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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A saga renasce das cinzas para morrer na praia

Hugo Gomes, 05.06.19

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Concebido por John Byrne e Chris Claremont em 1976, a chamada “Saga da Fénix Negra” é um dos capítulos incontornáveis da BD "X-Men", reciclado inúmeras vezes nos "comics" e no formato audiovisual. De facto, este novo filme do "franchise" cada vez mais mal amparado do estúdio Fox demarca-se como a segunda volta neste mesmo enredo: a versão original ganhou terreno há 13 anos com “X-Men: The Last Stand” (2006), de Brett Ratner, com Famke Janssen nas lides desta mutante descoordenada que acabava por adquirir o seu requisitado, mas nunca satisfatório, fim trágico.

Agora, com um reinício temporal acentuado na aventura de 2014 (“Days of the Future Past”) e ignoradas as coerências narrativas, seguimos de reboque para um final apressado da saga "X-Men", assim ordena a transladação de espólio e de direitos: para quem não sabe, grande parte do património Fox instalou-se agora na alçada da Disney.

Não é fácil de atenuar esse sentimento de desfecho abrupto de quem vê uma espécie em vias de extinção que, sem braços fortes (apesar de ser tabu nos dias "Time´s Up" de hoje atribuir virtude à contribuição de Bryan Singer), braceja para não se afogar. A resistência é em vão: “Dark Phoenix” não reage bem aos novos tempos e na pressão em atribuir uma dignidade à sua derrota, com isto afirma-se que por entre previsibilidades e risibilidades. Este é um filme que oscila entre o automatismo industrial e as réstias de pretensiosismo herdado. Contudo, o desastre megalómano que fora “X-Men Apocalipse” (2016) tornam este resultado menos deplorável, o que não é muito face a uma trajetória que se posiciona para tentar erguer a sua estrela – Sophie Turner ("Game of Thrones") – como a nova face desta tragédia "a lá Stan Lee". E a jovem atriz até não é uma aposta perdida, visto que revela mais emotividade que a anterior Famke Janssen.

O resto resume-se a um grupo de mutantes sem carisma nem fibra para aguentar a pedalada (com exceção de Michael Fassbender), uma narrativa apressada em focar-se nos lugares-comuns deste enredo consumado e um (falso) tom épico que só parece encontrar par com a banda-sonora onipresente de Hans Zimmer. A juntar a isto tudo, o que para muitos será o menos importante deste tipo de produções, é o anonimato trazido por uma estreia na realização do produtor e argumentista Simon Kinberg.

Depois deste… não diremos um acidente percurso, mas um filme acidentado e sem motivação de entregar um final concretizado, o que temos é um "suicídio assistido". Chegados aqui, os fãs têm razões para sorrir porque a Disney fica com a "chaves" da saga e daqui a sensivelmente cinco anos veremos os mutantes a chegar ao Universo Cinematográfico Marvel.

Mesmo que essa reintegração, ironicamente, não vá ser uma mais-valia, pois para uma série que alude um certo ativismo político-social, a chegada da Disney significa uma provável perda da sua artificial emancipação...

Música ... ¿Por qué no te callas?

Hugo Gomes, 10.05.17

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A música toca e toca em modo playlist, continuamente, imperativamente e ritmicamente perante as imagens que funcionam num vórtice de corpos vazios, que bailam ao som das mesmas de forma dessincronizada. A música, segundo Malick, é a alma de Austin, esse paraíso liberal num estado tão fechado como o Texas, e a única alma verdadeiramente sentida, por a arte invocada por estes ritmos diversos não engendrar com a narrativa visual que o realizador “tímido”, agora prometendo uma maior assiduidade na indústria, gera.

"Song to Song" é a sua nona longa-metragem, a terceira da fase pós-2011 (sem considerar o seu documentário "Voyage of Time"), e a nova evidência de que os autores, por mais inconfundíveis que sejam, também cedem ao mais profundo conformismo. O “culpado” desta presença repentinamente está no digital, a infinidade e o facilitismo que as tecnologias atribuíram ao Cinema, mas para Malick é o prenúncio do seu fim enquanto ser misterioso da indústria, é o cansaço em pessoa de quem não tem mais nada de novo para contar. Triste realidade, "Song to Song" é mais do mesmo em doses malickianas, são as “maliquices” levadas até ao fim e o seu cinema tão “autoral” converteu-se na mais perfeita caricatura, a loucura da repetição e dos problemas de primeiro mundo como base de um prolongado sofrimento de personagens. Esse sofrimento entra em loop, na persistência dos mesmos planos “over and over”, e das frases sussurrantes cada vez menos inspiradas e cedidas a uma lamechice de pacotilha. Será Malick o Pedro Chagas Freitas cinematográfico?

"Song to Song" começa com um triangulo amoroso (Michael Fassbender, Ryan Gosling e Rooney Mara), um ménage de "Dreamers", de Bertulocci, com os mesmos “joguinho” sexuais e de foro emocional. Tais vértices vão-se afastando dando origens a trilhos cada vez mais paralelos entre as diferentes personagens. Sim, é triste chamar isto de personagens, até porque Malick brinca com o vazio, com os movimentos erráticos e circulares destas, nos diálogos impostos num falso-raccord. Não existe espaço para personagens, tudo são bonecos que se pavoneiam perante um autor que se assume desorganizado, espontâneo e refém do seu instinto.

Será isso bom? Não será a Arte um veículo pensante? Ou um instinto humano de comunicar? Conforme seja a escolha, a verdade é que o sedentarismo é um veneno e para Malick esperemos que encontre a cura. "Song to Song" é um som incorrespondido com a narrativa visual, é a prova de depois de Tree of Life, Malick não demonstra qualquer sinal de revitalização, mas sim de preguiça no mais incurável sentido.

O "bom trabalho" como sinal de mediocridade

Hugo Gomes, 09.05.17

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O regresso dos xenomorfos ao Cinema após a decepção generalizada que foi “Prometheus” (das poucas vezes que Ridley Scott teve uma ideia) faz-me recordar uma certa frase de J.K. Simmons no filme “Whiplash”, de Damien Chazelle: ”There are no two words in the English language more harmful than “good job“” (não há palavras mais prejudiciais que ‘bom trabalho’). Tudo isto para confirmar o que muitos gostariam de ouvir. Sim, “Alien: Covenant” é competente … e daí? Que medo é esse de sair dos aceites parâmetros gustativos do público e o de nunca conseguir transgredir a sua forma?

Ridley Scott já não toma riscos, tudo é viável para rentabilização. Nesse aspecto, basta seguir essas tendências que se encontram tão penetradas na indústria atual. Não é novidade nenhuma que “Alien” e “Blade Runner” decorrem no mesmo universo, como também não é spoiler afirmar que se encontra a ser preparado uma vastidão de crossovers a esta nova mina. “Covenant” vem polvilhar essa certeza, com impasses à matança esperada por reflexões “dickeanas” da inteligência artificial e da condição humana. É “Blade Runner” sim, disfarçado de “lobo”, neste caso, de xenomorfo para consolidar as duas legiões de fãs para uma massa de respeito. A sequência inicial é a prova disso, ligando não só estes dois filmes incontornáveis na carreira de Scott, mas também deixando a ideia de que “Prometheus” não foi um tiro no escuro. Esta dita “filosofia” tão emprestada de Philip K. Dick leva-nos certamente a caminhos que percorremos com agrado, não muitos profundos nem complexos, mas sim, provocadores e incentivadores.

O resto … bem o resto … vem por acréscimo. Eis o enésimo episódio de parasitas, planetas remotos (mas mortíferos) e um passageiro indesejável que tão bem conhecemos. O filme é sobretudo esterilizado e limpo, com um gore imenso e igualmente discreto, e por fim os lugares-comuns novamente a persistirem (Ellen Ripley era única, pelos vistos), com direito ao mais falhado dos twists finais das recentes grandes produções. Todavia, o mais irritante disto tudo são mesmos os clichés voluntariamente invocados, uma Lei de Murphy ao quadrado seguindo as instruções da famosa frase de Edmund Burke: “The only thing necessary for the triumph of evil is for good men to do nothing” (a única coisa que faz o mal triunfar é quando homens bens nada o façam para impedir), neste caso, basta um bando de incompetentes.

Alien” converteu-se assim num franchise reavivado, pronto a ser explorado, e a ser sodomizado pelo sapateiro que se tornou este Ridley Scott. Sim, a saga respira bem, e nem sempre isso é uma coisa boa.

O credo do assassino ... assim se faz uma adaptação

Hugo Gomes, 27.12.16

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Sobre o filme de Assassin's Creed? O macguffin é parvo como tudo, as personagens estão somente à mercê do esforço dos actores e os visuais, para além de deslumbrar, são demasiado escuros, o que poderá prejudicar a experiência. Mas ... e porque há sempre um mas, existem atributos invejáveis nesta produção e Michael Fassbender, novamente como o "homem mais sofrido do planeta", vale a ida ao cinema. Não é a pior coisa do Mundo, aliás realça a grande fraqueza do jogo (só joguei 5 min e desisti) que é a vertente de ficção cientifica. Série B, profundamente B.

Cinematograficamente Falando ... apresenta: Top Eróticos

Hugo Gomes, 21.02.15

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Não caiam no erro, cinema erótico não é o equivalente a pornografia, e sim uma arte que acima de tudo se deixa deslumbrar pela luxúria, pela sensualidade dos corpos e a aura tentadora que emerge nelas. Uma antiga relação amorosa que remonta-nos aos primórdios do cinema, mais concretamente com os testes de footage de Eadweard Muybridge (1884 - 1887), a partir daí o cinema ficou fascinado com a versatilidade e a beleza dos corpos humanos, da sua delicadeza até à sua robustez, tentando combater as eventuais censuras em prol desse adultério para com os bons valores. Mesmo nos dias de hoje o cinema erótico é visto de certa forma como uma minimização da pornografia, mas enquanto esta evolui para territórios mais jubilantes e menos cinematográficos, o erotismo se comporta como um género rebelde, pronto a causar controvérsia, e sobretudo a minimizar a distância do seu público para com as suas mais intímas fantasias e à temática sexual que a sociedade tanto quer esconder.

E como o cinema erótico tem tanto para mostrar, obras cinematográficos ímpares de gerações, estilos e narrativas, o Cinematograficamente Falando … em colaboração com Nuno Pereira do site Cinespoon (ver aqui) e Roni Nunes, João Miranda e André Gonçalves do C7nema (ver aqui) decidiram elaborar um Top das Melhores Filmes Eróticos até à data, com influência da estreia de Fifty Shades of Grey. Uma lista que reúne os mais diferentes mestres da cinematografia, desde Cronenberg a Verhoeven, Ozon a Bertolucci, todos eles contribuíram para a imensidão da onírica luxúria e a fantasia pessoal de cada um. O imaginário do espectador poderá ser assim levado para fora dos limites da perversão ou até mesmo da divindade sexual.    

 

#10) Les Anges Exterminateurs (Jean-Claude Brisseau, 2006)

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Um híbrido entre fantasia masculina com autobiografia, metaforizando as memórias do seu autor, Jean-Claude Brisseau, sob pseudónimos e muito erotismo onírico. Les Anges Exterminateurs é o apogeu de uma busca interminável de um homem pelo que mais de divino possui a mulher, o derradeiro orgasmo. No segundo capítulo da trilogia Tabu, nunca os corpos femininos obtiveram tamanha sensualidade e intimidade. Um retrato intimista, a segunda chance de um realizador "humilhado" em praça pública, mas mesmo assim, apaixonado pelo seu símbolo de tentação. Hugo Gomes

 

#09) Shame (Steve McQueen, 2011)

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Steve McQueen navega em território erótico, porém aquilo que conseguiu cometer foi um ensaio frigido da ninfomania. Em Shame não temos fantasias, devaneios, nem sequer "mundos encantados", tudo é retratado num quotidiano obsessivo e desesperado. Michael Fassbender é essa loucura do degredo em pessoa, o "peão" em queda livre para as profundezas da luxúria. Para além do seu marcante desempenho, temos ainda uma frágil Carey Mulligan como boneca de desejo. Vergonha é dos poucos filmes que aborda a ninfomania como a doença que é. Hugo Gomes

 

#08) Crash (David Cronenberg, 1996)

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O desejo é fluído. Desliza sobre as geometrias urbanas e concentra-se nos pontos de contacto entre as pessoas. Quando as linhas que os automóveis desenham sobre estas superfícies se cruzam, este explode em estilhaços como os vidros e os ossos. Crash é um filme sobre estas explosões e sobre a sua procura. Numa sociedade que pretende formatar as interacções pessoais e o desejo ele próprio, este manifesta-se por vezes de formas surpreendentes. João Miranda

 

#07) La Bête (Walerian Borowczyk, 1975)

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Esse clássico absoluto e escandaloso do aliciante cinema erótico dos anos 70 trazia uma fantasia, uma sensualidade e um humor que praticamente não se encontra no cinema actual. A acção se precipita quando uma inocente beldade da nobreza inglesa vai à França conhecer o noivo ao qual estava prometida. Ocorre que este é estranhíssimo e o castelo do seu sogro esconde mais do que os retratos de uma geração nobre na parede. Para além de um erotismo cheio de classe, tem uma inteligência invulgar, um enorme sentido de humor e uma escandalosa associação da sexualidade humana como uma bestialidade atávica, o suficiente para deixar os conservadores da altura de cabelos em pé... O autor da façanha foi o polaco exilado em França, Walerian Borowczyk, responsável também pelos magníficos Contes Immoraux, que lançaria dois anos depois. Roni Nunes

 

#06) Nine 1/2 Weeks (Adrian Lyne, 1986)

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Só por ter sido o principal difusor da gastronomia corporal como preliminar, já merecia um lugar neste top 10. Que Nine 1/2 Weeks tenha de facto uma história realista e hipnótica de uma relação que se vai tornando obsessiva por detrás dos seus grandes momentos mais badalados – realço, para além da icónica sequência gastronómica, o "strip" igualmente icónico de Kim Basinger ao som de "You Can Leave Your Hat On" de Joe Cocker - é um pequeno milagre. André Gonçalves

 

#05) Secretary (Steven Shainberg, 2002)

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O Amor é polivalente. Perante as imagens culturais e mediáticas que nos limitam, por vezes é difícil compreendê-lo sem o julgar ou o considerar bizarro. "Secretary" é uma história de amor diferente, que surpreende tanto os espectadores, como os seus participantes. Um filme que recusa o amor romântico que enche os ecrãs, os livros, as músicas e os postais, mas que recusa também qualquer etiqueta. João Miranda

 

#04) Lucia e El Sexo (Julio Medem, 2001)

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O cinema latino é mais facilmente associado a tópicos mais "calientes" é certo, mas Lucia e El Sexo destaca-se dos demais, ao usar máximo efeito a sensualidade dos atores (Paz Vega emergiria deste filme como uma das grandes revelações latinas da década), o ambiente envolvente - neste caso, a paisagem mediterrânica - e a sua meta-narrativa fantasiosa, como estímulos altamente irresistíveis, e tão eróticos como intelectuais. André Gonçalves

 

#03) The Dreamers (Bernardo Bertolucci, 2003)

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Em pleno verão quente de 68, durante as manifestações estudantis em paris, uma tríade (estudante americano, casal de irmãos franceses) nasce. Em The Dreamers temos verdadeiramente o que a cine-arte devia ser. Sob uma temática altamente relevante, é pintado um quadro, com Eva Green como musa inspiradora, uma verdadeira Venus de Milo. Nuno Pereira

 

#02) Swimming Pool (François Ozon, 2003)

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Toda a inteligência de François Ozon é expressa nesta obra. O centro é a relação peculiar entre uma escritora inglesa que procurava inspiração na sua casa no sul de França, mas em vez disso encontra inquietação nos braços da sua estranha filha. Aqui o destaque maior recai sobre os diálogos arrojados e o clima profundamente sexual e misterioso, mérito para a dupla protagonista, Charlotte Rampling e Ludivine Sagnier. Nuno Pereira

 

#01) Basic Instinct (Paul Verhoeven, 1992)

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O filme que encerra a fenomenal epopeia de Paul Verhoeven com capitais americanos - antes de se afundar com "Showgirls" e o "Hollow Man". Os seus temas favoritos (a culpa, o pecado, a consciência, a perversão) ganham uma abordagem de luxo numa intrincada trama policial que contava com uma Sharon Stone num estado de graça e a bater em sensualidade e inteligência qualquer femme fatale da história do cinema. Além dela, a sua curvilínea amante Roxy (Leilani Sarelli) acrescentava um charme lesbian chic à história, que incluía requintadas cenas de sexo e a fabulosa sequência do interrogatório, onde um espectáculo de montagem e movimentos de câmara culminava com uma das cenas mais famosas do cinema recente - a do cruzar de pernas. Nunca mais se veria Sharon Stone assim - ainda que a sua fulgurante participação em "Broken Flowers", de Jim Jarmusch, servisse parcialmente de consolo. Roni Nunes

 

Menções Honrosas

Ai no Korîda (Nagisa Ôshima, 1976)

Contes Immoraux (Walerian Borowczyk, 1974)

La Vie d'Adèle (Abdellatif Kechiche, 2013)

Nymphomaniac: Director’s Cut (Lars Von Trier, 2014)

Uomo che Guarda, Le (Tinto Brass, 1994)

Conheçam o vosso criador!

Hugo Gomes, 09.06.14

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Que segredos obscuros se escondem na vastidão do espaço? Será que a nossa origem está associada a essa imensidão estelar? Será o Darwinismo, concebido pelo naturalista Charles Darwin, a teoria mais concisa sobre o nosso surgimento? Qual é a nossa finalidade no planeta Terra? Estas são algumas das perguntas, entre muitas outras, que Ridley Scott incentiva na oculta jornada de "Prometheus", mas … “spoiler alert” … nenhuma delas será verdadeiramente respondida. 

O que poderemos encontrar na nova obra de Scott? Embora não possa responder a esta pergunta em definitivo, adianto que se trata de um filme de ficção científica que funciona como um 2 em 1. Primeiro componente, a tão ansiada prequela do universo "Alien", transportando-nos para 1979, onde nos deparamos com as primeiras imagens de Ellen Ripley e a sua tripulação no original "O Oitavo Passageiro" [o desusado título português], quando exploram uma nave espacial extraterrestre despenhada no planeta LV-426. Nessa sequência, assistimos a um cadáver alienígena com um crânio quase elefantino e um misterioso buraco no peito, sugerindo que algo “escapuliu” dali. Esta criatura cadavérica, que nunca mais surgiu na série, foi apelidada de "Space Jockey". A criação de H.R. Giger, responsável também pela decoração do seu túmulo e pela criatura estrelar da franquia, terá um papel importante em "Prometheus", visto o suposto “e tudo aconteceu” relatará o mistério daquele extraterrestre e a nave incluída.

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Ridley Scott prepara-se para nos levar 37 anos ao passado dos eventos de "Alien". Aqui, seguindo as pegadas de uma dupla de arqueólogos (Noomi Rapace e Logan Marshall-Green), autores de uma tese de que a espécie humana teve origem espacial, concebido pelos chamados "Engenheiros". Através de pistas encontradas em inúmeras civilizações primitivas da Terra, conseguem decifrar o suposto local onde residem estas alegadas criaturas "divinas". Após despertarem o interesse de um magnata moribundo, integram uma expedição espacial com a finalidade de conhecer os nossos criadores. 

O título "Prometheus", que é também o nome da nave da nossa tripulação protagonista, é previsivelmente uma alusão ao mito do titã grego expulso do Olimpo e condenado após tentar igualar os seres humanos aos deuses. A lenda determina o sentido nesta jornada em busca do conhecimento do nosso Deus e das verdadeiras motivações destes cientistas perante tal reunião. Scott manobra-se inteligentemente ao replicar tal ideologia com o androide a bordo, David (interpretado ambiguamente por Michael Fassbender), com ambições de igualar-se aos seus criadores, os humanos, numa evocação aos replicantes de outro filme dirigido por Scott, "Blade Runner" (1982), confirmando assim a combinação destes dois universos.

A mensagem de "Prometheus" pode soar, e muito, à Cientologia, mas tem a proeza de não se vender enquanto propaganda tal como fez o “horripilante” "Battlefield Earth" (Roger Christian, 2000) ainda hoje a pedra no sapato na carreira de John Travolta, como também em operar no oposto desse beato fascínio. Ridley Scott concebe "Prometheus" como um atmosférico thriller habitado nas lides da ficção científica, sempre preservando a sua teia conspirativa e misteriosa, uma astúcia algo surpreendentemente vinda de um realizador que após “Thelma & Louise” abandonou a coragem autoral e dançou em nome do dinheiro fácil. O filme é um gesto de bravura, porém, impróprio para “mesquices” de continuidades e na ordem estrutural de um argumento funcional (de Damon Lindelof, um dos autores da série "Lost", e Jon Spaihts), por outras palavras, a narrativa ostenta inúmeros e por vezes incomodativos “buracos”.

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"Prometheus" arranca nessa expedição inicialmente entusiasmante, o fôlego esgota-se gradualmente quando tenta a todo custo corresponder à ânsia dos fãs, deixando pelo caminho uma trama que se desleixa a toda a velocidade. Dito isto, pode parecer que o trabalho de Ridley Scott é uma banhada conceptual, mas na verdade, exibe qualidades que o destacam das maiorias dos congêneres contemporâneos, e que por sua vez opera como um blockbuster de maiores desafios que o normal da indústria, porque por baixo das suas gorduras dispensadas e da lógica contestada existe uma estrutura digna dos mitos, criações ao encontro do seu criador, cujo encontro é estritamente proibido, ou os Deuses de um velho evangelho, crueis, embebidos pelo seu Poder.  

Não é perfeito, mas, assumindo a postura de Joe E. Brown perante um Jack Lemmon que se auto-desmascara para se livrar de um matrimónio forçado na célebre punchline de “Some Like it Hot” (Billy Wilder, 1960), tal não importa.