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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Matthew McConaughey é o homem mais feliz do Mundo

Hugo Gomes, 08.05.19

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Compreende-se o ódio que muita crítica norte-americana tem em relação a "Beach Bum", ainda mais vincada nas novas gerações, alicerçadas a um tom politicamente correto e, sobretudo, de "ativismo justiceiro". Na verdade, a carreira de Harmony Korine nunca foi das mais consensuais. Argumentista do polémico "Kids" (Larry Clark, 1995), "desvirginou-se" na realização com “Gummo” (1997), especializando-se num olhar de um embusteiro "trash" aos devaneios de uma juventude inconsequente.

Dividido entre curtas e alguns videoclipes, como "Rihanna: Needed Me", Korine chamou as atenções do público mais "mainstream" em 2016 com "Spring Breakers", onde se apropriava das antigas estrelas da Disney para as distorcer em “coquinados” arquétipos das gerações atuais, reduzidos à violência dos seus respetivos meios e às promessas de oásis de sexo, drogas e juventude eterna. Esse filme, que contou com o protagonismo de Vanessa Hudgens, Selena Gomez e um alienado James Franco como o pesadelo de qualquer pai, foi furtivamente fustigado pela crítica e pelo público, muitas vezes não habituados a narrativas não-convencionais aludidas ao universo do videoclipe, assim como à abordagem rebelde de Korine. Mesmo assim, "Spring Breakers" rendeu 30 milhões de dólares em todo o mundo, o que é um feito para um projeto de 5 milhões de orçamento.

Como "consequência", chega-nos agora um novo trabalho que não arreda pé à sua estética plástica, nem mesmo à sua temática. Porém, não são mais jovens que ingressam neste quadro, o que o faz pertencer a um país (que) é para velhos. Além de mais, "Beach Bum" é uma fantasia sobre uma juventude interna, aquela que parece não abandonar a Moondog (Matthew McConaughey), um poeta de um sucesso longínquo que virou um hedonista irresponsável, abençoado de talento, mas sempre pronto para a farra. O ponto central da narrativa deste McConaughey fisicamente decadente é a ausência de conflito, que transforma tragédias em banalidades e uma jornada de supostas epifanias em trilhos meramente passivos com a sua festividade. A certa altura, o protagonista justifica a sua sorte afirmando "que todos os elementos do mundo conspiram para trazer a sua felicidade".

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Possivelmente, o nosso gosto por dramas moralistas, ou pelas cadências propícias nos diversos atos, levam-nos a repudiar este (pseudo)enredo. Dito de uma forma vulgar, "Beach Bum" é um "filme-charrado", onde as personagens são mero peões de um júbilo mimetizado e o riso despreocupado de McConaughey é a expressão dominante de todo este acerto estético. Aliás, por vezes é a estética que recai num arquétipo de "Malick drogado", se não fosse o facto de Korine assumir como paralelismo ao realizador da "Tree of Life", convertendo a suposta metafísica fílmica num primo bastardo do videoclipe cinematográfico.

Mas então porquê defender um filme como "Beach Bum"? É que o cinema atual parece regido pelas preocupações internas nas mais diferentes questões morais ou no sentido de representatividade. A própria crítica norte-americana tem vestido essa pele de apaziguador entre a indústria e a ética do público. Tudo tem que ter um propósito, aliás, ser um exemplo. O politicamente incorreto de Harmony Korine é escasso na indústria norte-americana de hoje, mas sobretudo é uma libertinagem de coração cheio. Aqui, tudo é sincero, incluindo a sua despreocupação com as leis massivas do audiovisual.

Ver Matthew McConaughey de charro na boca, bêbado e em orgias confundidas com convívio poderá ser encarado como indulgência... possivelmente é... mas esta inconsequência de alguém que renega a maturidade serena, como uma criança impedida de crescer na Terra do Nunca de Peter Pan, é um espírito que transcende o grande ecrã. Harmony Korine é isto mesmo, com toda a sua loucura. Ama-se ou odeia-se aqui. E esses são sentimentos fortes que muito do cinema parece ter esquecido.

A «Cantar!» para todos os males espantar

Hugo Gomes, 09.12.16

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Confortavelmente sentamos na cadeira para visualizar mais um filme de animação. No nosso interior, esperemos que seja o último do ano, visto que 2016 suou ter sido um ano bem animado, no bom como no mau sentido da palavra. Assim, a sessão começa, entra o logo – Illumination – com os “Minions”, esses “bonequinhos” marketing a fazer das suas. Deste lado, o pior se espera, visto que foi a Illumination que produziu “The Secret Life of Pets”, um ode à violência sem sentido e uma violação à premissa prometida que revelou-se num autêntico êxito de bilheteira (Why?). Do outro lado da sala, ouve-se um “shhhhiiiiiiuuuu”, o filme vai realmente começar.

As portas do Grand Theatre de “nenhures” abrem, um sítio que o espectador mais atento irá aceitá-lo como um anexo de “Zootopia”. Sim, mais um filme de animais antropomorfos! Começa a narração, a voz-off, o qual identificamos como Matthew McConaughey a fazer de tudo para disfarçar o seu sotaque sulista. O ator é um Koala, um pequeno peludo que assiste à sua primeira obra teatral, uma espécie de espetáculo da Broadway, onde uma diva em forma de ovelha “grita” pelos seus pulmões, anunciando todo este flashback prefixo num autêntico “mar de rosas”.

Depois da velha cantiga de cumprir sonhos e afins, chegamos à actualidade, o nosso Koala é agora um produtor desta Broadway, mas um falhado produtor. Antes que alguém invoque o filme de Mel Brooks, é sabido que este marsupial tem um truque na manga, a sua chance de sair da “bancarrota”, aquele buraco, pelo qual se meteu após produções desastrosas e fiascos com “F” grande. Essa iluminação é a premissa de toda esta nova jornada animada, um concurso de talentos musicais.

Enquanto que a sua noção de novo projecto nos parece banal e mais que vendido, como animação, um concurso vocal parece de momento afastá-lo do território básico, mas não tão longe. A partir desta disposição são nos apresentados um diverso leque de personagens que sonham ocultamente ter os holofotes apontados em si. Pequenos backgrounds das personagens aqui e ali para nos situar e contribuir para este “world building”, para depois seguirmos a um casting, mais divertido que aqueles episódios de pré-seleção dos eventuais programas que esta animação alude. Mas obviamente, que esta animação é dirigida a um público específico e bastante abrangente, por isso, deixemos de “concursos” e passemos então à fórmula.

É previsível que após a aplicação da Lei de Murphy, um momento de humilhação algures e voilá, esquecemos as diferenças e todos os anteriores concorrentes se reúnem em prol de um objectivo comum. O final é essa façanha concretizada, com mais resoluções moralistas por metro quadrado que todas as produções de animação deste ano. Mas é uma “viagem” que compensa? Posso levar os meus filhos? Ao menos, diverte? Pergunta o leitor e muito bem.

Sabendo que este tipo de animações industriais tem um propósito principal – money – através da conquista dos nossos “pequenotes”. Mas tendo em conta o lote que tivemos este ano, desde o banalissimo “Finding Dory”, passando pelo desperdiçado “Zootopia”, até ao emocionante “Kubo”, e claro, o engodo chamado “The Secret Life of Pets”, “Sing” é um produto bem intencionado, que não os envergonha e com uma selecção musical que poderá, de maneiras devidamente doseadas, surpreender os mais cépticos. Não, não é dos piores. Não senhor!

Livre, só de nome!

Hugo Gomes, 30.06.16

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If we are all God's children, then no one can be owned."

Um pedaço de História dos EUA torna-se nas mãos de Gary Ross, o responsável pela adaptação do primeiro livro de “The Hunger Games”, num baço filme pedagógico. Ao que parece os tempos de John Ford já lá vão, o que se pretende não é revisitar a Guerra Civil norte-americana, o cenário bélico responsável pela formação do país que é hoje tido, mas sim apurar as causas para as irresponsabilidades sociais atuais. Obviamente, sem querer cair em correctas "politiquices", mesmo que os dias que decorrem motivam-nos a vergar por este ramo, “Free States of Jones” é um projecto desfragmentado, calculado para ofender o mínimo de faixas (quer etárias, raciais, religiosas e étnicas) possíveis.

A fórmula é simples - apoiar-se nos factos verídicos e exorcizarem-se nele uma espécie de catarse política. Até aqui tudo muito bem, o problema é que Ross não consegue decidir qual o melhor veículo para a difusão da sua mensagem (neste caso mensagens). O resultado é uma "trapalhice" narrativa; ora segue (sem aviso prévio) o corte temporal para a oferenda de subenredos despropositados, ora recorre às legendas para situar o espectador no tempo o qual é incapaz de transmitir, ou "tapa os seus buracos narrativos" com breves exposições de fotografias reais, como se tais mudos testemunhos invocassem forças necessárias a toda esta fachada. A história real por detrás deste “Free State of Jones” poderá ser cativante, nisso não poderemos negar, uma insurreição dentro de uma insurreição é pólvora ardente para um cinema de forte componente política, mas a maneira como se dispõe estes factos é de uma automatização alarmante, uma mecânica "mastigada" que nos finaliza com um terceiro acto isento de qualquer clímax ou de trabalhado conflito.

Pouco mais existe para dizer neste pseudo-bélico sem amor-próprio pelas personagens e sem compaixão alguma pelo esforço cometido por Matthew McConaughey no papel do "justo" Newton Knight, um dos herois esquecidos de um país que atualmente prefere venerar snipers [*cof *cof American Sniper”] e empresários na corrida presidencial [*cof *cof Donald Trump]. Ao que tudo indica, nem as produtoras tiveram fé nesta "causa", a resposta disso foi um filme deste género e com tamanho potencial ter sido lançado "à mercê da sua sorte" por entre os blockbusters de Verão. Lastimável!

Nolan, a odisseia do Espaço!

Hugo Gomes, 21.12.14

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No sentido mais poético e aficionado pela Sétima Arte, o Cinema leva-nos até às mais vastas fronteiras do nosso ser, às mais longínquas das galáxias e aos mundos nunca antes imaginados. Interstellar, o mais recente filme de Christopher Nolan, numa fase em que o seu ego pretensioso não tem lugar na Via Látea, é a proposta de ida sem retorno a essa imensidão espacial, tal como é transmitido no título - inter-estrelar.

Grandioso no aspeto visual e sonoro, Nolan conseguiu com isso e sob um jeito que demonstra astúcia reciclada às suas próprias marcas autorais, sim, porque o realizador da trilogia de The Dark Knight, já merece acima de tudo o seu título de autor, e os seus "blockbusters" a suas obras de arte.

Inicialmente o que vemos aqui, neste futuro neoprimitivo, onde os recursos naturais se esgotam a uma velocidade extrema e que  planeta Terra, outrora uma arca de diversidade biológica, é consumido pela inospitalidade e pelo deserto desconhecido que ferozmente avança. Este Mundo ficou pobre, a Humanidade é forçada a sobreviver ao invés de viver nos seus sonhos de conquista, aliás a agricultura é o único meio capaz de destinado aos homens deste futuro esquecido, enquanto a ciência subvalorizada é remetida aos anais da Historia da Civilização. Esta distopia, que soa mais como uma pessimista previsão do nosso estado, é o ponto de partida para a aventura que se segue, Nolan demonstra a sua face mais conservadora, e refiro em linguagem "americanizada", onde salienta os feitos do povo americano além-fronteiras e destrói à partida qualquer conspiração ou crítica nesse meio.

No caminho ainda somos surpreendidos à clandestinidade da NASA, a única organização, segundo Nolan, capaz de salvar a Humanidade. É óbvio que o realizador foi consultar a organização e como condição, a "boa conduta" da mesma deve estar representada. Porém, Interstellar não é um filme de distopias, nem imaginações frenéticas de mais um futuro distante, é sim um pretexto para agradar a comunidade científica com teorias de relatividade e do espaço desconhecido. Aliás comunidade essa, que sempre havia sentido aparte no território da ficção cientifica, visto que o entretenimento ou a fertilidade das ideias (o fascínio pelo impossível) sempre havia sido prioridade frente à credibilidade e a possibilidade a foro cientifico. Nesse aspeto, Interstellar constitui um "must", mas só nesse termo.

Contacto de Robert Zemeckis, o previsível e muitas vezes citado 2001: A Spacey Odyssey de Kubrick e até mesmo traços do "populuchoArmageddon de Michael Bay, referências essas, a que deparamos aqui. Ou seja, fora desses devaneios científicos e explicações merecedoras de registo, Interstellar é uma salada de frutas dos space operas, um tecnicamente fascinante filme de ficção científica que tem como principal objetivo, recorrer a umas boas teorias científicas para desmantelar o misticismo do filme de Kubrick. Ao invés da metafísica explorada e teorizada até à exaustão no filme de 1968, a relatividade e pensamentos de Isaac Newton são recorridos ao serviço de um twist final que por si era, cinematograficamente, calculável.

Claramente, Christopher Nolan construiu aqui a sua homenagem ao género, mas o que soube realmente fazer foi um híbrido incógnito, um ensaio teorizado para provar é “the smartest guy in the room". Por outras palavras, Interstellar resulta no seu todo como uma virtuosa demonstração de ego. Enquanto isso, o espaço exposto pelas avançadas técnicas de Hollywood perdeu dimensão desde a incursão espacial de Alfonso Cuarón e o seu jogo de sobrevivência chamado Gravity.

 

"Do not go gentle into that good night; Old age should burn and rave at close of day. Rage, rage against the dying of the light."

Vender canetas a vigaristas ...

Hugo Gomes, 12.01.14

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My name is Jordan Belfort. The year I turned 26, I made 49 million dollars, which really pissed me off because it was three shy of a million a week."

Primeiro, não confundam a interpretação de Leonardo DiCaprio com o filme em si. O ator entrega corpo e alma, encarnando com coragem um autêntico Calígula do século XX, oscilando entre a glória e a degradação num dos papéis mais intensos da sua carreira. Sim, pelo desempenho de DiCaprio, “The Wolf of Wall Street” merece todas as estrelas possíveis – poucos discutirão que esta é uma das suas performances mais complexas igualmente zombeteiras (há espaço para o humor no rumo do ator? Pelo que vemos sim!). No entanto, há uma camada de cinismo neste projeto audacioso e extravagante na forma como transgride os limites do lícito.

Martin Scorsese disseca a ascensão e queda de Jordan Belfort, um corretor da bolsa corrupto que acumulava milhões através de esquemas fraudulentos e lavagem de dinheiro. Conhecido como "O Lobo de Wall Street", Belfort personifica a sede insaciável de poder, luxúria e ganância que ajudou a empurrar os EUA para o colapso financeiro. Como personagem, ele é carismático, persuasivo e detestável na mesma medida – alguém capaz de convencer um filho a vender a própria mãe. Mas como figura cinematográfica, encaixa-se perfeitamente na galeria de anti-heróis scorseseanos, num registo auto-biográfico remitido a reminiscências e variações de “Goodfellas”.

Nesta abordagem, o realizador tira proveito da sua posição consolidada na indústria para criar um filme que respira liberdade artística. “The Wolf of Wall Street" aspira a ser um espectáculo sem amarras, pouco limitado por censuras ou restrições. Há paralelismos óbvios entre as festas de “The Great Gatsby" e os excessos corporativos deste filme – e não apenas por causa de DiCaprio. O excesso, aliás, define a obra em todos os aspetos: é longa, grandiosa e absolutamente desmedida na sua visão autoral.

É nesse jogo de excessos que Scorsese desafia o público a interagir com Jordan Belfort. Ao traçar um retrato profundamente vil, ele depois recorre à performance magnética de DiCaprio para, de forma astuta, suavizar a imagem dessa figura de má índole. E aqui está a verdadeira artimanha do filme: tal como Belfort vendia ilusões, DiCaprio "vende-nos" uma versão irresistível da personagem. “The Wolf of Wall Street” manipula o espectador com confiança, e Scorsese filma cada plano com a energia eufórica de quem retrata uma Babilónia moderna em plena decadência.

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No elenco, DiCaprio reina absoluto, mas encontra-se bem acompanhado: Jonah Hill finalmente se desprende da sua persona habitual, Margot Robbie foge do estereótipo da loira decorativa e Jean Dujardin impõe a sua caricata presença. O cameo de Matthew McConaughey, como mentor de Belfort, faz subir ações. São performances que seguram a narrativa e sustentam este devaneio frenético de Scorsese.

The Wolf of Wall Street" tinha todos os ingredientes para ser uma obra-prima, mas optou por ser um entretenimento voraz de abordagem quase celebratória a uma personalidade marcada pelas piores razões. Não se tornou uma propaganda moralista, mas também não escapou ao peso dos seus próprios excessos. Mas, sob a suas atentas leituras, mesmo perdido no seu júbilo, existe um retrato de uma América podre e sugado por um anarco-capitalismo sem escrúpulos. A verdade é que Belfort revelou numa inspiração … do quê (?) é que nos evidencia alguma suspeita dessa sociedade esganada como farol de virtudes. A ver vamos!

Crescer na lama ...

Hugo Gomes, 01.01.14

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A terceira longa-metragem de Jeff Nichols apresenta-nos um espírito rebelde que se conjuga com uma narrativa algo lírica, quase digna de um pequeno livro de aventuras. Não é por menos que o realizador, também ele argumentista, afirme que “Mud” deve muito às obras literárias de Mark Twain, nomeadamente os seus célebres Tom Sawyer e Huckleberry Finn, que são aqui apresentadas mais do que uma mera referência.

Sob um jeito aventureiro, eis uma visão máscula da adolescência, uma transição recheada de descobertas como também de desilusões. A verdade é que sem querer dramatizar tramas juvenis, Nichols compõe vários elementos fundamentais na formação de um indivíduo adulto; as primeiras paixões, o confronto familiar e até mesmo a decepções amorosas, que para além de serem subjugados como efeitos colaterais são ao mesmo tempo os alicerces referenciais para a intriga que se tece. Uma busca pela maturidade, não apenas presente nos jovens protagonistas, mas também em indivíduos adultos incapazes de lidar com a realidade que emerge diante dos seus pés, e é nesse preciso momento que entra o homónimo Mud.

Interpretado por Matthew McConaughey (existem atores que envelhecem mal, artisticamente, mas este não é o caso), Mud é o centro de todo o filme, uma alusão adulta a Tom Sawyer, uma figura iludida face às suas responsabilidades e igualmente um sofredor crónico do efeito “Terra do Nunca”, ou seja, a recusa do elemento que tanto procura, a maturidade, o crescer. Tal confirma-se através da forma como confia e confidencia os nossos jovens protagonistas (Tye Sheridan, Jacob Lofland), incutindo-se numa espécie de Peter Pan e os seus meninos perdidos em versão no Mississipi. É impossível não simpatizar com a personagem de McConaughey. Assim, neste “vertigo” dramático de personagens, a intriga corre de forma fluída como a tinta nas páginas dos livros de Twain, onde os cenários – o delta pantanoso e as habitações flutuantes no rio – estabelecem-se como receptores de tais espectros, um amontoado de menções em prol de um filme que tem tanto de adulto como de juvenil.

Trata-se de uma obra forte nas suas pretensões e Jeff Nichols volta a provar que é dos realizadores norte-americanos mais convictos da atualidade, mas também algo débil na abrangência. Há um certo efeito em envolver-se em demasia na intriga (tentando ser aquilo que não é), mas falta-lhe alguma coerência para retratar todos marcos narrativos por igual, cedendo assim à inconsequência e inverossimilhança de algumas das situações expostas e a um final demasiado preguiçoso e “acorrentado” a uma das influências centrais do autor. Contudo, a direção entusiasmante de Nichols, que regressa a temas já integrados na sua filmografia (as gerações criadas sob a violência e a disfunção familiar), a absorção do ambiente físico e espiritual de Mark Twain e o desempenho dedicado de McConaughey tornam este “Mud” num filme cuidado e peculiar no universo coming-of-age.