que continua a fomentar cinefilias, passearemos por alguns dos clássicos ante-Nouvelle Vague de uma das cinematografias mais fortes a nível internacional. Será o brilhante “Les Yeux sans Visage”, de George Franju, ou a viagem pela metrópole americana em “Deux hommes dans Manhattan”, de Melville, ainda as histórias trágicas e tragicómicas de “Le Plaisir”, de Max Ophuls, e até mesmo um dos mais belos casamentos de imagem e música de “Ascenseur pour l'échafaud”, de Louis Malle, a fazer as delícias dos amantes de cinema? A resposta é sim.

Na também habitual Fantasia Lusitana, espaço dedicado aos ascendentes protagonistas do cinema português, conheceremos (ou revisitarmos) o trabalho de Eduardo Brito, realizador, argumentista e fotógrafo, descrito pelo seu olhar perfeccionista e dedicado aos enquadramentos. Aqui deparamos com uma seleção de curtas da sua autoria, incluindo a estreia de Úrsula, como também vídeos experimentais, videoclipes e ainda uma longa-metragem escrita pelo próprio com a realização de Rodrigo AreiasHálito Azul”.

O cinema terror também terá o seu tempo de antena, ao integrar o espaço de Cinema do Mundo, este ano centrado no género profundo (“Mandy”, “The Love Witch” e “It Comes at Night”, compõem o trio de sessões que explicita o terror e o medo na América). Além disso, o CLOSE-UP contará ainda com sessões dedicadas às escolas e de família, com as exibições de “Toy Story 4” e “The Lion King”, como ainda tempo exclusivo para o legado de João César Monteiro, onde serão mostradas algumas das suas curtas como ainda lidas os seus poemas. Para a cadência das suas palavras, Isaque Ferreira será o responsável pela leitura.

"Mandy": a violência tem a sua razão de existência

Hugo Gomes, 06.09.18

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Nicolas Cage enfurece, enlouquece, delira e, à sua maneira, excita. O ator de pedigree que tem vindo a tornar-se numa autêntica anedota em solo cinematográfico (salvo algumas exceções) é a chama olímpica de um trabalho sonoro-visual de autoconsumo, não deixando qualquer saída ao espectador.

Mandy”, sob os rasgos da ultraviolência dos splatters e dos revenge porns da década de ’70 (com promessas de vintage à la 80), é um fruto do seu acaso sucesso, um aluno aplicado das suas romarias induzido numa rebeldia de atração. É um exercício prolongado, quer da violência estetizada, quer a liquidez de um videoclipe “prog rock“, quer no visual fluorescente que contamina um rol de planos em constante transposição e na simetria idealizada. Por outras palavras, “Mandy” é um quadro emoldurado que ganha portento numa projeção em grande ecrã, mas essa mesma beleza intoxicante esconde um vácuo pleno no seu discurso.

O que vemos depois da violência? Enquanto Rob Zombie através de uma mão cheia de filmes pagãos e hereges (cada um à sua maneira) reforçava esse show bizarro de gore visto e revisto, confrontando o espectador ao mediatismo dessa mesmo instinto animalesco, tão presente quer no passado ou nos nossos dias (nesse aspecto, filmes como “Lords of Salem” e “31” dispuseram desse feito), Panos Cosmatos é simplesmente indulgente na sua visão. Parece hipocrisia referir inconsequência em ensaios de horrores e sangue a rolos entre “Mandy” e Zombie, mas até mesmo na violência gratuita encontramos respostas aos seus ideais.

O terror foi feito para ser mais do que um paupérrimo selo de venda, é transcendência de uma arte ou de uma mensagem, a metáfora ao exercício de estilo. No caso de “Mandy”, a saturação do seu “eu” leva-nos a um narcisismo autodestrutivo. Aliás, isso mesmo, um filme em contagem decrescente para a sua morte súbita. Poderia ser isso, porém, Cage aguenta a pedalada, carregando às costas este primo menor de Refn (sem a sua dita espessura de psicanálise), que à imagem ... peço desculpa … ao som da sua banda sonora (da autoria de Jóhann Jóhannsson) converte-se em somente música ambiente. A esta altura do campeonato precisamos mais do que enfeites.