Foto de Turma (IV)
Mel Brooks e o elenco de "Young Frankenstein" (1974): Madeline Kahn, Gene Wilder, Marty Feldman e Peter Boyle
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Mel Brooks e o elenco de "Young Frankenstein" (1974): Madeline Kahn, Gene Wilder, Marty Feldman e Peter Boyle
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Richard Lewis (1947 - 2024) em "Robin Hood: Men in Tights" (Mel Brooks, 1993)
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High Anxiety (Mel Brooks, 1977)
Sem conflito não há nada a contar. É o conflito que faz despoletar uma sucessão de eventos passíveis de configurar uma história, uma trama ou um ensaio.
Quando olhamos para a linguagem que o cinema nos apresenta, é o medo que está na base dos grandes conflitos. É normal associá-lo a géneros como o terror, o suspense ou o thriller, mas o medo apresenta-se sob várias formas, quer estejamos conscientes disso ou não.
Na primeira vez em que me senti completamente amedrontado, em frente a uma tela de cinema, as imagens eram coloridas, a música apaziguante e a personagem principal não passava de um veado fofo, mas foi a primeira vez que senti a inevitabilidade da morte e o quão democrática era. O “Bambi” provocou em mim um efeito equivalente ao “Pesadelo em Elm Street” uns anos mais tarde, livrando-me da minha prezada paz de espírito e da inocência, que esbofeteou sem tréguas.
Mas esquecendo os traumas de infância, que apenas abundam pela descoberta natural da experiência humana, podemos encontrar manifestações do medo em virtualmente todos os géneros cinematográficos.
Há quem defenda que a diferença entre a comédia e o terror é a música que os acompanha. O embrulho de uma tragédia vai ditar se rimos ou tememos, e a verdade é que não são raras as vezes onde uma comédia nos apresenta as atribulações motivadas pelo medo de uma personagem, ou de um conjunto de personagens, das quais somos motivados a rir pelo simples distanciamento. Caso o ponto de vista fosse transferido para os olhos dos protagonistas, talvez partilhássemos a ansiedade e o medo por estes vividos. Dos Irmãos Marx ao “Sozinho em Casa”, a agressão física é apresentada como a centelha para o riso, mas acreditem ou não, estar no lado receptor dessa agressão é uma experiência dolorosa e ser o emissário pressupõe defesa ou intenções nefastas.
Com isto dito, não há juízos de valor a fazer. Só é verdade no cinema porque também o é fora dele. Nada me provoca mais o riso do que uma queda bem aparatosa e planeada, ou uma desinteria de proporções bíblicas. Se as queria para a minha vida? Adianto que não, mas à distância parece hilariante.
É também fora do cinema que encontramos uma série de medos que não reconhecemos como tal no confinamento do ecrã. O medo de falhar, o medo de não conseguir pagar as contas, o medo de ter filhos, ou de não os poder ter.
É no género catalogado como “Drama” que surgem todos estes temas. Um género tão cruel e explorador que faz qualquer filme da franquia “Saw” ou “Hostel” parecer um aperitivo num banquete de desgraças. Mas o que leva a exploração da dor existencial a ser tão mais bem vista do que a exploração da dor física? A componente visual terá algo a ver com a resposta, mas não podemos deixar de excluir o masoquismo da empatia, de querermos ver o outro passar pelo mesmo que a vida já nos obrigou a sentir, ou de passar por uma versão controlada das adversidades pelas quais esperamos nunca passar. Se apanharmos com uma boa dose de validação intelectual nessa experiência, melhor um pouco.
O medo move todos os seres vivos e tem tanto de fascinante como de repelente. Sendo o ser-humano provido de raciocínio, somos capazes de o representar e somos naturalmente movidos nesse sentido. Uma das primeiras filmagens da História é a morte de um elefante por eletrocução, mas também o foi o corpo nú de uma mulher. O paralelo entre o sexo e a morte é lenha para outra fogueira. O cinema vai continuar a ser o veículo para os artistas moldarem o medo e para o público o poder sentir sem passar pela massada de sofrer. Digo tudo isto com o maior sorriso nos lábios e na ânsia da próxima sessão que me deixe de coração nas mãos ou a conter as lágrimas, a baba e o ranho.
* Texto da autoria de José Santiago, nascido em Coimbra, licenciado em Comunicação Social pelo Instituto Superior Miguel Torga. Em 2007 junta-se à Rádio Universidade de Coimbra (RUC), onde fez parte do departamento de informação, programação e foi também presidente. Foi também na RUC que participou em vários programas relacionados com o cinema (“Sala de Pânico”, “Os Suspeitos do Costume”, “Spinoff”), começando a escrever crítica de cinema no jornal universitário "A Cabra" e mais tarde na plataforma on-line Arte-Factos. Profissionalmente tem desempenhado funções de gestão de marketing em empresas relacionadas com distribuição de vídeos e artes digitais, sendo também curador da iniciativa Passos no Escuro, exibindo cinema de terror e culto, no Porto.
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Anne Bancroft e Mel Brooks, em 1983 / Foto.: Douglas Kirkland
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No dealbar do século XX, o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw escreveu em Man and Superman uma falácia muitas vezes repetida desde então (para grande irritação da generalidade das classes docentes). Em tradução livre: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina.” Terá sido Rita Lee, a “rainha” do rock brasileiro, a pegar nas palavras de Shaw para as extremar, apontando a mira a outra classe profissional: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina. Quem não sabe ensinar, ensina a ensinar. Quem não sabe ensinar a ensinar, vira crítico.” Não faço ideia em quem Lee pensava ao certo quando proferiu tal pensamento, mas, dada a falta de especificidade, acredito que todos os críticos — literários, de música, de cinema e outros — tenham levado por tabela.
Porque a minha relação com a cultura popular — e muito do meu (parco) conhecimento em qualquer outra área, em nome da verdade — foi sempre, e primariamente, alimentada através da sétima arte, tenho a convicção de que existe expressão artística desde a pré-história. E que, a acompanhá-la, existe desde então a crítica. A culpa é, obviamente, de Mel Brooks. No incontornável clássico (da minha infância cinéfila) Uma Louca História do Mundo (History of the World: Part I, 1981), a suposta primeira parte de uma série épica sobre a História do Mundo — que nunca o foi na realidade; a referência à primeira parte não passava de uma piada —, assistimos ao nascimento da arte através da pintura de imagens nas paredes de uma gruta por um “homem das cavernas”, dando imediatamente origem ao aparecimento da crítica, com um “crítico das cavernas” demonstrando sem sombra de dúvida a sua opinião sobre a obra ao urinar na mesma. Mesmo em tenra idade, achava piada a este momento do filme dada a minha percepção de que a generalidade da crítica seria condescendente, altiva e desdenhosa — percepção totalmente errada, mas instituída como verdade absoluta, um sofisma indizível e aceite por todos que persiste aos dias de hoje e que é muito difícil de contrariar.
Também eu tive a minha quota-parte de “bater no ceguinho” e de ter como passatempo a procura nas páginas dos jornais dos críticos de cinema já bem conhecidos da nossa praça por contrariarem a opinião popular — opinião popular, que conceito indefinível, no entanto tão unanimemente aceite! Uma vez chegado à tabela de classificações e encontrados os suspeitos do costume, cada bolinha preta ou estrelinha solitária era uma confirmação cabal da qualidade da obra visada. Tal como o Cinema Português, também a Crítica Portuguesa me parecia elitista, erudita e desligada dos gostos corriqueiros do povo. O que pode muito bem ser verdade, porém, com o tempo, acabei por ter uma série de revelações que poderão parecer óbvias a uns e inconcebíveis a tantos outros. O gosto do povo não é unânime, pois será constituído por muitas e heterogéneas cabeças pensantes com diferentes experiências de vida; a crítica não existe para confirmar os nossos gostos nem as nossas opiniões; ademais, a crítica, que pode e deve confrontar e questionar a nossa visão, não nos deverá ofender pelo simples acaso de apresentar uma perspectiva diferente da nossa. Através da análise crítica bem escrita, ficamos a saber tanto sobre as obras dissecadas como, com alguma sorte e leituras acumuladas, sobre o crítico que as escreveu, ao passo que textos pobres, mesmo que alinhados com a nossa opinião, não têm nada para nos ensinar.
Na era da informação que nos veio a calhar em sorte, em que a facilidade tecnológica de encetar diálogo(s) nos tem levado a uma progressiva dificuldade em comunicar, numa vertigem de pensamentos rápidos e reacções irreflectidas, gritadas como se o volume das mesmas fosse o garante da razão, o fosso entre opinião pública e crítica especializada não teve qualquer hipótese de ser preenchido. Tampouco tem sido possível construir uma ponte que ligue as duas margens. Ao invés, surgiu outro fenómeno para baralhar as contas. Aos poucos, as vozes entusiasmadas de amantes de cinema — munidas de uma enorme paixão, algum conhecimento enciclopédico e, genericamente, um conhecimento marginal da língua materna, bem como poucos ou nenhuns estudos cinéfilos — foram ganhando expressão — para que fique bem claro, por princípio, subscrevo e apoio esta tendência, até porque eu próprio sou um esforçado exemplo do mesmo. No entanto, esta democracia da opinião apenas é válida enquanto o ímpeto for a genuína partilha e reflexão sobre a arte que nos une numa sala escura através de um feixe de luz projectado numa enorme tela. Quando as intermináveis vozes não se calam numa gigantesca câmara de eco em uníssono, com estatísticas de visitas e links carregados em mente, gerando ruído em reacção às vozes impopulares (isto é, contrárias à opinião maioritária), o resultado é a diluição da multitude de vozes que valem a pena ser ouvidas, pequenos faróis tímidos num mar agreste abafados pelo nevoeiro e pela borrasca.
Muito haveria a dizer sobre o estado — e o futuro — do cinema. No entanto, não só pensar nisso me deprime como é irrelevante para a discussão do tema da crítica cinéfila. Seja qual for a forma que o cinema venha a tomar, enquanto se produzirem filmes, haverá a necessidade da análise e discussão crítica, incluindo os amadores e sem menosprezar o conhecimento e a erudição dos profissionais e dos estudiosos da história da sétima arte — ao fim e ao cabo, o cinema não nasceu no século XXI nem se limita a filmes de super-heróis. Por isso, não batam mais no ceguinho e abracem a diversidade de opiniões. Deitem o ego e a ditadura dos gostos para trás das costas e abracem vozes de diferentes cores, credos e convicções que permitam o expandir dos vossos horizontes. Bem formadas, apaixonadas, eruditas, populares, profissionais ou amadoras, o que importa é que contribuam para um diálogo civilizado e salutar. Lembram-se da última vez que testemunharam um assim?
*Texto da autoria de António Araujo, autor do podcast 'Segundo Take' e co-autor do podcast 'Universos Paralelos' e do programa de YouTube 'Três Já É Companhia'."
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O músculo da família Corleone (a sua morte em “The Godfather” foi das mais violentas que presenciei na minha juventude), um ator de fisicalidade cuja essa propriedade foi utilizada como um desafio performativo em “Misery”, e mais tarde, como bem sabemos, Hollywood não lida bem com a velhice dos ‘outros’, um homem relegado ao seu mau humor, sem nunca perder a “pinta”. James Caan atravessou um tempo, diverso de autores, linguagens e estilos, presença reconhecível nos anos 70 que adquiriu dimensão histórica nos anos 90 e no início do novo milénio, até por fim chegar aos últimos anos, demonstrando a sua descartabilidade (papéis relevantes faltaram na sua carreira em término). Mas quanto a isso, não há nada a fazer, só quando desaparecem é que sentimos a falta. Caan, o patife, o criminoso, o intolerável, pelos menos foi essa imagem transmitida anos a fio, e verdade seja dita, era bem bom naquilo que fazia.
Silent Movie (Mel Brooks, 1976)
Slither (Howard Zieff, 1973)
The Godfather (Francis Ford Coppola, 1972)
Misery (Rob Reiner, 1990)
Dogville (Lars Von Trier, 2003)
The Yards (James Gray, 2000)
Dick Tracy (Warren Beatty, 1990)
Rollerball (Norman Jewison, 1975)
The Killer Ellite (Sam Peckinpah, 1975)
Thief (Michael Mann, 1981)
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Gene Wilder e Cleavon Little em "Blazing Saddles" (Mel Brooks, 1974)
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“The first thing I am going to do when I get back is get some decent food.” Alien (Ridley Scott, 1979)
“April the 4th, 1984. To the past, or to the future. To an age when thought is free. From the Age of Big Brother, from the Age of the Thought Police, from a dead man... greetings.” 1984 (Michael Radford, 1984)
“Catch the midnight express.” Midnight Express (Alan Parker, 1978)
“This is the sad tale of the township of Dogville.” Dogville (Lars Von Trier, 2003)
“I am not an elephant! I am not an animal! I am a human being! I am a man!” The Elephant Man (David Lynch, 1980)
“In the absence of light, darkness prevails. There are things that go bump in the night, Agent Myers. Make no mistake about that. And we are the ones who bump back.” Hellboy (Guillermo Del Toro, 2004)
“I want this country to realize that we stand on the edge of oblivion. I want every man, woman and child to understand how close we are to chaos. I want everyone to remember why they need us!” V for Vendetta (James McTeigue, 2005)
“Oh, no. Not again.Oh, no. Not again.” Spaceballs (Mel Brooks, 1987)
“Survivors! Wash yourselves. The water supply section ... wash away the blood …” Snowpiecer (Bong Joon-ho, 2013)
“The powers that be have been very busy lately, falling over each other to position themselves for the game of the millennium. Maybe I can help deal you back in.” Contact (Robert Zemeckis, 1997)
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Gene Wilder e Richard Pryor em "Stir Crazy" (Sidney Poitier, 1980)
Blazing Saddles (Mel Brooks, 1974)
Young Frankenstein (Mel Brooks, 1974)
Willy Wonka & the Chocolate Factory (Mel Stuart, 1971)
See No Evil, Hear No Evil (Arthur Hiller, 1989)
Gene Wilder e Kelly LeBrock em "The Woman in Red" (Gene Wilder, 1984)
Gene Wilder e Zero Mostel em "The Producers" (Mel Brooks, 1967)
Gene Wilder (1933 - 2016)
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Mel Brooks e Marty Feldman durante a rodagem de "Young Frankenstein" (1974)
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