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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Memory": pára-me de repente o pensamento

Hugo Gomes, 29.07.24

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O homem que não se lembra e a mulher que não se esquece, par insólito, quase embrulhado numa negrura anedótica, aqui tomando forma nos corpos de Peter Sarsgaard e de Jessica Chastain. E falamos dessa entrega corporal, porque de mente, quer um, quer de outro, instalam-se numa câmara de eco, tão simbiótico para o estilo retalhista e crónico proveniente de Michel Franco

Depois de “despachar” Tim Roth no seu “Sundown” (2021), o realizador mexicano recita os seus temas-fetiches, intensificados pela sua experiência enquanto cuidador, que fomentaram em 2015 o premiado “Chronic” (2015), mais que o tributo a quem exerce essa nobre e desrespeitada função de cuidar do próximo, é uma aproximação à morte, e a conscientização da mesma que vem a contagiar a restante filmografia. Tendo uma paragem atípica com Nuevo Orden” (2020), sobre uma revolução de castas que só vem clarificar o fracasso de um sistema que não altera as suas estruturas, regressa na pele de cuidadores, doenças crónicas e a morte ao virar da esquina com bandeiras içadas para se lançar no palco mais generalista, sem com isto perder a sua consistente marca. Os atores abrem caminho para essa relação que poderia obter tanto de metafórico como de poético, mas fica-se na mundana das suas atitudes, engrossando como um desafio às pontuadas demarcações narrativas que esse tal mandatório storytelling hoje em dia possui. 

Portanto, esta história de uma relação gerada entre uma cuidadora, ex-alcoólica e com tufos trágicos no seu ascendente, e um homem aprisionado à sua mente fragmentada, à demência que o vai reduzido num mero farrapo existencial, é um objeto que encontra razão nesse ying yang de personagens, mas perde-se na sua fraqueza motora, desde uma entrega risível do background de ambos até à habitual e depurada estética de Franco, que nunca acha a sua devida ênfase dramática.

Quando as revoluções falham, o que sobra?

Hugo Gomes, 28.09.21

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Não sou o maior defensor de “Nova Ordem” de Michel Franco, há algo que se esgota e que facilmente distorce a dita distopia para uma realidade comum e reconhecível (e por vezes pastiche), mas é uma tese emborcada que confronta o nosso reacionarismo. E é óbvio, tendo em conta a reação obtida, de que somos apegados à sensação de permanente conforto, essa que é destabilizada num filme como este, apelando aos pólos extremistas e à ausência empática que temos contraindo em relação às causas.

Toda a estrutura de “Nova Ordem” é baseada numa simplista questão sociopolítica, o filme a esconde por vias de uma jornada martirológica. Um mártir, um sacrifício ou simples vaivém para essa torturante demanda, um pretexto para Franco denunciar a romantização por detrás da ideia de Revolução, esquecendo de um prolongado exemplo histórico de que elas partem das meras ilusões, chegando a um ponto de se tornar somente uma alternância dos dominantes e dos dominados. Não é um filme de esquerda, nem de direita, é um filme que reage aos extremismos desfazendo essa mesma romantização, suplicando pelo nosso empirismo.

O desafio está no seguinte: aos privilegiados são lhe dados um motivo, uma relação, um holofote, preocupamos com eles … caímos assim no engodo … pelo que o filme desfoca os “invisíveis”, os esmagados e os escorraçados. Eles são o mal, a patologia, e dessa forma “Nova Ordem” nos engana em fazer-nos acreditar em tal crença. Aliás, é nas crenças que nascem as revoluções. Será que elas realmente se concretizam? Ou caem por terra como a enxada de “Torre Bela”?

As questões vêm com uma certeza, por mais que se tente, o capitalismo sempre será o vencedor convicto. Ou como diz recorrentemente Slavoj Žižek“É mais fácil imaginar o fim do Mundo do que o fim do Capitalismo.”