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Orson Welles e Anthony Perkins durante a rodagem de "The Trial" (1962)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Orson Welles e Anthony Perkins durante a rodagem de "The Trial" (1962)
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A caminho do visionamento de imprensa do novo “Transformers”, deparo-me com a onda de críticas “yankees” a preencher o meu feed virtual devido ao levantamento do embargo, entre elas, uma da Variety que ostentava o título - “A Less Bombastic, More Relatable Sequel” (“Menos bombástico e mais relacionável sequela”, isto em tradução literal). Dou por mim a pensar, possivelmente consolado de que não será um Michael Bay show que verei nas próximas horas.
Já isso tinha sido firmado com o antecessor reboot “Bumblebee”, a essência de ser mais Spielberg do que o realizador assinante dos cinco anteriores filmes. Porém, como havia referido nessa estreia, e novamente sentindo, o paradoxo de Bay, com ou sem. Ora se sem Bay relaxamos as vistas, despedimos da montagem freneticamente hiperativa (e ocasionalmente indecifrável), do humor brejeiro e crises hormonais de adolescente tardio que minam o seu dito universo, para além do lenço branco a tiques e toques do mesmo, por outro, somos "bombardeados" com o mais genérico e o puramente despersonalizado espéctaculo à moda de Hollywood. Com que ficamos então? Pela mera parvoíce estética, ou a homogeneização de um “produto produzido em massa para massas”?
Este “Transformers: Rise of the Beasts” é o filme, baseado na popular linha de brinquedos da Hasbro, que tende em desviar das minas e armadilhas deixadas pelo legado do anterior contramestre. Exibe um desenvolvimento (nem que seja sugestões de) nas suas personagens humanas e apresenta um vilão intimidante para acelerar o clímax (deixemos os antagónicos «sacos de pancada» fáceis), só que tais encargos são meras rotinas, oleadas operações que insuflam um sensação de dever cumprido perante ao que se pensa ser exigência dos espectadores. Vacuidades tecnológicas, desconsiderações narrativas, ação salta-pocinhas (Machu Picchu torna-se desta vez o cenário de armagedão improvisado) e o CGI que após uns primeiros passos cautelosos assume imperatividade no último ato. Por um momento ou outro, fica-se o desejo de retornar aos antepassados (ao “bayhem” propriamente dito), mas tal regressão é automaticamente deixada pela sobriedade da produção, para não delirarmos mais uma vez.
Ponto curioso, o grande vilão deste episódio - “Unicron” - surgiu pela primeira vez em 1986 na longa-metragem animada dirigida por Nelson Shin, vocalizado pelo, nada mais nada menos que Orson Welles, na altura desesperado e endividado. Conta o criador e argumentista Ron Friedman que a colaboração com o homem por detrás de “Citizen Kane” foi caótica. Welles encontrava-se rendido aos vícios da sua “má vida”. Um momento de trivialidades para uma crónica de um filme que é mais que trivial.
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Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975)
O problema incutido nas listas coletivas encontra-se na reação posterior. Existe uma crença neste tipo de forças mútuas como se uma verdade inabalável, um absolutismo, se tratasse. Recordo, há um par de anos, no virar de uma década completada, um top correspondente por parte do Cahiers du Cinéma, no qual elegia a série “Twin Peaks: The Return” como o filme marcante de dez anos de cinema, curiosamente, lugar que, estranhamente, coube a uma produção televisiva. Porém, a lista revelou-se fruto dos seus colaboradores, statements ou mensagens à parte, cada um pôde ler como bem apeteceu, mas na realidade é que após a divulgação foram muitos os que contestaram as escolhas num radicalismo puro e pior, colocaram em causa a reputação da revista de cinema. A resposta de muitos surgiu nas formas de listas individuais e pessoais, uma hipocrisia de quem condenava um trabalho de muitos.
As listas são o que são, meros “apanhados”, mero resultado democrático, e talvez essa contestação cada vez mais violenta de uma, seja um reflexo das nossas sociedades que se tem mostrado mais polarizadas, viventes de um período pós-verdade, ou será antes, embate de “uma” verdade contra a “outra” verdade (a verdade de cada um, vulgarmente declarado e citado por aqueles que pouco acreditam na mesma). Essa “violência” surge agora na forma de outra revista, a “Sight and Sound” da BFI, e a sua célebre eleição de “Melhor Filme de Sempre”. Título ambicioso, embora nele haja um certo simbolismo quanto à mesma. O processo é um inquérito feito através de uma seleção de críticos internacionais, cada um deles escolhendo dez títulos para que depois disso a magia seja feita. Desde o início desta atividade já esteve no topo, “Ladri di Biciclette" de Vittorio Di Sica, “Citizen Kane” de Orson Welles e por último “Vertigo” de Alfred Hitchcock. Um neorrealista italiano e dois pertencentes à Hollywood clássica tiveram em mãos a faixa de “Melhor Filme de Sempre”, um trio que dá lugar a um quarteto, porque aí entrou uma nova triunfante: “Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles” de Chantal Akerman.
E num estalar de dedos, as reações fizeram-se sentir, de um lado quem celebrou a representatividade, “mulher feminista e queer”, promovendo causas e ativismos acima da arte (pois bem, mesmo sendo ambas, Chantal Akerman nunca pretenderia ser reconhecida desta maneira). Enquanto, do outro lado da barricada, como cães de Pavlov, rugindo e rasurando, acusando com a pretensão de “wokismo” e ideologias, sem perceber que até as suas vozes operam em regimento de uma. Um cenário polarizado, um cenário divisório, longe daquilo que poder-se-ia celebrar, o Cinema. Não se deve queimar Welles, Hitchcock nem Di Sica por não corresponderem a um mundo idealizado, ou simplesmente representarem um outro, cada vez mais distanciado (contraditoriamente, Orson Welles mantêm-se mais moderno que muito do cinema hoje produzido, e “Vertigo” num dos mais influentes de sempre), nem a oposição, o de “fechar portas” a "newcomers".
Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
“Jeanne Dielman”, datado de 1975, representa um outro nome de Cinema, não o de “ser realizado por uma mulher”, antes disso, um anti-enredos aristotélicos, um anti-academista, um anti-Hollywood, um anti-agenda, um “esculpindo o tempo”, com um quotidiano capturado não ao serviço de uma ficção novelesca (“Queriam o quê? Novela”, entra, mentalmente, em cena João César Monteiro!), mas ao experimento do Cinema como expressão visual. Chantal Akerman tornaria, e hoje mantêm-se, num dos nomes charneiro do “slow-cinema” (termo que considero abjeto porque nele “nasceram” muitas nulidades artísticas, convenhamos sublinhar). Hoje é impossível não encontrar os seus “rebentos”, os seus “filhos” e “filhas”, o seu Cinema, o que resta dele, encontra-se atualmente ao virar de cada esquina e citando Herman José, “essa prostituta de esquina que se dá pelo nome de Vida”, ninguém tenha tido a mesma capacidade de a emoldurar cinematograficamente como Akerman a fez nas suas mais diversificadas estâncias e em “Jeanne Dielman”, o quotidiano é uma “bitch”.
Mas porquê “Jeanne Dielman” agora? Fácil de responder, um conflito geracional e com cada vez mais novos críticos no poll, de diferentes regiões geográficas, no qual reflete as divergências quanto ao cinema influente de cada nacionalidade. Certamente, e possivelmente, daqui a diante os filmes serão mais recentes (em 2012, um filme de ‘41 foi destroçado por um de ‘58, e dez depois, surge-nos uma obra com mais 16 anos de diferença, um espaço até menor entre “Citizen Kane” e “Vertigo”), mais extraviados do cânone anglo-saxonico (e atenção, Chantal Akerman é, acima de tudo, canónica). Haverá mais uma abertura para o cinema fora dos grandes polos. Quanto à falência à crítica apontada como razão desta escolha … realmente, a crítica de cinema encontra-se numas piores fases da sua existência, e poderíamos prolongar, mas continuo a mencionar que Roger Ebert tem muita culpa no cartório pelo binarismo, banalização e espetacularização. São outros tópicos.
Portanto, num momento em que a valorização ao storytelling (um sintoma do sistema algorítmico das novas "majors", as plataformas de streaming) tem sido imposto a milhões, “Jeanne Dielman” chega-nos com o título de “Melhor Filme de Sempre” para mandar uma mensagem ao Mundo, “o Cinema não serve só para historietas, também pode inquietar”. O resto, essas reações, são apenas ideologia (pró e anti, radicalismos que afastam a Sétima Arte da sua interminável demanda).
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Unfaithful (Adrian Lyne, 2002)
Falling Down (Joel Schumacher, 1993)
The Lovely Bones (Peter Jackson, 2009)
Labyrinth (Jim Henson, 1986)
The Music Room (Satyajit Ray, 1958)
Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
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Se David Fincher é realizador para se agarrar a um saudosismo "hollywoodesco" (ai, esses tempos áureos de tão oleada e funcional indústria), obtemos a definitiva resposta à dúvida com "Mank". Que é não. Como era esperado do autor por detrás de algum dos "thrillers" mais admirados do cinema norte-americano contemporâneo (“Se7en”, “Fight Club”, “Zodiac”), parte-se aqui uma teorização e, consequentemente, de um arrufo, como objetivo: "Mank" é um exercício sobre um debate constante quanto à verdadeira genialidade por detrás de uma obra-prima do cinema.
Falamos de "Citizen Kane - O Mundo a Seus Pés", realizado em 1941 por Orson Welles, com 24 anos. Afinal, aquele que viria a perdurar anos e anos como o “Melhor Filme de Todos os Tempos” é um abrigo de mistério, conspirações e disputas de custódia artística e criativa. Foram e são muitas as vozes de suspeita sobre os feitos de "menino prodígio" em "Citizen Kane” (e na progressão da carreira), até porque também por aqui nos deparamos com a câmara de Gregg Toland (cuja técnica da profundidade de campo traria uma inovação estética a Hollywood) ou a edição de Robert Wise (mais tarde, o realizador de obras bem conhecidas como “West Side Story”, "Sound of Music" e “Star Trek”). Mas foi no seu esqueleto, o guião escrito a meias com o lendário dramaturgo e argumentista Herman J. Mankiewicz, que suscitou toda esta vontade de desconstruir a genialidade de Welles por parte do argumentista de "Mank", Jack Fincher, o pai do realizador, falecido em 2003.
Será que o responsável pelos alicerces de “Citizen Kane” é, afinal, Mankiewicz e não o talento suado de um sobredotado? A lendária crítica de cinema Pauline Kael defendeu esta teoria. David Fincher, por sua vez, segue pela mesma perspetiva, recorrendo a um método algo detetivesco e mimetizando estética e narrativamente o célebre filme de 1941. O exercício, voluntariamente esboçado como um guião em desenvolvimento, insufla vida à tese do toque de Midas de Mankiewicz, sem nunca questionar nem apresentar uma visão dúbia do que terá acontecido. Vindo de um artesão de um engenhoso "thriller" como “Zodiac”, sempre em gradual dúvida e crente absoluto num clima de mistério, “Mank” está demasiado seguro nas suas convicções e com isso, a figura de Orson Welles (interpretado por Tom Burke) sai-se mal na fotografia.
Não defendendo de todo o talento (ou não) quase divino de Welles, a questão é que “Mank” apoia-se demasiado na ideia corrente (ou já transformada em clichê dos clichés) do génio-artista auto-destrutivo com Gary Oldman como o argumentista desbocado e capaz de se conduzir com inspiração mesmo alcoolizado. Em tempos, a Hollywood clássica aproveitaria esta história para impor a sua moral de redenção e salvação cristã. Já a Hollywood pós-Hollywood renega esse propósito fabulista e de mensagem pedagógica, persistindo na desordem como um sinónimo da criação humana ao mais alto nível: serão o génio e o caos indissociáveis?
Deixando a pergunta no ar, David Fincher bate-se depois numa aventura paralela, o jogo das referências e adereços cinéfilos para maravilhar os fãs. Manobra previsível, digamos, vindo de um projeto que tenta beber dessas fontes. Mas a minagem de nomes, produtores, realizadores, atores, filmes, estúdios (as “majors” no seu apogeu), servem apenas como chamariz para uma tentativa de conclusão do mistério sobre "Citizen Kane".
Obviamente que não há amor por estas épocas longínquas e por diversas vezes a acidez do realizador vem ao de cima, através de apontamentos de contexto político e social (chegam a ser o mais entusiasmante de "Mank"). Mas o pecado maior é servir-se do mais profundo academismo de requinte para encantar a temporada de prémios.
Não é este Fincher que costumamos apreciar: em vez de uma reinvenção temos um projeto anónimo, desinspirado e fanfarrão. Se vamos discutir o génio de “Citizen Kane”... poderemos fazê-lo ao (re)ver “Citizen Kane”.
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Antes de começar com a previsível justificação da minha seleção, queria mencionar um filme que apesar de se encontrar ausente desta listagem, foi importante e reflexivo para com a virada da década, e quiçá, desenhando aquele que diríamos ser o cinema das próximas gerações.
Essa obra é nada mais, nada menos, que a “The Social Network” (A Rede Social), de David Fincher, que acertou contas com um dos possíveis vórtices da nossa identidade do século XXI, enquanto individual, enquanto coletiva. Não poderemos negar que os nossos dias são demasiado dependentes desse dispositivo - o de trabalhar a nossa imagem para o exterior e moderar a exposição do nosso (não) íntimo. Digamos, que foi através desses pensamentos perante tal “futilidade”, do qual se tornariam o espelho narcisista da nossa modernidade, que Aaron Sorkin inspirou-se para escrever esta fictícia trama (na altura apontada como “cedo demais”) que operaria como pontapé de saída para os filme que reúno aqui – intimidade expositiva e a imagem fabricada da nossa existência.
Por isso, passeamos pelo último gesto de cineastas incompreendidos (The Other Side of the Wind, The Turin Horse) até à possível previsão do futuro do cinema (Holy Motors, The Congress), a nossa exposição sentimental como instalação artística (Elena, Before We Go, L’ Vie d’ Adèle), a identidade ou existência como demanda de natureza várias (La Grande Bellezza, La Piel que Habito, Django Unchained). Mas no seu todo é uma “mixórdia”, como muitos deverão salientar, de velhos autores em reunião com outros nomes sonantes e promissores que aguardam pelo seu tempo. Porque o cinema tem destas coisas - o de esperar para ver.
1 -The Other Side of the Wind (Orson Welles, 2018)
2 – Holy Motors (Leo Carax, 2012)
3 – Elena (Petra Costa, 2012)
4 – La vie d'Adèle (Abdellatif Kechiche, 2013)
5 – The Turin Horse (Béla Tarr & Ágnes Hranitzky, 2011)
6 – Before We Go (Jorge Léon, 2014)
7 – The Congress (Ari Folman, 2013)
8- La Grande Bellezza (Paolo Sorrentino, 2013)
9 - Django Unchained (Quentin Tarantino, 2012)
10 - La piel que habito (Pedro Almodóvar, 2011)
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"(...) teremos o nosso filme. Um filme a sério!" Ver The Other Side of the Wind neste momento é desbravar um espelho infinito, um filme dentro de um filme dentro de outro filme, a premonição de um futuro ou as réstias autobiográficas que estão depositadas nesta prolongada entropia (a desordem e transforma-se numa ordem). O filme inacabado. O filme a sério como é gritado, ganhou forma, vida aliás, e transformou-se num monstro.
Dou graças por estar vivo e testemunhar este evento.
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