"Entre Muros": todos somos prisioneiros ...
Prestigiando a proposta set de curtas-metragens portuguesas, eis o proto-ciclo “Entre Muros”, reunindo três das produções mais aclamadas do nosso panorama no ano passado, que em comum viabilizam cercas, sejam elas visíveis ou invisíveis, sociais ou emocionais, otimistas ou apocalípticas, propondo uma jornada que vai além da compreensão individual, explorando a sensação de estarmos "encurralados" tanto física quanto metaforicamente. De um lado da “barricada”, temos Basil da Cunha, novamente envolvido no seu já familiar biótopo; por outro, Inês Teixeira, num "coming-of-age" que estreou na última Semana da Crítica; e também Mónica Lima, vencedora do recente Prémio Curta de Melhor Realização, num Fim do Mundo aceite e conformado.
“Entre Muros” chega como uma revitalização de um programa que coloca as curtas-metragens num espaço há muito negado a elas: o das salas de cinema comerciais.
2720 (Basil da Cunha, 2023)
Não fugindo do seu universo, ou local, um bairro clandestino na Reboleira, Basil da Cunha faz desta curta um ensaio de espaço e de tempo, cometendo um ato de virtuosismo em que a câmara “persegue” duas narrativas perpendiculares, tudo num único dia. De um lado, uma pequena menina em busca do paradeiro do seu irmão e do outro, um jovem, atrasado no seu primeiro dia de trabalho, tentando remediar o atraso procurando uma boleia qualquer e a qualquer custo. Estas procuras incessantes fazem com a ameaça de um rusga policial que poderão comprometer os seus dias e as suas vontades.
Realizador voraz da nossa praça, em “2720” vincula uma variação de malapata condensado em discurso social, mas sempre filmado com honra às suas personagens, não-atores sobretudo e ao labiríntico que aquele biotipo havia manifestado no seu cinema. É um realizador estimável, este Basil da Cunha.
Corpos Cintilantes (Inês Teixeira, 2023)
A pequena e atípica menina a quem a mãe apelidava de Girafa, e que partiu foragida por Lisboa com o seu brejeiro urso de pelúcia em busca de financiamento para o Discovery Channel, em "Tristeza e Alegria na Vida das Girafas" de Tiago Guedes, está crescida (!) e é através desse ponto que “Corpos Cintilantes” perpetua, um coming-to-age silencioso, discreto e mesmo assim sensível acima da sua timidez. Seguindo a sua personagem que aceita um convite de um colega para passar um fim-de-semana na sua estadia em Leiria, é movida pelo instinto e questionada pelo seu interior que a vai transformando, emancipando ou apenas preparando-a para o que futuro inevitavelmente ditará, antes de se libertar da sua couraça emocional, o seu “muro” que a interpela sempre que age.
Dos três filmes apresentados nesta sessão coletiva, "Corpos Cintilantes" (obra de estreia de Inês Teixeira) é o que menos parece corresponder à sua duração, é paciente e misterioso (talvez confundido com o impasse característico da sua geração), sem nunca entregar de bandeja uma intriga com os atos narrativos definidos, ao invés comporta-se como um ensaio de impressões e contenções. O filme termina e questionamos quanto aos trajetos da personagem, faz-nos solicitar por mais, só que não o faz destacar do comum dos mortais em matéria de “coming-to-age”.
Natureza Humana (Monica Lima, 2023)
Às portas de um eventual Fim do Mundo, uma possível pandemia ou um cataclismo qualquer quem sabe, um casal (Crista Alfaiate e João Vicente) luta para conformar a sua existência ao restante prazo de validade; no caso dela, a angústia a trama com uma frustrante desilusão ao seu rumo, e ele, o jardim, aquele pequeno paraíso nos encostados do seu prédio é um refúgio, um Éden fabricada para a sua Eva e a criança projetada. Lima consegue, acima do retrato derrotista, um ambiente de enclausura existencial, as personagens parecem interromper o seu luto pela perda do seu Mundo como tentam, mas perante as gargalhadas da menina que pede morangos no quintal e o convívio com um casal amigo que troçam do fado que as reveste, a tristeza não evade, manifesta-se como uma doença, e na solidão destas mesmas que tal apodera-se como uma doença venérea. Sexo, ou tentativa do mesmo, triste, passados assombrados, e infertalidades “esmagadoras”, só que o magnetismo pelo apocalipse os dita a viver como podem.
Com uma apontada fotografia de Faraz Fesharaki (“What Do We See When We Look at the Sky?”), “A Natureza Humana” é um filme pensado, nascido e evocado à pandemia e ao seu consequente lockdown, pontuado na incerteza e no abstrato que aqueles dias confusos nos trouxeram. Um trauma coletivo aqui exposto enquanto horticultura.
Nós somos uma espécie com uma atração marada pelo abismo