Um sentimento ...
So this is how liberty dies. With thunderous applause.
Natalie Portman, "Star Wars: Episode III - Revenge of the Sith" (George Lucas, 2005)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
So this is how liberty dies. With thunderous applause.
Natalie Portman, "Star Wars: Episode III - Revenge of the Sith" (George Lucas, 2005)
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Black Swan (Darren Aronofsky, 2010)
Ela levantou a cabeça. Era linda. O discreto decote da blusa deixava à mostra a textura reluzente da pele. E que pescoço! Não desses muitos longos. Para ser exato, o mesmo pescoço da Vênus de Praxíteles. Também estive lá. Em Roma. Tenho horror de pescoços longos. Eles me lembram cisnes. E cisnes me lembra morte. A morte do cisne. E a morte do cisne me faz lembrar que também vou morrer um dia. Espero que não seja no lago. Tenho horror de quando começo a pensar. É repugnante. Graças ao demo, dono do planeta, há muito pouca gente que pensa. Ainda bem.
Hilda Hilst, "A Obscena Senhora D e outras Histórias" (edição Companhia das Letras) - "Contos D’Escárnio - Textos Grotescos" / 1990
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Há uma evidente alusão à “Persona” e a “Clouds of Sils Maria”, de Olivier Assayas, quer no confronto de identidades, quer na essência performativa, no entanto, em "May December", a recente colaboração entre Todd Haynes e a sua “musa” Julianne Moore (dupla “unha” e “carne”, evidentemente), evoca inesperadamente, e espiritualmente, um dos últimos trabalhos de Akira Kurosawa: “Kagemusha” (1980). Esse épico kurosaweano, surgido na sua fase pós-consagração, destaca a transformação de um sósia para o seu falecido Senhor de Guerra. Os próximos ao círculo do anterior feudatário apercebem dessas semelhanças, salientes e confundíveis da 'cópia' ao original, até ao ponto em que se tornaria mais autêntico [sublinha-se] que o próprio Senhor. Mais tarde, somos conduzidos a esse duplo-sombra perseguido pelo vulto do seu defunto mestre, numa perseguição onírica, metaforizando a instabilidade e mutabilidade da identidade, que não é mais do que uma 'persona' em constante manutenção.
Em "May December", Natalie Portman, assumindo o papel de Elizabeth Berry, uma atriz de renome do pequeno ecrã, imersa num novo e ambicioso telefilme, a adaptação da controversa história de Gracie Atherton-Yu (Julianne Moore), uma professora condenada por um relacionamento amoroso com um jovem de 13 anos nos anos 90, automaticamente virando uma figura mediática de tabloide. Portman estuda meticulosamente a personagem expressa em Moore, agora instalada e vivendo um matrimónio, aparentemente feliz, com o seu antigo “amante jovial” (Charles Melton), mimetizando-a para desvendar a sua psicologia, idiossincrasias e identidade, até mesmo invadindo momentos íntimos. A conexão entre o filme de Haynes e o de Kurosawa reside na transformação da(o) 'sósia' até atingir a réplica ambígua, chegando a transgredi-la. Aqui, em cena, a simulação do sexo no local, o ato 'pecaminoso' que dá mote à 'novela', do qual testemunhamos a fuga à crisálida por parte de Natalie Portman (o filme faz uso de um sub-subenredo de borboletas monarcas e as suas diferentes metamorfoses como imagem-guia), a sua tomada de posição, ou diria mesmo superação, a criação de uma nova autenticidade, de uma nova 'realidade'. A 'kagemusha', a 'sombra', aproxima-se do genuíno, desafiando a essência estabelecida pela 'persona original'.
Quanto à natureza do próprio filme, desviando-se da abordagem clássica sirkeana (“Far from Heaven”) ou dos resquícios de David Lean (“Carol"), "May December" apronta-se num lado pindérico telenovelesco, com a abertura em jeito do 'jingle' de "The Go-Between" de Joseph Losey e os constantes dramas sumarentos com que expõe como rímel de um confronto entre verité e vanitas. Porém, é na sua teoria que se resume a um interessantíssimo ensaio.
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A música toca e toca em modo playlist, continuamente, imperativamente e ritmicamente perante as imagens que funcionam num vórtice de corpos vazios, que bailam ao som das mesmas de forma dessincronizada. A música, segundo Malick, é a alma de Austin, esse paraíso liberal num estado tão fechado como o Texas, e a única alma verdadeiramente sentida, por a arte invocada por estes ritmos diversos não engendrar com a narrativa visual que o realizador “tímido”, agora prometendo uma maior assiduidade na indústria, gera.
"Song to Song" é a sua nona longa-metragem, a terceira da fase pós-2011 (sem considerar o seu documentário "Voyage of Time"), e a nova evidência de que os autores, por mais inconfundíveis que sejam, também cedem ao mais profundo conformismo. O “culpado” desta presença repentinamente está no digital, a infinidade e o facilitismo que as tecnologias atribuíram ao Cinema, mas para Malick é o prenúncio do seu fim enquanto ser misterioso da indústria, é o cansaço em pessoa de quem não tem mais nada de novo para contar. Triste realidade, "Song to Song" é mais do mesmo em doses malickianas, são as “maliquices” levadas até ao fim e o seu cinema tão “autoral” converteu-se na mais perfeita caricatura, a loucura da repetição e dos problemas de primeiro mundo como base de um prolongado sofrimento de personagens. Esse sofrimento entra em loop, na persistência dos mesmos planos “over and over”, e das frases sussurrantes cada vez menos inspiradas e cedidas a uma lamechice de pacotilha. Será Malick o Pedro Chagas Freitas cinematográfico?
"Song to Song" começa com um triangulo amoroso (Michael Fassbender, Ryan Gosling e Rooney Mara), um ménage de "Dreamers", de Bertulocci, com os mesmos “joguinho” sexuais e de foro emocional. Tais vértices vão-se afastando dando origens a trilhos cada vez mais paralelos entre as diferentes personagens. Sim, é triste chamar isto de personagens, até porque Malick brinca com o vazio, com os movimentos erráticos e circulares destas, nos diálogos impostos num falso-raccord. Não existe espaço para personagens, tudo são bonecos que se pavoneiam perante um autor que se assume desorganizado, espontâneo e refém do seu instinto.
Será isso bom? Não será a Arte um veículo pensante? Ou um instinto humano de comunicar? Conforme seja a escolha, a verdade é que o sedentarismo é um veneno e para Malick esperemos que encontre a cura. "Song to Song" é um som incorrespondido com a narrativa visual, é a prova de depois de Tree of Life, Malick não demonstra qualquer sinal de revitalização, mas sim de preguiça no mais incurável sentido.
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Neruda foi o esboço, Jackie foi "a prova dos nove". Neruda foi a desfragmentação, Jackie a fragmentação. Enquanto que um usufruía da liberdade em ficcionar, o outro tende em encontrar liberdade por entre a agenda de Hollywood. Mas Jackie, em todo os casos, é um oásis nesse deserto que têm sido os biopics da "award season". Pena é que Natalie Portman funcione como uma mimetização, algo representativo, onde serve de rebelião o olhar para com a rigidez da sua personalização.
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A primeira longa-metragem sob a batuta de Natalie Portman resume-se a um esforço hercúleo de uma estrela de Hollywood em “abraçar” as suas origens, enquanto procura dignidade artística dentro da indústria cinematográfica. Transcrevendo assim a autobiografia de um dos maiores escritores de Israel, Amos Oz, num registo que acaba por esboçar a sua infância como a relação com a progenitora, “A História de Amor e Trevas” (“A Tale of Love and Darkness”) é uma obra orquestrada pelas palavras do seu autor (readaptado pela própria realizadora).
Essa dita verborreia corresponde com etimologia ao visual descrito pelo filme, a fotografia pálida transmite convenientemente o estado espírito do protagonista, e essa relação entre a escrita e a imagem indicia os propósitos herdados pelo pai de Oz – “toma atenção à ligação entre palavras“. Falando em ligação, é evidente o paralelismo do crescimento do escritor, o menino de ontem, com o conflito israelo-palestino, um cenário bélico e de desolação que contribuirá para a afirmação do homem do amanhã.
O filme tende apresentar de forma quase orgástica a criação do “Estado Livre de Israel” (que no entretanto a narrativa cruza), ao mesmo tempo que “afia as facas” para uma catarse ambígua que determina um inimigo comum de dois povos rivais. Aqui a Europa é vista como uma terra maldita, lares de colonos e nazistas que deixaram à mercê um povo ao abandono de uma nação prometida. É sabido que Portman respeita a ideologia e o contexto histórico de cada palavra proferida por Oz. Todavia é certo, que esse escape através da língua de outro seja visto como uma desculpa para visualizar um lado da guerra, e assim incutir a tentativa de complexidade poética do lado biográfico da fita.
A atriz, que também protagoniza sob algumas dificuldades no dialeto, encarou imensos obstáculos até à concepção deste projeto, mas esse percurso “espinhoso” atribuiu a esta realizadora o seu “quê” de pretensiosismo. Aliás, essa ambição de interpretar os pensamentos de Amos Oz assumem-se como uma gratificante virtude e ao mesmo tempo um pecado carnal para o filme. Portman é uma “workaholic” empenhada, porém, esse dito compromisso se intromete nas “asas” que “A História de Amor e Trevas” poderia adquirir, para além de constantemente ceder a um ensaio narcisista da atriz / realizadora. Nota-se essa vontade de emancipação induzida nas trevas do ego, bem que longe de se tornar na maior “borrada” de um curriculum declara como uma obra atualmente menosprezada, provavelmente valorizada daqui a um par de anos. Talvez aí a ânsia de um estatuto artístico interrogado seja por fim encontrado.
Por enquanto, Natalie Portman estreia na realização dirigindo ela própria num dos seus melhores desempenhos recentes. “A História de Amor e Trevas” é um filme que queremos gostar a todo o custo. Infelizmente, é demasiado quebradiço e presunçoso para que nos atinja com o seu objetivo emocional. Esforçado, mas …
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