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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Hype kill the Horror Star

Hugo Gomes, 25.07.24

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Por mais exageros que a campanha publicitária aliada a uma “crítica” rendida e sem pensamento faça deste “Longlegs” um objeto oposto daquele que nos é vendido, é também verdade que o mesmo filme não sai das costuras personalizadas que Osgood (ou Oz) Perkins (curiosamente, filho do ator Anthony “Norman Bates” Perkins) insistiu nas suas anteriores três longas-metragens (“The Blackcoat’s Daughter”, “I Am the Pretty Thing That Lives in the House” e “Gretel & Hansel”) - a sua atmosfera. 

Trata-se do realizador “do arrepio”, mais preocupado em inquietar o espectador através da sua bolha visual e sonora do que implementar um medo instantâneo, uma histeria. É um terror cozido em lume brando, estilizado e bramido por gritos de agonia. Nesta façanha, Maika Monroe, a já estabelecida e sleeper screen queen (“It Follows”, “The Guest”, “Watcher”), como agente da FBI com notas tocadas no espectro do autismo, tenta “caçar” um serial killer que, por formas inexplicáveis, faz “desaparecer” famílias em inteira ao método Amityville. Sem surpresas, esse mesmo assassino em série é interpretado por um carnavalesco Nicolas Cage sem açaime, só que nem por isso genial, apenas endossando um efeito de estranheza, excentricidade mórbida e quase clownesca que transformar uma prometida cena / encontro no coração selvagem da obra. 

Longlengs”, porém, sobrevive naquilo que o realizador faz melhor; na contaminação, no viscoso estilizado, no sufoco sem nunca se entregar em vão ao facilitismo dos jumpscares e aos contactos aristotélicos formalizados em Hollywood. É um “mestre de terror” à sua maneira, não na forma classicista, nem sempre progressista ou induzido em quebrar-cânones, é na sua passividade com um certo limbo, que Oz Perkins impera como exímio artesão. Contudo, não façam disto a tão badalada obra-prima do género … apenas refletem nos malefícios que o hype faz a um curioso exercício de estética.

I'm sorry, it seems I wore my long legs today. What happens if I just..."

"Gretel & Hansel": a emancipação da irmã sob a eterna ‘casinha de chocolate’

Hugo Gomes, 20.02.20

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Os irmãos Grimm transcreveram o conto que ficaria eternizado como “Hansel & Gretel”: o qual resumimos como duas crianças que, devido à desfavorecida situação, são abandonadas pelos próprios pais na floresta negra e que ao tentar regressar ao lar, deparam-se com uma casa feita de doces que abriga uma bruxa esfomeada. A história passou ao longo da sua existência por várias versões e narrativas, e com a passagem no audiovisual nada disso mudou, tornando-se inspiração para as mais diferentes variações: umas fieis aos escritos da dupla de “contadores de histórias”, outras nem por isso.

Com Osgood Perkins (Oz Perkins para os amigos), realizador que tem dedicado a sua carreira a desconstruir o género do terror (basta relembrar o anti-clímax de lume brando que é “I Am the Pretty Thing That Lives in the House”), o enredo das duas crianças “desnaturadas” é palco para uma bizarrice estética que afronta uma pseudo-emancipação feminina num prolongado sonho molhado. É um filme construído sob “maliquices”* que se apronta na expressividade da sua Gretel (aqui interpretada pela ascendente Sophia Lillis). Não é por acaso que o título é alterado (com o nome da ‘menina’ a surgir em primeiro). Oz Perkins decidiu criar toda aquela jornada pela sinistra floresta negra como uma alusiva apoteose à puberdade feminina, com claras misturas com outros célebres contos colecionados pelos Grimm.

É uma aventura gótica, com claras reflexões sobre a condição feminina e paciente na construção da sua atmosfera, nunca caindo no facilitismo dos “jumpscares” e outras mecanizações do género pelos grandes estúdios. É na sua estranheza que encontramos um exemplar raro e cintilante. Mesmo com o breu que estas personagens enfrentam, tendo como a “bruxa-má” uma sempre sinistra Alice Krige (que em tempos foi uma das grandes vilãs do legado “Star Trek”).

Esperava-se fidelidade com o senso comum reconhecido deste intemporal conto. Ao invés disso, obtivemos um filme que capta o sombrio do desconhecido. Para dizer a verdade, não se via nada assim desde “The Company of Wolves”, de Neil Jordan.