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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Os Melhores Filmes de 2023, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 27.12.23

Plataformas há muitas! Cada vez mais chorou-se pelas salas vazias e as telas projetadas sem companhia, mas é no encontro de 2023 que testemunhamos uma mudança neste paradigma da sala de cinema, anteriormente dominado pelo cinema “disneysco” e “super-heroesco”. As notícias de fracassos de box-office, à primeira vista, fariam qualquer adepto do cinema em sala arrancar cabelos e a gritar desalmadamente pela vida - ”se os super-heróis fracassam, o que mais poderia funcionar para conquistar espectadores?” - porém, a resposta fez-se pelo ciclo natural, Disney e os seus afilhados falham, dando a vez a outros fenómenos e a outros cinemas a dominar. 2023 foi o ano de “Barbenheimer”, a conjunção de memes de internet que rendeu milhões na estreia simultânea - “Barbie” e “Oppenheimer” - Greta Gerwig e Christopher Nolan a dupla esboçar sorrisos aos investidores, e a partir daqui, pequenos “milagres”, um cinema, talvez, mais adulto a fazer as delícias de “moviegoers”. 

Mas quanto ao Cinema? Digamos que se 2023 fosse resumida a vinicultura, seria uma boa colheita, a ser degustada e servir à temperatura ambiente como acompanhamento de um prato refinado. Sim, foi o ano em que o cinema estruturalmente e essencialmente se pensou e nele desviou-se a atenção do slogan “Cinema Morreu”, e substituiu-se pelo “Cinema está Vivo”. Victor Erice acreditou na sua “segunda vinda”, Nanni Moretti cedeu aos novos tempos (mesmo com um ar derrotado), Damien Chazelle codificou a fórmula da energia cinematográfica (o caos que gera harmonia), Bradley Cooper releu o classicismo e atribui-lhe roupagem a condizer, Wes Anderson castigou o realismo simulado e a imperatividade da continuidade (essa praga dos novos tempos) e Wim Wenders sugeriu que parássemos e contemplássemos o nosso redor. Por outras, o Cinema permanece à nossa volta, basta procurar, olhar e deliciar, os “velhinhos” da casa que teimam em vender o contrário fecharam há muito nos seus respectivos sótãos. 

Segue, sem mais demoras, os 10 filmes que o Cinematograficamente Falando … selecciona como os melhores do ano, respeitando o calendário de estreias nacionais (sala ou plataforma de streaming):

 

#10) Falcon Lake

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“Porém, a viagem é ela mesma corrompida, “Falcon Lake” deseja a sugestão como ninguém e nisso quebra a narrativa numa encruzilhada quase shyamaliana, depois disso o filme ganha um outro significado, uma outra visão, um outro efeito, o que nos leva ao grande dilema da nossa modernidade enquanto espectador - continuidade? Fortalecer ou enfraquecer?” Ler Crítica

 

#09) Killers of the Flower Moon

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“A tempestade, o Scorsese “velho” porém estilizado e fora de horas, é exorcizada nestas recentes estâncias, possivelmente na busca de um derradeiro título, em “Killers of the Flower Moon”, se tudo correr bem não deterá esse papel, mas é o ritual de afirmação para com essas memórias que se contrapõe a um Scorsese “novo”, mais próximo para com o súbito desvanecer.“ Ler Crítica

 

#08) EO

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Conta-se que Noomi Rapace, integrante do júri da edição de 2022 do Festival de Cannes, julgou em “EO” encontrar um realizador jovem no hino das suas vidas promissoras. Nada disso, Jerzy Skolimowski vai nos seus 85 anos, e com esta peregrinação exemplar, cita e recita o esperado filme de Bresson [“Au Hasard Balthazar”], remexe num cinema animalesco, de uma animalidade em contraposição da suposta e vendida Humanidade. Trata-se dessa refilmagem espiritual que cede à sua perspectiva e nos evidencia um filme fora do registo antropocentrista, e para resultar nele um Cinema puro que há um par de anos o russo Viktor Kossakovsky parece ter tecido - “Gunda”. O Cinema na pureza do seu lar, a Natureza como seu berço narrativo. “EO” não se equipara nessa pretensão, faz uso dessas iguais ferramentas. 

 

#07) Asteroid City

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“Terminou! A música anuncia o final, de costas voltadas para o proto-vilarejo que empresta o nome à película, os créditos finais começam a rolar, um papa-léguas, curioso pássaro testemunhante das peripécias ali fabricadas, balança no ecrã, fazendo ”pirraças” a quem vai gradualmente saindo da sala. Aos que ficam, a sua dança vitoriosa vira recompensa. Não quero abandonar este filme, não consigo de todo abandoná-lo. Rastaparta ao realismo!” Ler Crítica

 

#06) Perfect Days

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Wim Wenders também está, como é claro e sucinto, a envelhecer, não é o realizador de antes (e quem poderá ser na verdade?), pegando nesta curta de encomenda - uma aclamação pelos banheiros públicos da capital japonesa - transformou-a numa longa em perseguição à sua própria sombra, a metáfora de reconhecer o inalcançável. A vida é de curta estadia, aproveitar o que dela contêm, os “pequenos prazeres” de dia a dia, ou simplesmente devagar e devagarinho, receber cada raio de Sol uma benção, um “perfect day” cantarolando pelo esperado single de Lou Reed. Soa-nos conversa motivacional, pois soa, mas garanto-vos que a obra nada tem de desbaratamento inspiracional, porque não passa de uma filosofia quotidiana constatada, o yang ao lufa-lufa e do sucesso enquanto objetivo vivente, pregado vezes sem conta pelos falsos-ídolos do Ocidente.” Ler Crítica

 

#05) Afire

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O protagonista (Thomas Schubert) não é de fácil empatia, mas banha-se dela porque nos sentimos identificados com a sua negada emancipação, das troças do destino ou do bloqueio que o atingem enquanto maldição vindo de Deuses embusteiros. O novo filme de Christian Petzold é um magnetismo a fantasmas, seja Paula Beer em evocação da musa petzoldiana perdida (Nina Hoss, saudades tuas), seja a aura malapata deste scrooge escritor que parte para o litoral na tentativa de completar o seu romance. Soa-nos remédio-santo para assumir uma mediocridade, personagens que fazem isso merecem a ala mais elevada do Além celestial, contudo, mais do que a inteira consciência desse feito (que nunca se materializa), “Afire” é um jogo cruel, castigador deste narcisismo autodestrutivo, chegado por vias de apólices, essas epifanias ardentes e misteriosamente cadavéricas. Recorro a esta obra como um “livro aberto”, a proeza de conseguir ligar-nos aos desprezíveis, logo, incompreendidos protagonistas. 

 

#04) Babylon

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“Quanto ao nosso contacto com “Babylon”, a sua reação dispar é um sintoma de como Damien Chazelle acertou na mouche, odiar o seu lado “monstruoso” é natural e fortalecedor ao seu conceito, deslumbrar com ele é de igual forma. Um risco de produção, acentuada numa indústria que atravessa a sua crise identitária (não confundir com outras identidades). Julgo que não teremos outro filme assim durante um longo período … Obrigado Chazelle, por mostrares que és o melhor dos dois mundos!” Ler Crítica

 

#03) Il sol dell'avvenire

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“Já em “Il sol dell'avvenire”, o criado filme aproxima-se do quotidiano de Nanni (Moretti sendo ele mesmo, quem mais?), envelhecido, cansado e à sua maneira reacionário, incapaz de lidar com as transformações que a sua vida experiencia uma e outra vez. Talvez é nesse intuito que aqui o filme muta, já não é mais um espelho de quem não consegue “olhar de frente” para o trajeto da sua existência; é antes uma determinação e quiçá uma superação.” Ler Crítica

 

#02) Tar

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“Contudo, este jogo de duas faces instala esse efeito de dupla interpretação, onde cada um vê consoante a sua sensibilidade, como nos fizeram crer, felizmente “Tar” é uma espécie de palimpsesto, duas melodias na mesma nota sem com isto ser necessariamente uma questão de leitura ou de perspetiva, ou diríamos melhor, numa inquisição de perguntas e não de resposta. O Cinema não tem obrigação de responder a nada, por isso quem procura decifrar a autenticidade do seu simbolismo perde instantaneamente o seu efeito aqui.” Ler Ato I, II, III

 

#01) Cerrar los Ojos

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“Um despertar com contrariedade, porque é no encerrar os olhos que o Cinema vive. É no fechá-los que voltamos a Acreditar. Victor Erice acredita, acreditou e acreditará, a sua persuasão leva-nos a acreditar também.” Ler Crítica

 

Menções honrosas: Knock at the Cabin, Nação Valente, Nayola, Maestro, World War III, Sur L’Adamant

Ida e volta morettiana

Hugo Gomes, 30.09.23

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Não venham apontar o “Il sol dell'avvenire" como um regresso de Moretti à sua 'original' forma; nada disso, vejam-no como uma transição, ou um rito de passagem, como preferirem. Depois, há o 'novo Moretti' a emergir após a queda do 'antigo Moretti', e qual melhor maneira de apresentar essa diferenciação do que um lado a lado com dois dos seus posters desenhados: um do filme recente e outro do seu 'clássico', “Caro Diario” (1993). Enquanto num deles notamos o autor e protagonista numa Vespa à moda italiana, prosseguindo na sua direção, de costas voltadas, em velocidade e agressividade, em “Il sol dell'avvenire” é a inversão de marcha representada numa trotineta, um veículo movido pelo esforço físico, o tipo de mudança que ele pede. Isto para dizer que Nanni Moretti regressa aos seus temas antigos, velhas fórmulas e até mesmo velhas irritações, mas a visita serve apenas como desculpa para um “move on".

Moretti, amico, i cinefili sono con te!

Moretti 8 ½

Hugo Gomes, 27.09.23

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De “não-filmes” a “filmes incompletos”, é dessa forma que o universo de Nanni Moretti é povoado, e em “Il sol dell'avvenire” conta-se um falso retorno ao seu estado original, à comédia sardónica e ao cunho altamente pessoal (por vezes roçando o autobiográfico ou simplesmente o alternativamente biográfico). É desses fantasmas que o autor exorciza numa espécie de ritual criativo, é novamente a ausência, seja de que forma seja, ou que manifeste a apresentar o seu rascunho, ora entendido como pauta para o filme a seguir. 

Entre “Caro Diario” (1993) e “Aprile” (1998) - a ruptura com o seu alter-ego Michele Apicella e o momento de se assumir imerso na sua própria ficção - existia um hipotético musical de um pasteleiro trotskista dos anos 50, uma ideia, uma fixação e por vezes uma produção ficcionalizada na qual Moretti regressa quando convém, servindo de cela existencial para o tema indexado. Em “Mia Madre” (2015), era a mantra de um filme desgovernado por uma realizadora em crise familiar e um ator-vedeta convencido em sequestrar a produção, enquanto o 'verdadeiro' filme estava a ser construído fora dos bastidores dessa ficção dentro da ficção; era a despedida de uma figura maternal, o restante era apenas um escape, ora dançante, ora conduzido em vívidas alusões. Estes filmes (ou supostamente) enriquecem o campo do vazio/ausência que o cinema de Moretti traz como garantido punhado. Basta revisitar o “e se” em “La stanza del figlio” (2001), o mais óbvio dessa tese do vácuo e como lidar-lo, onde o filme, metaforicamente, segue uma narrativa inexistente, realidade como quiserem chamar, uma materialização dessa mesma ausência, o luto disfarçado e acorrentado nas asas libertadoras da imaginação. 

Já em “Il sol dell'avvenire”, o criado filme aproxima-se do quotidiano de Nanni (Moretti sendo ele mesmo, quem mais?), envelhecido, cansado e à sua maneira reacionário, incapaz de lidar com as transformações que a sua vida experiencia uma e outra vez. Talvez é nesse intuito que aqui o filme muta, já não é mais um espelho de quem não consegue “olhar de frente” para o trajeto da sua existência; é antes uma determinação e quiçá uma superação. Descrever esta obra como um “feel good movie”, “gringamente” falando, está para além do ser redutor, é antes ir à vértebra ferida de Moretti, porque até o convicto cede, e a cedência faz parte desse crescimento (ou amadurecimento, vá lá). Em “Il sol dell'avvenire”, é a transição de um Moretti hirto a um Moretti vencido, mas não derrotado, apenas revigorado. 

Veremos o que espera no pós deste “Fellini 8 ½” concretizado e de menores proporções? Mas assim o quis, talvez para fazer jus à sua natureza morettiana. Quer dizer, não se deixem enganar, temos Moretti sendo Moretti, surdamente erudito como profano, de retiradas iradas de Estaline às causas comunistas (dentro e fora do ficcionado filme dentro do filme, até porque o “filme é seu” como deixa expresso), à sua manifestação / revolta pela violência cinematográfica, gratuita ou necessária (a questão torna-se unilateral porque a visão de Moretti triunfa sobre tudo o resto, refletir, autoritariamente “sugere”, ao invés de terminar o filme alheio), e a Netflix - o gag certeiro como “coelho retirado da cartola do mágico” … 190 países (!), na supremacia de um “cinema” de formatos e algoritmos. “Se eles dominarem, o Cinema morre”, expressou Rodrigo Teixeira (o produtor de “The Witch”, “Frances Ha” e “Call Me By Your Name”), e sem dúvida alguma acredito que o Moretti partilha da mesma crença.

Nanni Moretti: "a ausência e o vazio são partes integrantes da vida"

Hugo Gomes, 02.11.21

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Há quem encare agora o realizador Nanni Moretti como o “marco de um passado recente”, conquistando o seu espaço com filmes que não reformulam a sua estrutura nem a abordagem, vincando novamente as suas duradouras questões políticas, de certa forma avesso a muitas preocupações atuais.

Contudo, o italiano continua um exímio artesão na sensibilidade com que coloca as suas personagens em situações mundanas ou até mesmo em sentimentos encarregados de preencher as suas respetivas ausências. Acima de cineasta político-satírico, Nanni Moretti é um homem das relações afetivas e como estas se manifestam perante as mais diferentes desventuras.

Inspirado num livro de Eshkol Nevo, o mais recente trabalho chama-se “Tre Piani”, que competiu pela Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, onde os seus filmes são presença quase sempre garantida. “Os franceses apreciam a minha obra e eu dedico-lhos até esta admiração perdurar”, justificou quando se encontrou com um grupo de jornalistas para uma conversa na cidade francesa. Abaixo segue o resultado da minha conversa com o cineasta. 

Fale-me sobre o seu particular interesse neste livro ao ponto de o adaptar.

Sou um leitor lento, mas neste caso tornei-me viciado nas suas páginas, apercebendo-me de imediato que este era o tipo de personagens e histórias que desejaria contar no grande ecrã. Porém, a estrutura narrativa do livro não era adaptável ao formato cinematográfico. Por exemplo, as três histórias que decorrem num só prédio que não se cruzam, tendo decidido que teriam que ser entrelaçadas no filme. Outra grande diferença é que, no livro, todas estas personagens narram as suas desventuras umas às outras. No guião tentamos trazer a ação descrita nesses relatos, assim como as suas consequências na vida destas mesmas personagens.

Tem o costume de ser duro com as suas próprias personagens, mesmo as interpretadas por si, mas vamos sempre ter um certo afeto por elas. “Tre Piani” vive também disso, de procurar compaixão em personagens sofridas, sem nunca as vitimizar. 

Espero sempre que os espectadores amem as minhas personagens, mesmo que estas tenham um complicado processo de afeição. Falo das minhas encarnações como das outras.

Tenho sentido, principalmente nos últimos trabalhos, seja na realização [“La stanza del figlio”, “Mia Madre”] ou até mesmo na interpretação [“Caos Calmo”], uma certa atração pelo vazio e a ausência. É como se o Moretti quisesse atribuir um corpo possível às mesmas.

Atração não diria. O que acredito é que a ausência e o vazio são partes integrantes da vida e, como tais, incontornáveis nas minhas histórias. Sinto o dever de as colocar no centro delas.

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“Tre Piani” é possivelmente um dos seus filmes mais dramáticos, mas não é só isso, há aqui uma total ausência de humor. Aliás, o seu característico humor satírico. 

Não me interessava fazer um outro filme 'à la Nanni Moretti' [risos]. Estas personagens, com estas histórias, necessitavam de outro tom, assim como achei por bem não nomear um protagonista nesta comunidade. Todas as personagens estão em pé de igualdade. E sem um protagonismo definido, não ficamos condicionados a um só enfoque, a uma só direção, apenas ao essencial. Estas personagens apenas vivem no meu filme com a sua essencialidade e isso foi desafiante, assim como atribuir a cada história um estilo próprio, uma personalidade.

O que tem contra o filme 'à la Moretti'? [risos]

Nada. Apenas digo que este filme não precisava desse tratamento. Posso adiantar que o meu próximo trabalho será uma comédia, que escrevi durante a pandemia, mas advirto que não será sobre a pandemia. [risos] Mas voltando ao 'filme Moretti', apercebi-me recentemente que os meus filmes são diferentes capítulos da mesma camada, portanto decidi afastar-me desse registo.

Falando no guião, o Nanni Moretti tem por hábito escrever os seus próprios filmes. Em caso de uma adaptação com esta, sentiu-se limitado em termos criativos?

Esta é a primeira vez que adapto em vez de escrever do zero um enredo, mas posso garantir que não me senti minimizado criativamente com isto.

Outro 'modus operandi' é o de atuar nos seus próprios filmes. “Tre Piani” não é exceção. De que forma isso facilita ou dificulta a direção dos outros atores?

As minhas principais preocupações quando trabalho num filme são a escrita, o 'casting' e a direção dos atores. Ou seja, a atuação é a minha grande prioridade no meu cinema, são os atores que fazem e tornam possíveis os filmes, e como tal faço os possíveis para que os seus desempenhos sejam os mais credíveis possíveis. Por exemplo, tento conceber diálogos não tão literais e dirijo aos meus atores com o seguinte conselho: 'Decorem os diálogos, abreviam-nos, mas não os tornem aguçados'. Através desse método tento que os seus desempenhos sejam realistas, mas não naturalistas. Espontâneos, mas não instintivos, apenas simples.

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Visto que tem uma sala de cinema [Nuovo Sacher, em Roma]...

Sim, tenho-a há mais de 30 anos. O primeiro filme lá exibido foi “Riff-Raff”, de Ken Loach, em 1991.

… como encara estas novas formas de visualização dos filmes? Falamos, obviamente, do streaming.

Penso que a sala de cinema é imprescindível. E não digo isto como realizador, produtor ou exibidor, e sim como espectador. Não consigo imaginar a minha vida sem a possibilidade de ir a um cinema. A escuridão, a projeção em grande ecrã, a possibilidade de partilhar a nossa experiência com outros, são estas e mais as atenções a ter numa sala, que não são reproduzíveis noutras plataformas. Continuo a escrever e dirigir filmes somente endereçados para o cinema. Sei bem que as pessoas estão a habituar-se a ver filmes nos seus smartphones, mas pretendo ignorar esse facto. Isso nunca existiu. [assobia]

Disse que o seu próximo filme foi escrito durante a pandemia. Nesse sentido, ela teve algum efeito no seu trabalho? 

Se a pergunta for 'o que aprendeste com a pandemia', então a minha resposta seria automaticamente nula. [risos] Todas as lições supostamente ensinadas nesta pandemia já tinha aprendido antes da sua existência. A morte faz parte do nosso percurso existencial, a desigualdade social foi ‘coisa’ que sempre tive perceção, e que as nossas vidas são dependentes do acaso e da sorte. Sou um ‘sortudo’, mas há quem não teve essa sorte. Parte do meu filme foi rodado depois da pandemia e por isso adquire uma nova interpretação. Começamos  a ver “Tre Piani” como uma analogia sobre a realidade pós-pandemia, a nossa resistência em sair do 'conforto' e 'segurança' dos nossos apartamentos e voltarmos a abordar o exterior, novamente como uma comunidade.

Cannes 2021: recomecemos fresquinhos para mais uma temporada

Hugo Gomes, 18.07.21

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Dou por terminada mais uma edição do festival, desta marcado pelas imensas saudades que tinha deste ritmo e da quantidade de sexo que a Competição ostentou nesta edição. Normalidade, não foi bem o que tivemos, mas o gosto de proximidade foi deveras revitalizador.

Com 36 filmes vistos e somente 12 entrevistas executadas com realizadores e atores como Ryusuke Hamaguchi, Nanni Moretti, Ari Folman, Tim Roth, Viky Krieps, Louis Garrel e Adèle Exarchopoulos (mais uma vez) e uma Palma de Ouro concretizada a “Titane”, o OVNI da Competição que confirmou a visão de Spike Lee em apostar num cinema arrojado, moderno e de género, fora dos conformismo que muita cinefilia apresenta, a 74ª edição de Cannes mostrou que a Sétima Arte permanece viva e vista em grande tela, em contradição às declarações precoces da sua morte, agravadas pela pandemia e pela expansão dominante do streaming.

Assim, deixo a minha lista de 10 filmes (marcantes diria eu) nesta Seleção, quer Oficial, quer secções paralelas (sem ordem de preferência):
 

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A Hero (Asghar Farhadi) – Competição
 

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Drive My Car (Ryusuke Hamaguchi) – Competição
 

218600966_10219717303819979_2221912876172221315_n. Julie (en 12 chapitres) / The Worst Person in the World (Joachim Trier) – Competição

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La Civil (Teodora Mihai) – Un Certain Regard
 

218772960_10219717303339967_1525778472785753653_n. Onoda, 10 000 nuits dans la jungle (Arthur Harari) – Un Certain Regard 

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Mi Iubita, Mon Amour (Noémie Merlant) – Sessão Especial

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Rien à foutre (Julie Lecoustre e Emmanuel Marre) – Semana da Crítica
 

219407939_10219717304219989_4367070920732744759_n. Stillwater (Tom McCarthy) – Fora de Competição

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Titane (Julia Ducournau) – Competição
 

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Tre Piani (Nanni Moretti) – Competição

Nanni Moretti, o homem que viveu três vezes

Hugo Gomes, 13.07.21

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Deparamos com uma presença, ou será antes ausência, no cinema de Nanni Moretti nos últimos anos, jornada iniciada no “e se…” temporal de “La Stanza del Figlio” (2001) e prolongada por “Habemus Papam” (2011), “Mia Madre” (2015), acrescentando ainda o seu desempenho em “Caos Calmo” (2008), de Antonello Grimaldi, e agora nesta adaptação de um livro de Eshkol Nevo, “Tre Piani”. 

A consistência deste vazio trabalhado, a não-presença de algo ou alguém que motiva as suas personagens a se posicionar entre uma ação-presente e um passado imperativo (impedindo-as de se avançarem para o futuro). Seja Moretti imaginar a vida do seu filho após estar tragicamente suspensa, ou aguardar num banco de jardim pelo irremediável ou nesta sua nova obra, agora passando o testemunho a Margherita Buy, que comunica com o falecido marido através da voz deste captada num gravador de chamadas. Essa ternura, humanização do nada e ao mesmo tempo de tudo, converteram-se em pontos precisos num Moretti, como o próprio aclamou, de não querer mais fazer filmes à Moretti (indicando obviamente as suas comédias satíricas). 

Tre Piani” parte de uma ideia de constante trindade, são três famílias que residem num aparentemente pacato andar, cada uma delas num diferente andar (três), histórias autodidatas que apenas se cruzam em três específicos momentos, e que a ação permanece em três passagens temporais. Como é possível constatar, três é o signo de Moretti neste enviesamento de tramas, dramáticas mas de conflitos e reações minimalistas, até mesmo a incursão de farpas políticas à moda do realizador soam como levianas. E convém afirmar que essa leviandade não é em vão, a vida soa-nos por vezes pesada na experiência mas num olhar de fora ilude a uma trajetória em movimento na sua prescrita órbita.

Assim, como havia indicado, os três eventos específicos em que este grupo de personagens se unem direta ou indiretamente são reveladores quanto à passagem do seus respectivos individualismos. No fim, o que conta é o coletivo fílmico, Moretti filmou um prédio, uma comunidade, e transformou nessa cadeia de reações num cinema humano e nunca cedido ao espectáculo cinematográfico. É como uma peça teatral (aliás, três), cada uma delas atuando no seu papel, em três (mais uma vez) diferentes palcos, fazendo vénia e saindo em cena. Moretti apenas deu-lhe espaço para exprimirem com contenção.

"Dance to me to the end of love"!

Hugo Gomes, 13.06.19

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8 1/2 (Federico Fellini, 1963)

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Scent of a Women (Martin Brest, 1992)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

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Mia Madre (Nanni Moretti, 2015)

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 The Lobster (Yorgos Lanthimos, 2015)

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Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

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Le Notti Bianche (Luchino Visconti, 1953)