Estará na altura de a Disney eutanasiar a Marvel?
Há uns dias, a Variety publicou um artigo exaustivo denominado de “Crisis at Marvel” [com assinatura de Tatiana Siegel], que seguindo a trajetória tremida da “fábrica de super-heróis” da Disney desde 2020, tentava ‘penetrar’ numa eventual crise criativa, financeira e executiva. Num dos pontos que vai desde o encolher de ombros à situação de “Blade” (o que faremos com o Diurno?), até ao embaraço envolto de Jonathan Majors e o seu processo judicial (o ator seria o grande vilão pós-Thanos neste novo ciclo) e por fim, a incerteza que o seu novo capítulo, "The Marvels", constantemente adiado, poderia manifestar num box-office que dava sinais de "fadiga" ao subgénero.
Nia DaCosta, a realizadora e recém-sequestrada a esta pretensiosa linha de produção, tentou acalmar com declaração de estarmos perante uma obra colorida e cheia de humor e respeitosa para com as suas personagens, isto, reconhecendo o cansaço deste cinema nas audiências e ainda a expansão do universo Marvel que retiraria o entusiasmo dos espectadores, atribuindo a termo “trabalho de casa” à sua imperativa e entrelaçada continuidade. Com a estreia do filme que prossegue as aventuras da personagem de Brie Larson (Captain Marvel) e consequentemente a novas caras nessas demandas heróicas, apercebemos não só da exaustão no público (isto em época pós-Barbenheimer) como também da limitação palpável que a fórmula parece atingir ou de já ter atingido.
Diria que foi em 2017 que "Logan" de James Mangold quebraria o subgénero, trazendo a mortalidade como a última pedra da arquitetura; o resto seriam divagações e variações do mesmo, por vezes liderando projetos mais ambiciosos do que os executados ("Endgame", ou melhor a razão para esta crise identitária) e por vezes autorais ("Zack Snyder’s Justice League"), com "The Marvels", somos remetidos às origens da sua própria ambição. Se, por um lado, temos a enésima peça desse universo, palavra que substitui franchise nesses "vales de estranheza", por outro, temos o esquemático, o efêmero e a infantilidade a tomar as rédeas.
Ou seja, se o primeiro ponto leva-nos a uma narrativa em permanente ganchos com os filmes anteriores, os paralelos e agora, com as séries de televisão, do outro, sob o medo e ameaça da “fadiga”, levou-se a um brutal corte na duração, dando a nós o “filme mais curto” da saga. Seria um alívio para as contínuas reclamações de “filmes longos”, principalmente no cinema de super-heróis, é igualmente o calcanhar de Aquiles em todo este projeto, porque com isso somos encaminhados a um rasurado desenvolvimento às três pancadas quanto às suas personagens, sem ênfases nem humanização (mais um vilão para esquecer … oops, já esqueci), e um enredo que nos primeiros 10 minutos já está por si saturado e enfadado. Pois é, mais um macguffin, mais um Fim do Mundo para ser adiado, mais uma equipa, mais uma lição, o mesmo dos mesmo, sem volta a dar.
O final abre a porta para mais “multiverso”, tema deste arco narrativo marvelesco que vem consolidar a ideia de zero consequências, e ainda a opção de apostar em lides mais joviais, contrariando as audiências fiéis que “cresceram” ao longo destes 15 anos de filmes prescritos e que clamam por variações mais adultas e negras. “The Marvels” é genérico até à quinta casa e em comparação com os restantes “episódios”, é uma parede artística que a Disney terá que derrubar a todo o custo. Porém, outras vozes levantam, e questionam um cenário mais pragmático, o de matar este Universo, dar o seu devido ponto final. Não há vergonha nisso. Agora, transladá-lo para o pequeno ecrã (leia-se streaming em formato série), isso sim, já é vergonhoso.