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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Morte macaca

Hugo Gomes, 18.02.25

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A macacada faz-se com Stephen King à baila!!

Baseado num conto do escritor, o novo filme de Osgood Perkins (ou Oz Perkins para os amigos) tinha tudo para manter o registo de “realizador do arrepio” onde se tem banhado, e ainda mais depois do êxito de “Longlegs”. Acrescenta-se à equação James Wan como produtor, e eis um trio maravilha que só poderia conceber maravilhas… mas não foi o caso. Primeiro, apeteceu culpar King (escritor sobrevalorizado no campo da fantasia e do terror… fico a aguardar as pedradas), que rapidamente recorreu às redes sociais e à comunicação social para “vender” o filme como peça fundamental do terror cinematográfico atual (exagero da nossa parte, como também da dele), mas, como bem sabemos, o seu gosto pelas suas adaptações deixa muito a desejar — “Shining” e “Carrie” são a sua pedra no sapato, “Dreamcatcher” e “Dark Tower” os seus “hurrays”. Felizmente, Kubrick e De Palma se borrifaram para aprovações, e deram a subtileza que o escritor sempre careceu.

Contudo, apeteceu abraçá-lo. Não como rendição às suas palavras, mas para o desculpar da minha ira, porque nele culpa alguma se deve tirar. O conto original é “kingueano” na dose certa, o filme, esse, exaltou-se e, sobretudo, aparvalhou-se. Podemos encarar o camp como uma arma lúdica e, por vezes, escapista, dou de barato os pequenos estúdios ou o independente apostarem nesse tom — fica-lhes bem, soa autêntico e despretensioso, “The Monkey”, por outro lado, não. Para além de soar a falsete, tenta impregnar um filme que não existe, deixar-se encantar com a sua violência pensada e medida, mas acaba acidentado como tencionava evitar.

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Mas afinal, do que se trata “The Monkey”? Um artefacto amaldiçoado, perverso e demoníaco: um macaco de brinquedo que, ao ser ativado, provoca uma aleatória e espectacular morte. A premissa remete-nos para um daqueles livros da franquia “Goosebumps” — aliás, um poster pode ser visto na infância do protagonista, vínculo direto com essa inconsequência. E não vamos por menos: apesar do seu gore, este mascara-se com um tom trocista e freeze frames que zombam da sua agressividade. Um festim de sangue levado na desportividade, com um horizonte apocalíptico bigger than life que se encaixa na hiperatividade imposta por Perkins ao seu macaco.

O tal “realizador do arrepio” ainda se debruça numa atmosfera que evoca-nos para uma outra obra - o tal filme que não existe. O resultado, porém, é um estremecer grosseiro, com sangue a rodos e uma narrativa infantilizada com  a sua “moral”, o de aceitar a naturalidade da morte, elemento casual apenas enaltecido pela sua incompreensão / fascinação enquanto humanos. Talvez esse fosse o propósito, e estejamos a ser demasiado severos com o primata. Um filme de morte e mortes, aliciado para audiências mais jovens, que transforma o terror numa experiência mais acriançada, longe das causas e das alegorias, dos sustos e da experiência. Uma “porta aberta”, dirão alguns em defesa do consumidor. Nós, expomos a amenização de um género para melhor encaixá-lo numa lógica de mercado.

Everybody dies. Some of us peacefully and in our sleep, and some of us... horribly. And that's life."

Hype kill the Horror Star

Hugo Gomes, 25.07.24

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Por mais exageros que a campanha publicitária aliada a uma “crítica” rendida e sem pensamento faça deste “Longlegs” um objeto oposto daquele que nos é vendido, é também verdade que o mesmo filme não sai das costuras personalizadas que Osgood (ou Oz) Perkins (curiosamente, filho do ator Anthony “Norman Bates” Perkins) insistiu nas suas anteriores três longas-metragens (“The Blackcoat’s Daughter”, “I Am the Pretty Thing That Lives in the House” e “Gretel & Hansel”) - a sua atmosfera. 

Trata-se do realizador “do arrepio”, mais preocupado em inquietar o espectador através da sua bolha visual e sonora do que implementar um medo instantâneo, uma histeria. É um terror cozido em lume brando, estilizado e bramido por gritos de agonia. Nesta façanha, Maika Monroe, a já estabelecida e sleeper screen queen (“It Follows”, “The Guest”, “Watcher”), como agente da FBI com notas tocadas no espectro do autismo, tenta “caçar” um serial killer que, por formas inexplicáveis, faz “desaparecer” famílias inteiras ao método Amityville. Sem surpresas, esse mesmo assassino em série é interpretado por um carnavalesco Nicolas Cage sem açaime, só que nem por isso genial, apenas endossando um efeito de estranheza, excentricidade mórbida e quase clownesca que transforma uma prometida cena / encontro no coração selvagem da obra. 

Longlengs”, porém, sobrevive naquilo que o realizador faz melhor; na contaminação, no viscoso estilizado, no sufoco sem nunca se entregar em vão ao facilitismo dos jumpscares e aos contactos aristotélicos formalizados em Hollywood. É um “mestre de terror” à sua maneira, não na forma classicista, nem sempre progressista ou induzido em quebrar-cânones, é na sua passividade com um certo limbo, que Oz Perkins impera como exímio artesão. Contudo, não façam disto a tão badalada obra-prima do género … apenas refletem nos malefícios que o hype faz a um curioso exercício de estética.

I'm sorry, it seems I wore my long legs today. What happens if I just..."

"Gretel & Hansel": a emancipação da irmã sob a eterna ‘casinha de chocolate’

Hugo Gomes, 20.02.20

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Os irmãos Grimm transcreveram o conto que ficaria eternizado como “Hansel & Gretel”: o qual resumimos como duas crianças que, devido à desfavorecida situação, são abandonadas pelos próprios pais na floresta negra e que ao tentar regressar ao lar, deparam-se com uma casa feita de doces que abriga uma bruxa esfomeada. A história passou ao longo da sua existência por várias versões e narrativas, e com a passagem no audiovisual nada disso mudou, tornando-se inspiração para as mais diferentes variações: umas fieis aos escritos da dupla de “contadores de histórias”, outras nem por isso.

Com Osgood Perkins (Oz Perkins para os amigos), realizador que tem dedicado a sua carreira a desconstruir o género do terror (basta relembrar o anti-clímax de lume brando que é “I Am the Pretty Thing That Lives in the House”), o enredo das duas crianças “desnaturadas” é palco para uma bizarrice estética que afronta uma pseudo-emancipação feminina num prolongado sonho molhado. É um filme construído sob “maliquices”* que se apronta na expressividade da sua Gretel (aqui interpretada pela ascendente Sophia Lillis). Não é por acaso que o título é alterado (com o nome da ‘menina’ a surgir em primeiro). Oz Perkins decidiu criar toda aquela jornada pela sinistra floresta negra como uma alusiva apoteose à puberdade feminina, com claras misturas com outros célebres contos colecionados pelos Grimm.

É uma aventura gótica, com claras reflexões sobre a condição feminina e paciente na construção da sua atmosfera, nunca caindo no facilitismo dos “jumpscares” e outras mecanizações do género pelos grandes estúdios. É na sua estranheza que encontramos um exemplar raro e cintilante. Mesmo com o breu que estas personagens enfrentam, tendo como a “bruxa-má” uma sempre sinistra Alice Krige (que em tempos foi uma das grandes vilãs do legado “Star Trek”).

Esperava-se fidelidade com o senso comum reconhecido deste intemporal conto. Ao invés disso, obtivemos um filme que capta o sombrio do desconhecido. Para dizer a verdade, não se via nada assim desde “The Company of Wolves”, de Neil Jordan.