Uma pizzaria para lá do Armagedão
A demanda pela última pizza nova-iorquina, o macguffin que se reúne a outros adereços de Fim do Mundo; que podemos contabilizar o aperto na Bíblia como recordação da Humanidade em “The Day After Tomorrow”, de Roland Emmerich, partilhada numa versão em braile em “The Book of Eli”, os twinkies como obsessão de Woody Harrelson em “Zombieland”, ou ainda mais “longínquo” dessa impregnação de Apocalypses cinematográficos, os livros, essas páginas agora entregues à mente dos errantes que se auto-baptizam por “homens-livros” em “Fahrenheit 451”, escrito por Ray Bradbury (com adaptação célebre de François Truffaut). Isto para dizer que às portas do Armagedão todos procuram ou preservam algo, esse mesmo encarado como uma negação face à extinção civilizacional, e no caso de “A Quiet Place: Day One” esse “objeto” é uma pizza, o que fará os protagonistas se moverem por uma Nova Iorque abandonada ao silêncio, salvaguardado por uma espécie alienígena invasora, que para quem assistiu aos anteriores “A Quiet Place” sabe em antemão que são sensíveis e atraídas pelo ruído (piada mortal o facto que terem “aterrado” na cidade mais barulhenta).
Aqui, o empenho de John Krasinski nos referidos exemplares, a tentativa de um filme de família nos confins do Mundo (o desejo desse cinema para todos é trazido com a estreia do reconhecivelmente familiar “If: Amigos Imaginários”), organizou-se como a sua estreia em plena na realização, prometendo, e convém afirmar o fracasso daí exercido, o de executar uma obra com o receio da barafunda sonora, uma história, que registando as qualidades muitas vezes perdidas pelo cinema sonoro, a de ser perceptível através de movimentos, expressões e toda a semiótica ali, narrativamente falando, viável. Porém, a música intrusiva abandona a ideia fulcral, apenas dando espaço de manobra a Krasinski apresentar-se como um discípulo das lições fundamentadas de Spielberg neste reconhecível jogo de cinema para massas. Hoje em dia, arriscamos afirmar que é o homem mais capaz de mimetizar os passos do cineasta de “Jaws” e “E.T.”, mas só o tempo nos dirá obviamente.
Quanto a “Day One”, Michael Sarnoski (“Pig”) assume o cargo e estabiliza o estilo e arquitetura do franchise, e como o título indica é uma prequela, o início da iminente extinção. No centro está Lupita Nyong’o, como mulher em estado terminal num Mundo que parece estar no mesmo modo, tenta sobreviver por entre uma “Big Apple” transformada em escombros e ninho destas vespas extraterrestres (o visual é que continua como enfadonhamente descaracterizado), na companhia do seu gato Frodo (bichano que fará delícias das audiências) e de um estranho (Joseph Quinn) que parte com ela na busca do seu referido “macguffin”.
Ao encontro dessa tal pizzaria, perante a destruição e a possibilidade daquele “bem” proustiano ter desaparecido à face da Terra, uma imagem depara-se entre os dois sobreviventes, rendidos à sua desintegração no mundo, de joelhos no asfalto e rodeados de todos os sinais destrutivos possíveis, até uma labareda ascender-se do esgoto como um convite danteado. Esta imagem perdura por alguns segundos mais, e no simbolismo apocalíptico adquire uma carga emocional na sua estética, dois sujeitos, um com muito para viver, outra sem nada e a contar os dias, um felino no meio como anjo de guarda, abraçados, consolidando os seus lamentos, lutos e aceitam por fim o seu destino.