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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Dance with my self

Hugo Gomes, 04.02.23

A liberdade de um filme é medido pelo tempo que é dado às personagens para poderem dançar sozinhas. Ou parafraseando uma das obras menores de Ken Loach ["Jimmy's Hall"] - “We need to take control of our lives again. Work for need, not for greed. And not just to survive like a dog, but to live. And to celebrate. And to dance, to sing, as free human beings.”.

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Spider-Man 3 (Sam Raimi, 2007)

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Babylon (Damien Chazelle, 2022)

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La vie d'Adèle / Blue is the Warmest Color (Abdellatif Kechiche, 2013)

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Saturday Night Fever (John Badham, 1977)

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Frances Ha (Noah Baumbach, 2012)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

Ya no estoy aquí (Fernando Frias, 2019)

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Bergman Island (Mia Hanse-Love, 2021)

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Grigris (Mahamat-Saleh Haroun, 2013)

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L'événement / The Happening (Audrey Diwan, 2021)

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Kickboxer ( Mark DiSalle & David Worth, 1989)

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Jimmy's Hall (Ken Loach, 2014)

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Cold War (Pawel Pawlikowski, 2018)

Tudo aconteceu numa "bela manhã" ...

Hugo Gomes, 04.11.22

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Desde que comecei a fazer filmes, descobri que é através deles que encontro as ferramentas para aprender a voltar a viver e encarar este mundo.Mia Hansen-Løve

Numa “bela manhã”, Sandra visita o seu decadente pai, um respeitado professor de filosofia, hoje prisioneiro, do seu próprio apartamento, face a uma doença degenerativa que o impede de ser autónomo. Os olhos da nossa protagonista, “vestida” sob uma discreta Léa Seydoux, enchem-se de angústia, um silencioso desespero ao ver o seu progenitor em estado de farrapo, perdendo a sua consciência quanto à sua própria existência. Discute-se a possibilidade de o mover para um lar, e isso, mais tristeza lhe atribui. 

Porém, foi nessa mesma “bela manhã” que Sandra reencontra um “velho amigo”, belo e confiante após uma expedição à Antártida, um cosmofísico, cuja, por fim, troca de olhares, dissipa aquela tristeza contida. Novos sentimentos (re)nascem. Aquela “bela manhã”, no fundo, foi uma agridoce manhã como a vida o é, ora cinzenta, ora colorida, entretanto confundida ou escapista. Sandra é impotente para com aquilo que o seu pai vai-se tornando (um ser fragmentado, impreciso nas suas memórias, na sua evidência) e deseja exiliar desses sentimentos, ou Sandra conforta-se na temporária felicidade (nos braços do seu amante) e ao mesmo tempo sente-se perturbada pelo destino que o seu ente querido encaminha. Nada é unilateral, preciso nessa vida, olha-se para o horizonte de forma a fugir das nossas preocupações. 

Depois de Mumbai com “Maya” (2018), e da Ilha Faroo com “Bergman Island” (2021), Mia Hansen-Løve, definitivamente entranhada na sua melancolia (vida para além do cinema, mas que se confunde com a mesma), regressa a Paris, ao seu quotidiano e às histórias que a interpelam sem o uso de uma ótica turística. “Un Beau Matin”, aquela “bela manhã” de Sandra, é respondida com um grito de revolta perante a inconformidade de um desígnio indecifrável, porém, o resultado é silenciosamente delicado, Mia encontrou o equilíbrio da sua tristeza interiorizada, a consciência de que a morte é um ato natural e que os recomeços estão no virar da esquina. Como a doença degenerativa do seu personagem, nada nos soa estagnado, aliás, tudo se transforma … imprevisivelmente. Nesse efeito, o cinema de Mia transforma-se, deixando de lado a cinefilia de postal que o seu anterior filme fora, e partindo de regresso às suas inserções rohmerianas sem a possessão dos estados de graças rohmerianos. Quem sabe, a marca do seu cinema. 

Reviravoltas, por vezes, como a nossa Sandra, há que olhar para o passado como se olha em frente, nela poderemos reencontrar as nossas antecipadas respostas. 

Mia Hansen-Love: "O meu cinema foi uma cruzada pela luz, mas é na leveza que encontrei o meu prazer”

Hugo Gomes, 20.10.21

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Vicky Krieps em "Bergman Island" (2021)

Após uma viagem existencial e amorosa por Mumbai em “Maya” (2018), a prolifera realizadora Mia Hansen-Love convida-nos a percorrer a ilha de Faroo, Suécia, um território apropriado pelo fantasma do cineasta Ingmar Bergman.

Por entre cenários, adereços e endereços e uma presença onipresente do realizador, "Bergman Island” (“A Ilha de Bergman”) consente-se numa jornada interior na relação de realizadores que procuram os seus propósitos e próximos projetos naquele mundo detido por outro. Os atores Tim Roth e Vicky Krieps estão ao serviço da realizadora neste "turismo" cinematográfico, espelhando as angústias e incertezas de uma artesã que sonha aqui conhecer-se verdadeiramente.

Conversei com Mia Hansen-Love logo após a estreia do seu filme no Festival de Cannes, uma passagem não de todo consensual, mas, sem dúvida alguma, pessoal.

Na sessão de Cannes, uma frase do filme levou a sala ao rubro e gostaria que me comentasse. No momento em que se discute os feitos e feitios de Ingmar Bergman, a personagem de Krieps insinua que, em comparação com o cineasta sueco, “não seria possível uma mulher com nove filhos realizar mais de 60 filmes e ‘n’ de peças de teatro”.

Recebi imensos comentários acerca dessa sequência e não falo apenas de jornalistas, mas dos homens que estavam na rodagem e ficaram automaticamente histéricos [risos]. É verdade! Muitos deles ficaram agressivos comigo, questionando-me constantemente “o que queres dizer com isto?" “Uma mulher não era capaz?” “ Como assim?”. Não tentei com aquela frase minimizar ou determinar a criatividade das mulheres, colocando em choque com os parâmetros sociais. Só constatei um facto e não um ponto moral. Temos pena, mas uma mulher não conseguiria ser mãe de nove crianças e fazer 60 filmes. É fisicamente impossível, não é um comentário biológico. Recordo, como se fosse ontem, aquele ambiente de confronto causado por essa frase.

Antes da ilha de Faroo, concretizou “Maya”, em que filmou na Índia, por isso pergunto se usa o cinema como um modo de viajar e conhecer o mundo? Ou, como os americanos etiquetam, é uma forma de fazer “world cinema”?

Não tento com isto fazer “world cinema”, e antes de vir para Cannes rodei metade do meu novo filme em Paris. Não é uma questão de sair de França e começar a realizar “filmes de estrada”, e sim o de procurar filmes que me trazem de volta à realidade. Desde que comecei a fazer filmes, descobri que é através deles que encontro as ferramentas para aprender a voltar a viver e encarar este mundo. Era uma rapariga melancólica na casa dos 20 [anos] que tinha medo e é com o cinema que venço esse medo, não de viver propriamente dito, mas de arriscar, o que faz parte do processo de viver. Portanto, fazer filmes fora do meu país também faz parte desse processo, é um risco que tomo, que me faz crescer e confronta o territorialismo do cinema.

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Mia Hansen-Love

Nesse sentido, o que é que aprendeu ao rodar “A Ilha de Bergman”?

Aprendi o quanto amo filmar. Aliás, é em plena rodagem que me deparo com os momentos mais felizes da minha vida. Mas isso já sabia, o que descobri aqui foi que a criação não é inseparável da culpa. Por outro lado, a distância pode motivar essa mesma criação. Quando escrevo os meus filmes, sigo profundamente no meu ser e, por vezes, vou ao reencontro de momentos dolorosos para mim. Igualmente podemos encontrar grande prazer na extração desses mesmos momentos e filmá-los, recriá-los e deixar que atores os apropriem, e por essa via tornarem-se numa outra ‘coisa’. E aprendi a aceitar esse prazer na culpa e “A Ilha de Bergman” resultou numa experiência prazenteira. Como também aprendi muito sobre o próprio [Ingmar] Bergman

Durante a minha estadia, entranhei em vários documentários e algo que constatei no registo das suas filmagens é que, ao contrário da figura sisuda e séria que temos dele, Bergman parecia luminoso e verdadeiramente feliz na rodagem dos seus filmes. Havia qualquer coisa de positivamente infantil quando os filmava e isso conecta com a sensualidade deste filme. Quando falamos de Bergman, automaticamente falamos de um realizador sério e frio, e não é bem assim, há inocência e sensualidade nos seus filmes. Por exemplo, “Summer with Monika” [“Mónica e o Desejo”, 1953] é um dos filmes mais sensuais. Tendo em conta esses fatores, apercebi-me em “A Ilha de Bergman” que devo encontrar prazer na leveza. O meu cinema foi uma cruzada pela luz, mas é na leveza que encontrei o meu prazer.

Nesta narrativa deparamo-nos com outro filme no seu interior, outra história e trama que coincidem com os sentimentos das suas personagens. Porque decidiu centrar-se nesta narrativa de evidentes camadas?

A história dentro da história foi resultado da minha busca pela forma e o quanto inspiracional ela é. Portanto, encontrei neste método narrativo portas para a minha liberdade - os meus anteriores filmes eram mais realistas ao nível da sua escrita - e queria com isto materializar a minha confusão com que lidava vida e ficção, passado e presente, e, mais uma vez, o prazer disso. Não importa aqui a definição do que é e como se deve comportar o cinema, o que importa é o meu entusiasmo e prazer de o fazer. Julgo que a questão não é o porquê da minha decisão de fazer um filme dentro de outro filme, mas sim o que o filme trata e o que me levou a isso.

Antes de “A Ilha de Bergman”, qual era a sua relação com o cinema de Ingmar Bergman?

Isso é difícil de descrever em poucas palavras. [risos] Comecei a ver os filmes de Bergman nos meus 20 [anos] e bem cedo integrou o meu imaginário. Posso afirmar que Bergman acompanhou o meu crescimento enquanto realizadora. Uma das razões para ter feito este filme é que queria estar mais próximo “dele” e tentar decifrar porque é que ele é tão universal, complexo... ou seja, é tão difícil sumarizar tudo isto em meros minutos. Até na pandemia, no meu apartamento em Paris, regressei várias vezes a Bergman e tornei-o, não oficialmente, no meu lugar de refúgio, por exemplo.

Existe mais algum realizador que cause iguais sentimentos em si?

Sim, tantos, mas os outros são franceses. [risos] Tenho este tipo de relação com o trabalho de Eric Rohmer e François Truffaut... já agora, o italiano Nanni Moretti. Mas o facto é que, para mim, Bergman era familiar e, ao mesmo tempo, distante. Porque era esta figura genial, massiva e intimidativa. E também tenho uma ligação estranha, a minha família é dinamarquesa, por isso tenho sentido uma atração pela Dinamarca e Suécia, e encarei-os sempre como um lugar de fantasia porque uma parte de mim é de lá, mas não os conheço, cresci na França. O que acontece é que Bergman leva-me de alguma maneira a estar próxima das minhas raízes.

Um café com Vincent Macaigne: conversa com o "furacão" e ator de "Deux Amis"

Hugo Gomes, 01.05.16

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Une histoire américaine (Armel Hostiou, 2015)

O “furacão” Macaigne, como é assim apelidado pela imprensa, esteve em Portugal por alturas do Indielisboa. O festival lisboeta dedicou-lhe uma retrospetiva sobre o seu incansável trabalho como ator, produtor e realizador, e salientou o seu tremendo contributo para com as novas gerações que atualmente surgem no cinema francês. Falei com este “Herói Independente“.

É a sua primeira vez em Lisboa?

Sim, esta é a minha primeira vez. Tenho andado por aí a ver a cidade e Lisboa é realmente um local bonito … e bastante louco.

Como se sente ao saber que um festival lhe dedica uma retrospetiva?

Como eu me sinto? Bem, é bastante estranho porque eu não me sinto assim tão velho.

Acredita que as retrospetivas são para “velhos”?

Não nesse sentido, eu acredito que quando um festival dedica-te uma retrospetiva, é sinal de que algo precisa de mudar na tua carreira, ou seja, a partir daqui devo fazer algo diferente.

E ao saber que o festival dedicou-lhe uma retrospetiva em conjunto com a de Paul Verhoeven?

Bem, faz-me sentir bem pior em relação à velhice (risos). Agora a sério, é uma honra estar lado a lado com este cineasta, como homenageado num festival.

Em “Eden”, de Mia Hansen-Løve, Vincent interpreta uma personagem que a certa altura aclama o “infame” “Showgirls”, de Verhoeven, como uma obra-prima. Já viu o filme e partilha a mesma opinião da sua personagem?

Sim, eu vi o filme, mas posso dizer que não concordo com a palavra “obra-prima”. Essa frase é exclusiva da minha personagem, não partilho dessa opinião.

Em 2013, com três filmes em competição no Festival de Cannes, consideraram-no numa espécie de revelação do cinema francês, um novo “Depardieu” para ser mais específico. Foi, de certa maneira, nessa altura que se tornou uma presença habitual da mesma cinematografia. O que lhe fez interessar repentinamente pelo cinema?

Quanto à minha presença em Cannes, não foi bem isso que aconteceu. Apenas entrei em três filmes que porventura conseguiram integrar a seleção de Cannes, não fui nenhuma revelação como a imprensa apelidou. Todos os anos existe sempre um ator ou uma atriz que entra em mais do que um filme em Cannes e pronto, temos a revelação do ano. Quanto ao meu interesse no cinema, não foi algo que nasceu de repente, já possuía esse interesse há muitos anos, desde os meus tempos no Conservatório Nacional, apenas não havia ainda encontrado o melhor momento para fazer parte da indústria.

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Eden (Mia Hansen-Løve, 2015)

Um dos seus trabalhos mais recentes foi na produção "Les Deux Amies", no qual foi dirigido e contracenou com Louis Garrel. É bem verdade que vocês já se conheciam? Como foi trabalhar com Garrel como realizador?

Eu conhecia Louis Garrel desde os tempos do Conservatório Nacional, participamos em algumas peças juntos e desde então tornamo-nos amigos. Entretanto entrei na sua curta de “La Règle de Trois” e a coisa até correu bastante bem. Algum tempo depois convidou-me para integrar o elenco da sua primeira longa-metragem, “Les Deux Amies”, e obviamente aceitei. Louis tem muito talento e divertidas ideias fixas. Mesmo tendo sido o seu primeiro grande filme, soube perfeitamente lidar com todo o tipo de situações que poderia prejudicar qualquer “novato“. Digamos que o cinema está no seu gene.

Já que refere o Conservatório Nacional, para si qual é o mais desafiante, o teatro ou o cinema? Qual deles prefere?

São dois “palcos” completamente diferentes. No teatro, o espectador vê o presente e o ator representa o momento. No cinema, é uma questão de memória, o espectador vê uma interpretação ultrapassada, apenas gravada. Ao contrário do teatro, o cinema mexe no passado das coisas. Outro exemplo é quando adotamos uma personagem no teatro e esta tem tendência a alterar-se em cada sessão, existe um improviso evidente. No cinema, a personagem é trabalhada e depois de filmada é tudo aquilo que está exposto e pronto.

Voltando ao ponto da imprensa, esta refere-lhe que de certa maneira está a levar o cinema francês para uma Nova Vaga. Concorda?

Não me considero como tal, por vezes a imprensa exagera nos títulos e nas descrições. Apenas gosto de representar e estou aberto para qualquer proposta, seja cinema de autor ou filmes de alto orçamento. Aliás, eu entrei recentemente em "Les Innocentes", de Anne Fontaine, que é um filme grande.

O que tem a dizer sobre o estado atual do cinema francês?

É uma indústria muito diversificada, são vários os filmes gerados por ano, penso que sejam mais de mil, não tenho a certeza. É muito difícil avaliar qualquer tipo de estado.

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La Fille du 14 juillet (Antonin Peretjatko, 2013)

Quanto a novos projetos?

Neste momento encontro-me em plenas filmagens de “Les Philosophes”, um filme de Guilhem Amesland, e estarei no elenco de “La Loi de la Jungle”, que foi rodado na Amazónia e é escrito e realizado por Antonin Peretjatko que é o mesmo de “A Rapariga de 14 de Julho”.

Existe a possibilidade desse último filme estar em algum festival?

Julgo que não, “La Loi de la Jungle” tem estreia marcada para julho.

Gostaria de regressar a Cannes?

Sinceramente, Cannes é um ótimo festival para filmes, mas para mim é muita confusão, uma pessoa não consegue desfrutar aquilo direito. Prefiro festivais mais pequenos como este aqui. Uma pessoa pode ver filmes, conviver, fazer turismo com a maior das tranquilidades e isso é precioso.

Se recebesse algum convite para Hollywood, aceitaria?

Claro que sim, mas duvido que me convidem até porque tenho grande dificuldade em falar inglês.