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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Dance with my self

Hugo Gomes, 04.02.23

A liberdade de um filme é medido pelo tempo que é dado às personagens para poderem dançar sozinhas. Ou parafraseando uma das obras menores de Ken Loach ["Jimmy's Hall"] - “We need to take control of our lives again. Work for need, not for greed. And not just to survive like a dog, but to live. And to celebrate. And to dance, to sing, as free human beings.”.

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Spider-Man 3 (Sam Raimi, 2007)

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Babylon (Damien Chazelle, 2022)

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La vie d'Adèle / Blue is the Warmest Color (Abdellatif Kechiche, 2013)

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Saturday Night Fever (John Badham, 1977)

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Frances Ha (Noah Baumbach, 2012)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

Ya no estoy aquí (Fernando Frias, 2019)

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Bergman Island (Mia Hanse-Love, 2021)

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Grigris (Mahamat-Saleh Haroun, 2013)

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L'événement / The Happening (Audrey Diwan, 2021)

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Kickboxer ( Mark DiSalle & David Worth, 1989)

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Jimmy's Hall (Ken Loach, 2014)

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Cold War (Pawel Pawlikowski, 2018)

Porque nem sempre foi um "Bom Rapaz" ...

Hugo Gomes, 26.05.22

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Copland (James Mangold, 1997)

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Killing Them Softly (Andrew Dominik, 2012)

É muito fácil limitar Ray Liotta ao seu papel de Henry Hill em “Goodfellas”, não há escapatória, foi o filme da sua vida, da sua ascensão e ironicamente da sua queda. Sinto que a maldição de “Bom Rapaz” o perseguiu até então, reduzindo a diversidade dos seus papéis e ao mesmo tempo o encostando à categoria B de Hollywood. Não discrimino as homenagens feitas através da obra de Martin Scorsese, só por esse trabalho, Liotta (protagonista improvável digamos), merece todo o nosso carinho e respeito. O que seguiu foi a secundarização, mas sempre uma secundarização saudosa a esse mesmo filão. Enquanto isso sublinho dois desempenhos antes do seu promocional resgate em “Marriage Story” de Noah Baumbach; o parceiro de serviço de Stallone em “Copland” (James Marigold, 1997) e o alvo de “Killing Them Softly” (Andrew Dominik, 2012). Ao contrário do legado de Liotta, não devemos reduzir a sua memória. Mas claro, podemos sempre voltar à luz da ribalta de “Goodfellas”. E que espantosa iluminação e acima de tudo, formidável Ray Liotta.

Os Melhores Filmes de 2019, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 02.01.20

O ano 2019 foi marcado por uma disputa mais renhida entre a distribuição tradicional e os lançamentos de streaming. Nesse último ponto, dando o exemplo da megalómana plataforma Netflix, houve uma forte aposta nos autores que se encontravam (devido a questões criativas, orçamentais e até logísticas) ausentes nas majors hollywoodescas como é o caso de Martin Scorsese e o seu épico gangster The Irishman ou o intimismo de Marriage Story, um dos melhores trabalhos do nova-iorquino Noah Baumbach. Enquanto isso, o cinema fora EUA continua a dar as suas cartas em relação a histórias universais e motivadoras para estas gerações de sofá. E mais uma vez … o cinema português lidera o pódio deste estaminé.

 

#10) Leto

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Sem romances escandalosos, as biografias de cantores de rock seriam inúteis", ouve-se a certa altura nesta não convencional cinebiografia sobre a criação da banda de rock soviético Kino. Do dissidente russo Kiril Serebrennikov, eis um filme intrinsecamente poético (são bandas de Leninegrado que tocam rock que não é rock, mas que pretende ser rock) e expostamente revoltado sobre a resistência jovial e punk perante uma ideologia em queda no gradual contacto com o acidente.

 

#09) Marriage Story

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Embora ele o negue, há quem diga que Noah Baumbach se baseou no seu processo de divórcio para este filme emocionalmente cortante sobre o desgaste amoroso e as eternas batalhas judiciais e sentimentais de uma separação. Desempenhos impactantes e cuidadosamente explosivos fazem deste drama (e produção Netflix) um dos mais certeiros filmes sobre o tema do divórcio no panorama norte-americano, onde a distância é, por si, um alvo de foco.

 

#08) Joker

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Uma génesis anti-canónica embrulhada em maneirismos e referências do cinema de Scorsese. Um fenomenal Joaquin Phoenix e Todd Phillips compõem uma obra cruel que dialoga com a atualidade, dos movimentos populistas até à marginalização das minorias e dos incapacitados numa sociedade que cada vez mais os despreza. Um filme ambíguo que nos faz temer pela sua capacidade e recusa de empatia. Uma das mais interessantes e sólidas incursões do cinema de super-heróis.

 

#07) L'Empire de la Perfection

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Julien Faraut arranca com um texto do crítico Serge Daney em que comparava o Cinema com o desporto, nomeadamente o ténis, para partir numa busca pela perfeição nas posturas e gestos destes jogadores. Nesta sua investigação, esbarra no improvável, em John McEnroe e os seus movimentos desengonçados, na postura imprópria e no seu feitio que motivavam constantes paragens da partida. Através da imperfeição, tenta-se decifrar a perfeição.

 

#06) Once Upon Time in Hollywood

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Deambulamos pelas avenidas solarengas de Los Angeles, ou passeamos por um rancho cercado pelo culto Manson, trilhos e esperas que nos levam a um cinema dotado de paciência, mas percorrido com o amor à Sétima Arte, esse, oriundo de um dos seus entusiastas. Absolutamente "tarantinesco" e longe dos quadrantes do politicamente correto, um filme que é um espelho da nossa realidade e condição social, refletidas numa permanente fábula.

 

#05) Dolor y Gloria

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Após algumas revisitações falhadas, Almodóvar regressa ao passado, fonte de inspiração de algumas das suas melhores obras, para exorcizar as suas memórias num retrato de vitórias e derrotas. O “Pedrito” tem aqui o seu grande pseudónimo na pele de António Banderas, aquele que é possivelmente a seu papel mais rigoroso. Certamente sereno, consciente do seu percurso e sabiamente maduro, o filme é o melhor de dois mundos, a sensibilidade e a maturidade.

 

#04) Mektoub, My Love: Canto Uno

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Para as acusações de misoginia e de voyeurismo, respondemos com uma espécie de efeito proustiano no preciso momento em que Abdellatif Kechiche revisita as suas memórias de juventude numa distorção ficcional. A câmara assume diversa vezes o olhar de um jovem propício à descoberta sexual e emocional, e o filme acompanha essa libertação como um mero turista por entre praias, ruralidade e noites enfrascadas em álcool.

 

#03) Glass

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Nesta secretamente trabalhada trilogia do realizador de “O Sexto Sentido” e “O Protegido”, eis uma analogia ao nosso mundo, dominado pelo universo dos "comics" e super-heróis, desafiando a formatação cinematográfica a partir de uma impingida desconstrução. Mesmo sendo disperso na mensagem, M. Night Shyamalan nunca pretendeu fazer o mesmo que outros com materiais familiares, mas sim olhar à volta e repensar essa mesma paisagem. Será fruto de reavaliações no futuro.

 

#02) Parasite

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O sul-coreano Bong Joon-ho sempre requisitou a luta entre classes, seja de forma evidente ou subliminar, durante a sua carreira. Aqui segue uma família que sobrevive à conta de esquemas e subsídios e tenta infiltrar-se num seio mais avantajado. A sua obra narrativamente e tematicamente mais convencional, mas nem por isso inferior, pelo contrário: é a sua acessibilidade comunicacional que o torna universal e igualmente pontuado de pormenores deliciosos e fraturantes sobre as pirâmides hierarquizadas das nossas sociedades (ocidental ou oriental).

 

#01) Vitalina Varela

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Premiado com a distinção máxima no Festival de Locarno, mais o prémio de atriz, eis mais um feito do cineasta português Pedro Costa no seu percurso de constante reinvenção artística. Uma jornada por entre fantasmas e viúvas numa Lisboa soturna e condenada à marginalização onde, pelo meio, há todo um investimento estético que proclama o filme como um livro de ilustrações aberto para cada um de nós apreciar (nota ao diretor de fotografia Leonardo Simões). Uma experiência sensorial.

 

Menção honrosa: Ash is the Purest White, If Beale Street Could Talk, Los Pájaros de Verano, Alice et le Maire, 3 Faces

Os novos soldados da Guerra das Rosas

Hugo Gomes, 10.12.19

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Não é novo o tema do divórcio para Noah Baumbach. Já fez parte da sua consagração num retrato autobiográfico em “The Squid and the Whale” (2005), onde espelhava a separação dos seus pais em meados de 80 e nas manifestações que tais atos desencadearam numa estrutura familiar e afetiva, aparentemente sólida.

Passados 14 anos e com uma mão cheia de trabalhos derivativos na comédia "mumblecore" e em abordagens de maturidades tardias, o realizador regressa ao estado terminal de relação em mais um espelho. Apesar do próprio negar, há quem encontre contornos pessoais deste “Marriage Story” no seu divórcio real com a atriz Jennifer Jason Leigh em 2010. São traços que reconhecemos na personagem encarnada por Scarlett Johansson, atriz que finalmente encontra no universo do realizador a sua emancipação, o reencontro com a maturidade, e Adam Driver como uma "persona" fingida do próprio autor. Estas são as peças centrais de uma batalha jurídica que serve apenas de fachada para um verdadeiro embate emocional, a do desgaste de uma relação que vem provar que nada dura para sempre, nem mesmo a ilusão do sacrifício romântico.

Convém sublinhar que o hiato de mais de uma década entre “The Squid and the Whale” e “Marriage Story” nos revela um realizador em transgressão quanto à sua posição em relação ao mundo à volta. Antes, era o passado que se instalava como uma tela a ser preenchida  e um realizador que exorcizava os pecados dos seus pais como seus, culpabilizando-os quanto à sua formação. Agora, Baumbach assume finalmente a figura paternal, responsabilizando-se pelas falhas que antes apontara. É a sua passagem à maturidade que tanto procurara e ostenta-a com com a classe de um homem que se despe cada vez mais, deixando o minimalismo exposto à vista de todos.

Visto como um dos favoritos aos Óscares, "Marriage Story" é um filme sobre atores, erguido por atores e motivado numa relação de atores com atores em que Baumbach apenas fornece o material para as suas composições enquanto materializa a "distância", literal em cada espaço, como uma apologia de uma persistente falha comunicacional. Marido e mulher já não falam, não se tocam, não evidenciam o seu afeto. É com planos gerais dos diferentes cenários que observamos essa trégua silenciosa, Adam Driver num canto, Scarlett Johansson no outro. A aproximação será porventura a mais furiosa das batalhas campais, uma troca verbal que despoletará o pior destas personagens e o melhor destas atuações (Adam Driver é, sobretudo, explosivo).

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Obviamente que ficamos bem servidos com o leque de secundários (Ray Liota, Alan Alda, Wallace Shawn e Laura Dern, maravilhosamente a reflorescer na indústria após ter sido submetida a banhos "lyncheanos" em “Inland Empire”), mas é pelo que (ex)casal protagonista que descobrimos um semi-inventário da natureza desgastada das relações. O que existe depois do “felizes para sempre”?

A carente negociação de carícias é já um dos estandartes do cinema de Baumbach, a sua afirmação como homem superado e feito, como artesão das ligações embutidas entre homens e mulheres e o trabalho cúmplice com os seus atores. "Marriage Story” é isso mesmo, a evolução teatral que se revê em códigos antigos e consumidos, hoje desprezados cada vez numa Sétima Arte que se vangloria pela sua aproximação ao realismo formal e essencial (o que não inclui, claro, o género dos super-heróis).

Há quem ainda aponte ares do cineasta sueco Ingmar Bergman no seio deste diálogo de planos (basta ver as comparações com “Cenas de um Casamento”) ou até mesmo na perspetiva emocional destas personagens. Contudo, a verdade é que tudo aqui ecoa como uma preservação dos mais puros métodos de cinema, o simples trabalho de atores. E nisso, por mais apontamentos e anotações que possamos fazer, é um mérito que não poderemos tirar a Noah Baumbach.

Dores de crescimento

Hugo Gomes, 15.01.14

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O que mais me surpreendeu na nova obra do realizador / argumentista Noah Baumbach foi a forma como entrega uma jornada pessoal sem com isso cair nos atributos modelados do cinema generalista com direção para o grande público. É óbvio que lhe será imputado a ausência de emoção e de ênfase dramáticas que tanto agrada às audiências, mas logo após o seu desfecho é difícil não ficar comovido e pessoalmente concretizado em assistir a um filme que, ainda que longe da luz do mercado mainstream, propaga uma mensagem tão importante para os dias de hoje como aquela que “Frances Ha” invoca.

Como já dizia Almada Negreiros, “os jovens do meu tempo estão menos informados e mais adultos, os jovens de hoje estão menos adultos e com melhores informações“. Com isso saliento que o filme de Noah Baumbach remete-nos a uma das características da sociedade atual que é a maturação tardia e o atraso da independência pessoal, tudo isto espelhado na homónima personagem principal de Greta Gerwig, que já havia trabalhado com o realizador no anterior “Greenberg”. Personagem essa, uma jovem conformista, irresponsável e imatura, que subestima a vida e pouco faz para conseguir se vingar nela. É uma protagonista difícil de se simpatizar, pois a sua distorcida visão do mundo e o seu inocente egoísmo (por vezes a falta dele) comprometem tal cumplicidade com o espectador. Contudo, são as variadas desilusões que atravessará que por fim irão fazê-la compreender que a sua vida precisa urgentemente de um rumo.

As mudanças acontecem perante nós, porém sem efeitos bacocos ou nada que impere o espectador de reconhecer tais atos. Tudo isto para chegarmos ao portento pessoal das personagens, um desenvolvimento que se exibe e demonstra com toda a eficácia. De certa forma o percurso e o destino de Frances Ha conseguiram comover aqui o vosso escriba, que interagiu com o artificialismo e o caos em pessoa que a protagonista apresenta inicialmente até por fim se tornar … numa adulta, não em idade ou corpo, mas na forma de encarar e se relacionar com o mundo que a rodeia.

Tirando isso, “Frances Ha" é um vibrante e sempre criativo retrato narrativo tão estranho que chega mesmo a entranhar-se, Noah Baumbach num tom nouvelle vague (a irrequietude da personagem de Gerwig tem tanto de “Bande à part” de Godard como de “Adieu Philippine” de Rozier) ao sistema indie e mumblecore dos EUA. Entre as sequências revitalizantes e jovens que a obra contém, uma delas desperta em nós um entusiasmo contagiante: a imagem da protagonista pulando e andando coreograficamente ao som de Modern Love, de David Bowie (referência óbvia a “Mauvais Sang”, de Leos Carax), sincronizada com uma fotografia monocromática digna de um dos melhores exemplares de Woody Allen, “Manhattan”. 

Com uma excelente protagonista - Greta Gerwig é pura luz - “France Ha” é um dos filmes obrigatórios para esta temporada. Singela mensagem a ser transmitida no melhor do indie recente.