Depois da 'farra' ...
Faye Dunaway com o seu Óscar de Melhor Atriz por "Network" (Sidney Lumet, 1976)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Faye Dunaway com o seu Óscar de Melhor Atriz por "Network" (Sidney Lumet, 1976)
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Como costumo dizer no final de cada cerimónia - "Acabaram-se os Óscares, que regressa o Cinema" - este ano, simplesmente, não aconteceu... E não me refiro aos vencedores, obviamente, a gala de prémios foi a mais previsível desde que "Coda" (quem?) abocanhou a estatueta de Melhor Filme numa noite quente marcada à bofetada. Não, o motivo foram as eleições legislativas altamente disputadas que tiraram o sono a qualquer português. Depois disto, qual o interesse de ver "Oppenheimer", o "mais importante filme do século", como vozes em uníssono declararam antes da produção estrear, levar um punhado de "homens dourados" (com alguns bem discutíveis, "Montagem? Por favor", outros bem merecidos como Robert Downey Jr. enquanto ator secundário)? Contudo, como é tradição aqui no espaço, um comentário - meio ácido, aviso desde já - da noite que se fez para lá de Los Angeles a marcar a manhã de uma ressacada segunda-feira. Portanto, cá vai:
Como tinha afirmado, Nolan é o esperadíssimo vencedor, antevendo um circuito altamente previsível e homogéneo. Cillian Murphy sai sorridente em oposição de um "Maestro" tristonho e vazio (para um filme com uma realização daquelas merecia mais, mas nada neste mundo é justo). Emma Stone, a frankensteiniana criatura de "Poor Things" de Yorgos Lanthimos, faz uma rasteira a Lily Gladstone na categoria de Melhor Atriz, e na mais disputada categoria, a de atriz secundária, Da'Vine Joy Randolph de "The Holdovers" acena às derrotadas America Ferrara e Danielle Brooks. Outra categoria digna de nota é a de Filme Internacional, com o britânico falado em alemão "Zone of Interest" a sobrepor-se a "Perfect Days" e "The Teacher's Lounge", sacudindo alguns fantasmas do Holocausto e incomodando, como se percebeu no discurso de Glazer, o conflito israelo-palestiniano. E por fim, digno de nota, o nipónico e "underdog" "Godzilla Minus One" a triunfar na competição dos efeitos visuais, deixando para trás candidatos com potencial como "The Creator" e o terceiro "Guardians of the Galaxy", e (confesso, o prémio que mais felicidade me trouxe), a animação para "The Boy and the Heron" do nosso mestre Hayao Miyazaki.
E pronto, é isto. "Acabaram-se os Óscares, que regressa o Cinema"!
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Oppenheimer (Christopher Nolan, 2023)
Ontem foram anunciados os "premiados" da OFCS (Online Film Critics Society), na qual participo, e constatei que são exatamente os mesmos nas suas devidas categorias em relação a outra enxurrada de prémios e círculos de crítica. Hoje, confirma-se a "harmonia" com as nomeações aos Óscares, como se fosse um campeonato. O que mais entristece não são os prémios, mas sim como este círculo de críticos parece não sair daquele formato de "gosto". Deixou há muito de existir exigência, e sobretudo, pensamento. Temo que a Crítica de Cinema se transforme em algo meramente decorativo... e estrelado.
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“Everything Everywhere All at Once” saiu-se, de alguma forma previsível, como o grande triunfante na noite de entrega dos Óscares. O estranho e filme de culto da A24 assinado pela dupla Daniels levou para casa 7 prémios incluindo os de Melhor Filme, Realizador, Atriz Principal, Atriz Secundária e Ator Secundário. É a possível abertura da Academia a estes filmes tresloucados que apenas viriam os prémios por “canudo”, contudo, mudanças feitas e tendo em conta o vencedor do ano passado (que já ninguém se lembra, e que na pior das hipóteses escancarou ‘portas’ para o streaming) é uma melhoria, venceu o Cinema, mesmo que não seja o “nosso” ou o “vosso” Cinema, porque de resto, bem, Óscares são Óscares, valem o que valem. Nessas narrativas são ‘sonhos’ a serem concretizados, bastou ouvir Ke Huy Quan no seu discurso oscarizado [um dos mais emocionados na história dos prémios] para perceber que aquele momento era o momento em que se atinge o conceito “sonho americano”, até Jamie Lee Curtis o chegou, de estatueta na mão. Uma imagem improvável para quem sempre fora entendida como a atriz do “Halloween” e outros slashers.
Só que não foi desta que o “sonho americano” chegou a Portugal. “Ice Merchants” ficou pelo caminho, vencido pela produção de J.J. Abrams - “The Boy, the Mole, the Fox and the Horse”, de Peter Baynton e Charlie Mackesy - adaptação de um popular livro de Charlie Mackesy, com o selo BBC e Apple, cujos seus fragmentos tornaram-se virais no Tik Tok, um conjunto de elementos que reforçam esse néctar premiável, o lobby. Todavia, a animação de João Gonzalez é já um vencedor por direito, abriu uma “porta” que Portugal nunca estendeu a mão à sua maçaneta, e levou portugueses a falar e a interessarem-se por este sector (prestigiado em todo o Mundo com excepção … como é “óbvio" … no nosso país), e da imprensa, que durante anos se “borrifaram” para ela, puseram-se a dedicar dossiês especiais sobre a nossa produção de animação e dos seus ‘protagonistas’. A Animação tornou-se na ala maior do Cinema em Portugal, não só pela indicação, mas como esta serviu de tocha para que muitos se aventurassem na escura gruta da sua ignorância. Voltando aos prémios de “last night”, Brendan Fraser com o “boneco de ouro” empunhando deixou-me satisfeito, mais uma vez, constatando o “sonho americano” e as suas narrativas de superação e “comeback” a vingarem numa entrega que tanto poderia ser contada em forma de filme oscarizado, e que o diga Michelle Yeoh!
Mas do outro lado da premiação, a derrota figurada na decepção, Angela Bassett não se controlou, demonstrando esse ar infeliz (foi a melhor de “Wakanda Forever”, mas um prémio num filme dessa instância seria ingrato para a carreira de uma atriz que, certo dia, se “vestiu” a Tina Turner), ou “Tar” de Todd Field, obra sobre a nossa modernidade e contra o seu simplismo, de mãos vazias e sobretudo com Cate Blanchett, injustamente, fora da glória da noite. Não há Óscares para todos, muitos menos ‘sonhos’.
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“The Power of the Dog” foi o grande vitorioso e simultaneamente o grande derrotado. Se por um lado a neozelandesa Jane Campion venceu o prémio de realização (a terceira mulher na História das estatuetas), dando a entender o favoritismo do seu western desconstrutivo (desde o western spaghetti, que não existe western que não seja desconstrutivo), mas cujo apelo emocional e a atenção da representatividade levam o Óscar máximo à apropriação yankee de “La Famille Bélier” (sim, “CODA” é um remake do êxito francês). E foi através deste filme de família, que muitos juram ser simpático e de coração meloso (até à data deste texto não o vi por várias razões, uma delas é por já ter presenciado a versão francesa), que a fronteira de legitimação dos streamings neste contexto premiável foi totalmente trespassado. O mercado e o mundo vai mudar a partir de hoje. Em Portugal (novamente frisando, até à data deste texto), o "CODA'' apenas está disponível na Apple TV, e quem sabe ainda teremos que aguardar para o ver em grande ecrã (ou se calhar não, visto já não ser mais prioridade).
Enquanto isso, “Duna”, previsível, saí-se triunfante nas categorias técnicas, os lobbies das majors fizeram novamente sentir em muitas outras categoria, para ser exato a Disney com “Encanto” (uma perversa animação que ostenta a falta de criatividade no meio) e “Summer of Soul” a lesionarem “Flee” (Animação e Documentário respectivamente), já no Filme Internacional, “Drive My Car” sai compensado. Depois de Secundários merecidos, Ariana DeBose (no mesmo papel que garantiu também a estátua a Rita Moreno em 1961) foi de facto das melhores “coisas” da revisão e declaração amorosa de Spielberg a “West Side Story”, o último ato é marcado com decisões acima de tudo estranhas e fora das habituais apostas, a começar por “Belfast” como Argumento Original (“The Worst Person in the World” ficou a ver “navios”), “CODA” torna-se no melhor guião adaptado (“Drive My Car” e “The Power of the Dog” juntaram-se ao filme do Trier no miradouro), Jessica Chastain (“The Eyes of Tammy Faye”) passa à frente de Olivia Colman (“The Lost Daughter”) e Kristen Stewart (“Spencer”) em Melhor Atriz e Will Smith (“The King Richard") triunfa sobre o favorito Benedict Cumberbatch na categoria masculina.
Cerimónia desesperada em reconquistar público, marginalizando as categorias técnicas da festa televisiva e priorizando as performances artísticas e as boas intenções, assim como a hipocrisia (ver Francis Ford Coppola em palco celebrando os 50 anos de “The Godfather” enquanto a indústria tem o desprezado nestes últimos anos). No fim de contas, os Óscares são o que são, fala-se menos de Cinema e fala-se mais de espectáculo e a tendência é cada vez mais nessa direção até a sua relevância ser totalmente desvanecida. Porém, nada importa aqui, Will Smith esbofeteou Chris Rock e é disso que se fala.
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A convite do Cinetendinha e do caro amigo crítico e jornalista de cinema Rui Tendinha, estive presente (indiretamente) na noite de entrega das estatuetas douradas para mandar uns quantos bitaites sob o gosto dos comes e bebes e do cansaço sempre habitual desta espera pelo hipoteticamente Melhor do Ano. E sempre bem acompanhado por Paulo Portugal (da Insider) a mostrar novamente aqui o seu encanto. Muito grato pelo convite e pela oportunidade.
PS: a nossa intervenção surge a partir das 4:50:00
Enquanto isso, e após a “surpresa” do Green Book, expressei numa crónica corrida no C7nema. “Poderia ter sido o ano da mudança nos Oscars, mas não o foi. Preferiram ficar à sombra da bananeira.” Ler crónica completa aqui.
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City of Stars ecoa como um hino de derrota, uma triste melodia que protagonizou um dos (se não o) momento mais caricato da cerimónia e da História dos Óscares. Segundo consta, o erro esteve num envelope equivocado, um erro descoberto tarde demais, no preciso momento em que a equipa do musical discursava os seus agradecimentos. O prémio máximo acabaria por ser entregue a “Moonlight”, a resposta mais marginal às luzes e sons de “La La Land”. Durante alguns segundos, o musical mais amado/odiado da atualidade converteu-se num filme de compaixão, até porque se livrou da maldição do Óscar, e essa mesmo abateu-se na obra de Barry Jenkins. Só o tempo dirá o que esta “valorização” vai significar.
Como sabem, as estatuetas douradas não são mais que meras representações de consenso oriundo de votantes, que, sabe-se lá de onde, adoram sentir-se humilhados com as declarações anónimas para a The Hollywood Reporter. Ao ver essas publicações, percebemos que de consciência crítica, esse grupo raramente o possui. É tudo uma questão de gosto, e até que ponto os separa do mais mundano espectador? Aliás, filmes como “Hacksaw Ridge” nunca teriam lugar numa lista composta pelos supostos “melhores do ano” … Reformulando, nenhum daqueles nomeados merecia tais títulos, mas isso é outra conversa.
Se o final foi inesperado, até mesmo para quem contava com a vitória de "Moonlight" nesta noite de “cartadas políticas” e de pouco cinema, o resto da cerimónia foi de puro tédio. Para além da previsibilidade, ainda tivemos que contar com a perpetuação de um certo conformismo, e destaco, obviamente, dois Óscares em particular. O primeiro, o de Melhor Animação, onde numa lista composta por três formidáveis exemplares, longe dos grandes estúdios, a Academia se vergou perante a trivialidade de “Zootopia”. Parece que a Disney continua a possuir o seu peso nas decisões dos votantes. Já o segundo, foi o desperdiçar de uma oportunidade de fazer certo, o de entregar o prémio a Isabelle Huppert pelo seu desempenho em “Elle”, aquele “murro no estômago” de Paul Verhoeven. Nesta decisão foi o “sangue novo” que persistiu, como sempre, e Emma Stone conseguiu erguer o troféu com graça. Porém, a tristeza sentiu-se do outro lado.
Resumindo a noite, “Moonlight” ganhou … ganhou, mas a sua vitória saiu ridicularizada, e triste. Será que alguém se lembrará do filme sem o associar a este “estranho” episódio? E até que ponto a sua vitória, não foi a vitória do politicamente correto? De momento, iremos deixar o ódio, muitas vezes, irracional que “La La Land” parece ter tecido antes dos Óscares, e esperar qual destes filmes terá o “privilégio” de ser relembrado como “aquele que definitivamente merecia a estatueta“.
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