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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Hellboy luta a direito contra homens tortos ...

Hugo Gomes, 28.08.24

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Jack Kesy é o novo Hellboy no cinema

Hellboy, material “maldito” em “live action”! Culpemos a febre “The Dark Knight” naquele concorrido verão de 2008 que não se apresentou devidamente favorável ao segundo tomo da personagem sob as mãos de Guillermo Del Toro - “The Golden Army”. Não fora o fiasco, nem fora o sucesso esperado em função do seu orçamento mais musculado para fazer jus à imaginação fértil do mexicano (rendeu cerca de 168 milhões de dólares, frente a um orçamento de 65 milhões, que inflaciona praticamente o dobro com o marketing), o filme ainda obteve a ousadia de abrir portas a um terceiro, mas tal foi negado. Mais tarde, envolvido em outros trabalhos e um sequestro da Terra Média (“The Hobbit” que não acabou por concretizar), o desejo de finalização da trilogia caiu no limbo. 

Em 2019, contou-se com um reboot, Ron Perlman cedia o lugar de “diabrete” a David Harbour em estado de graça devido aos reinados do streaming, e Neil Marshall tomava conta da cadeira anteriormente na posse de Del Toro. O resultado, esse sim, um autêntico fiasco [55 milhões de dólares rendido mundialmente]. Seria o prego no caixão da personagem criada por Mike Mignola no cinema. Seria, mas não o fora … quer dizer, há pelo menos um último suspiro a dar na sua tumba. 

Hellboy and the Crooked Man” (ou seja como nemesis a folclórica figura do “homem toroto”), produto de baixo orçamento com benção do autor original, e não só (tem presença sua no argumento), assume as suas limitações e abraça o terror, a convencionalidade do seu género como sua. Não é uma sequela, nem um reboot, até nem se sabe o que pretende ser este filme tomado pela parcial equipa por detrás de “Crank” (2006) ou o “Ghost Rider” em decadência (mas do invulgar díptico, a versão de 2011 é o mais tolerável), indivíduos habituados a cercos produtivos e gerar adrenalina através de tiques de câmara. Ou seja, chico-esperto e amador, desenrascado a criativo, uma fusão com aliança à escuridão (e muita!) da fotografia (não se vá notar o que falta nos cenários ou na caracterização das personagens). 

Portanto, este ornitorrinco (“tem bico, põe ovos, mas não é pato”) isenta medo em ostentar barato, aliás até sente-se orgulhoso em demonstrar o quanto poupou. Por outro lado, esse tom de pechisbeque que condiz com a ambiência do terror, não puro, mas destilado como whisky rasco, não é o embaraço que parece ser, o que é devidamente pecado em toda a esta produção de “joelhos cortados” é a sua incapacidade narrativa, de personagens que caem de paraquedas em lugar destaque ou da intriga (aqui com bruxas white trash ao invés dos anteriores nazis satânicos) que se desenrola automaticamente, por lugares-comuns, por flashbacks meramente explicativos e … ora bolas, diálogos de rascunho. 

Se calhar o problema é nosso, espectadores, que demos a ideia a estes produtores, que tudo pode regressar com dignidade, até quando o prazo de expiração é uma evidência. Não querendo parecer fundamentalista, mas “Hellboy” foi apadrinhado por Del Toro, como uma adopção legítima. Para bem da nossa sanidade fiquemos por aí …

Hellboy!!! ... não é o filme que pedimos, muito menos o que merecíamos

Hugo Gomes, 11.04.19

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"Tão cedo!!", diríamos todos nós em uníssono perante mais um "reboot" feito por Hollywood. O que acontece é que este não era à partida o “Hellboy” que pretendemos ver nas salas de cinema, mas ... de momento é aquilo que temos e é um facto que devemos temer aquilo que nos dão.

Criado em 1991 por Mike Mignola, "Hellboy" é um dos símbolos máximos da editora Dark Horse, uma BD que se converteu num respeitado culto, o qual foi impulsionado pela adaptação de 2004 de Guillermo Del Toro. Num ano em que o cinema de super-heróis se demarcava a passos triunfantes da série B em que estava aprisionado nos anos 90, a personagem de Mignola ganhou vida com Ron Perlman, que atribuiu, acima de tudo, feições humanizadas ao "monstro". Apesar de não ter brilhado nas bilheteiras, a obra atingiu um certo estatuto durante a sua "digressão" pelo "home video", o que motivou uns quantos "spin-offs" animados e uma sequela, "The Golden Army", também assinada por Del Toro. Que, por azar, estreou pouco depois de “The Dark Knight”, de Christopher Nolan, filme como se sabe, valorizado pela interpretação do recentemente falecido Heath Ledger como Joker, causou um alvoroço e tanto nas bilheteiras de todo o Mundo.

O díptico apenas conseguiu arrecadar uma modesta quantia de 260 milhões de dólares totais e globais, que pouco deram para os gastos das respectivas produções (se contarmos com os valores de marketing). E tendo em conta o insucesso do último tomo da saga, mesmo com aberturas para sequela (os fãs salivava por ela), o estúdio tardou a financiar um terceiro filme. Entretanto, Del Toro partiu para a jornada da Terra Média (foi cotado como realizador de “The Hobbit”, tarefa que acabou por ser devolvida a Peter Jackson após a sua desistência) e sucessivamente para “Pacific Rim”, “Crimson Peak” e o premiado The Shape of Water (vencedor do Leão de Ouro de Veneza, assim como o Óscar de Melhor Filme). Pelo meio, a história perdeu-se, o projeto de um terceiro filme caiu e a produtora Lionsgate partiu para a aventura com novo maestro e orquestra.

O agora conductor é Neil Marshall, anteriormente realizador de culto, com filmes como “Dog Soldiers” (2002), “The Descent” (2005) e o subvalorizado “Doomsday” (2008), atualmente convertido a tarefeiro da HBO com alguns episódios de “Game of Thrones”, que transporta a imaginação de Mike Mignola para um frenesim tecnológico. E o principal membro da sua orquestra é David Harbour, que tendo o sucesso da série da Netflix “Stranger Things” no currículo, encarna o "filho do Diabo" com a convicção necessária, mesmo não possuindo o dito humanismo demarcado por Perlman (graças ao desenvolvimento conseguido por Del Toro). De facto, assume-se como o melhor deste "reboot", expondo um sarcasmo garantido que, de certo jeito, reflete-se como autoparódia de toda a produção.

O resto? Mesmo com as recontagens existentes nos trabalhos de Del Toro, este novo “Hellboy” carece, não de alma, mas de carnalidade. Possivelmente culpa dos gastos em CGI em prol de uma orgia completa de artificiais criaturas e “rios” de sangue, ao contrário do trabalho delicado nos efeitos práticos dos anteriores. Mas a pior descostura é a condução narrativa: mesmo sentindo um esforço hercúleo de tentar encontrar uma focada luz nos trambolhões que o conceito oferece, é uma verdadeira indulgência. As personagens secundarizadas estão lá como marcos posicionais da intriga (a promessa representada por Sasha Lane, vista em “American Honey”, é desaproveitada, com um boneco como desculpa de personagem) e as questões inerentes do protagonista, para as quais foram precisos dois filmes para desenvolver, são orientadas como das mais leves afrontas.

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Mas o que interessa isso? Prevemos que tenha sido esta a pergunta retórica colocada pelos envolvidos do projeto, visto que “Hellboy” apresenta uma tremenda imaturidade no tratamento do seu material, que é um obstáculo para a superação do seu maior desafio:  manter os olhos do espectador do século XXI, rodeado de distrações e com uma concentração frágil, "colados" ao grande ecrã. Para isso, sacrificam-se impasses nas ideologias que se pretendem abordar para efeitos de solidificar a personagem principal, a atmosfera torna-se numa futilidade e a narrativa é despachada e completamente virada para uma ostentação a nível visual.

Ao referir a sua estética, deparamo-nos com um verdadeiro embaraço: desde os efeitos visuais até à condução das sequências de ação, tudo é regido numa linguagem dita de videojogo. Isso adivinha-se a léguas após o prólogo, que, como o costume, coloca o espectador no contexto narrativo do “macguffin” (o "objeto" ou a "missão" que o filme desenvolverá como fio condutor), onde presenciamos o feiticeiro Merlin (Brian Gleeson) a rebaixar o seu capuz, num movimento acompanhado com “slow motion”. Questionamos o porquê daquele inserido efeito, para entendermos que é essa a verdadeira essência do filme - nada disto faz sentido algum na arte de contar uma história. Arte que aqui, reforçamos, escasseia.

Se Guillermo Del Toro tentou, através das suas forças, retirar Hellboy das sombras, Neil Marshall as devolve ... e isso não é bom sinal!