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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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The Card Counter: Uma mão cheia de manias, rotinas e "cinema confortável"

Hugo Gomes, 16.11.21

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Em 2017, surpreendido, defendi contra as muitas vozes opostas à genialidade de “First Reformed”. Na altura entreguei o peito às balas como garantia de apreciação a uma atípica obra de um argumentista que constantemente tenta-se demonstrar como cineasta que cujo resultado tem sido uma acumulação com projetos imprecisos (uns mais interessantes que outros, é um facto).

Após esse “sucesso”, chamemo-lo assim ao fenómeno que virou este ateu num crente epifânico, Paul Schrader recorre à sua vencedora fórmula com este “The Card Counter”, uma evidente citação e recitação do cinema com que ama e porventura ousa em invocar, é uma “mão segura” ao invés de uma arriscada aposta. Perante tal recolhi-me à minha própria angústia e inicio uma autoflagelação enquanto castigo de purificação dos pecados que cometi (diria à ingenuidade de ter acreditado na sua capacidade de seguir na frente de outras linguagens, formas e abordagens neste meio), Schrader voltou ao seu anterior estado, à construção somente envolto de filmes alicerçado à sua noção de “confortável”, piscando, friamente, os olhos à cinefilia (que partilha com outros) com confiante mimetização.

Em parte é “mais do mesmo”, a reconstrução do “Taxi Driver” por vias de equações e somas de diferentes partes como o “blackjack”, esse jogo que o protagonista (Oscar Isaac sobressai nisto tudo com um homem arrastado nas suas criadas profundezas) é rei, “baseado em eventos dependentes, o qual um passado significativo afeta as probabilidades do futuro”. Ou seja, andamos em círculos na criatividade de Schrader, que tinha boas probabilidades de sair-se Grande.

Melancolicamente coenesco ... viva Llewyn Davis!

Hugo Gomes, 04.01.14

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Em “Inside Llewyn Davis” seguimos um músico folk que, após o desaparecimento trágico do seu parceiro, decide aventurar-se numa carreira a solo, arriscando tudo para o conseguir. É uma viagem que parece adquirir certos contornos de Lewis Carroll, aliás, como já havia referido, são muitos os pontos comuns com a obra datada de 2000 dos Coens (“O Brother, Where Art Thou?”), que se envolve num poço de excentricidades transcrita nas situações que o protagonista viverá ou das personagens que encontra no seu atribulado caminho.

Tudo isto envolvido numa atmosfera que parece rasgar visceralmente a sua melancolia interior, onde a fotografia de Bruno Delbonnel reforça tal sentimento. “Existe uma certa beleza triste na derrota“, já dizia Fernando Lopes no filme “Lovebirds” de Bruno De Almeida, já em “Inside LLewyn Davis”, os Coens conseguem invocar tal poesia da queda, tal filosofia de vida que no cinema norte-americano parece cada vez mais fortalecer os audazes. Este é uma corrente contrária à fixação do cinema local independente em relação ao estereótipo do “loser“. Porém, sabemos que a personagem de Oscar Isaac não preenche tais requisitos. Por vezes de má índole, este é uma figura pela qual torcemos mesmo frente aos infortúnios que o perseguem. Tudo descrito numa interpretação de corpo e alma pelo ator que tem vindo nos últimos anos tem deixado algumas marcas celebrativas. Ele entrega-se a um desempenho dito coenesco, enriquecido com perfomances musicais, emotivas e nada confrangedoras. 

Por fim, temos um elenco ao dispor dos realizadores, demonstrando profissionalismo e versatilidade no seu tom; John Goodman, Justin Timberlake, Carey Mulligan, Adam Driver, o há muito desaparecido F. Murray Abraham, e o gato (quem ver o filme irá perceber a menção).

Inside Llewyn Davis” é pura melodia de rua, triste mas enigmática, um dos melhores dos Coens em muitos anos.