"Memory": pára-me de repente o pensamento
O homem que não se lembra e a mulher que não se esquece, par insólito, quase embrulhado numa negrura anedótica, aqui tomando forma nos corpos de Peter Sarsgaard e de Jessica Chastain. E falamos dessa entrega corporal, porque de mente, quer um, quer de outro, instalam-se numa câmara de eco, tão simbiótico para o estilo retalhista e crónico proveniente de Michel Franco.
Depois de “despachar” Tim Roth no seu “Sundown” (2021), o realizador mexicano recita os seus temas-fetiches, intensificados pela sua experiência enquanto cuidador, que fomentaram em 2015 o premiado “Chronic” (2015), mais que o tributo a quem exerce essa nobre e desrespeitada função de cuidar do próximo, é uma aproximação à morte, e a conscientização da mesma que vem a contagiar a restante filmografia. Tendo uma paragem atípica com “Nuevo Orden” (2020), sobre uma revolução de castas que só vem clarificar o fracasso de um sistema que não altera as suas estruturas, regressa na pele de cuidadores, doenças crónicas e a morte ao virar da esquina com bandeiras içadas para se lançar no palco mais generalista, sem com isto perder a sua consistente marca. Os atores abrem caminho para essa relação que poderia obter tanto de metafórico como de poético, mas fica-se na mundana das suas atitudes, engrossando como um desafio às pontuadas demarcações narrativas que esse tal mandatório storytelling hoje em dia possui.
Portanto, esta história de uma relação gerada entre uma cuidadora, ex-alcoólica e com tufos trágicos no seu ascendente, e um homem aprisionado à sua mente fragmentada, à demência que o vai reduzido num mero farrapo existencial, é um objeto que encontra razão nesse ying yang de personagens, mas perde-se na sua fraqueza motora, desde uma entrega risível do background de ambos até à habitual e depurada estética de Franco, que nunca acha a sua devida ênfase dramática.