Deadpool tem trela e morde nos antigos donos
História, essa já impressa no percurso de Hollywood: Disney comprou a 20th Century Fox, despiu-o, retirou-lhe o Fox no nome e ficou com os tão desejados direitos das personagens da Marvel, para por fim integrá-las nos seus cânones. Pedidos e choros dos fãs são finalmente respondidos, não olhando a meios para “mandar abaixo” um estúdio histórico. De X-Men a Blade, Daredevil a Fantastic Four, finalmente, à mão de semear da sempre esfomeada Disney, porém, uma dessas personagens se revelou num estorvo para aquilo que a fundação Rato Mickey pretende enquanto inabalável projeto: “Deadpool”.
Figura essa, o qual detém uma propriedade especial, não se trata apenas de mais um anti-heroi, antes disso, é uma personagem com a consciência de ser ela mesmo uma personagem de BD, cujos esses “poderes” auferem a capacidade de comunicar através uma outra língua, a metalinguagem, e do constante quebrar de quartas paredes, tendo como adição um humor brejeiro, de pouco limites e sempre observador do seu redor, dentro e fora dos quadradinhos. É uma personagem e tanto, sonhada para encontrar lugar no cinema, conseguindo graças a Ryan Reynolds. Primeiros às custas de um sofrível filme de 2009 (“X-Men Origins: Wolverine”, de Gavin Hood), enquanto secundário de boca cosida, para depois emancipar-se numa obra de modesto orçamento em 2016. Sucesso garantido, fórmula encontrada, repetição, já sem novidade, em 2018, evidenciando o que viria a ser um dos problemas destas conversões, a sua desassociação ao ego de Reynolds.
Mas voltando à Disney e a sua relação com a mal comportada persona, o que fazer com essa sua habilidade de conscientização? Ou melhor, com o seu habitat natural ordinário e sem papas na língua? Fácil, providenciar a sua domesticação! Primeiro, a Disney atenta no deboche, Deadpool irá auto-satirizar o estúdio que tomou as suas rédeas - é necessário para trazer uma sensação de fair play -, e segundo, a preservação da sua natureza, até porque até esta data, o terceiro filme é visto como uma espécie de Messias de um franchise que já viu dias mais gloriosos. Terceiro (e se é para existir um terceiro eis-lo), um chamariz, uma atração que faça o exercício render mais e mais. Sim, Hugh Jackman e o seu Wolverine, personagem que encarnou por mais de 24 anos, e que conheceu uma despedida, e em grande deva-se salientar, nas mãos de James Mangold com “Logan” (dos melhores que o cinema de super-herois nos deu).
Muito bem, fórmula vencedora! “Deadpool & Wolverine”!! Dois produtos da Fox que a Disney precisa eliminar o quanto antes para o bem da sua “linha sagrada” (eles não escondem a alcunha), juntamente com todas aquelas ramificações, muitas delas atribuídas à génese do Universo Cinematográfico da Marvel. É “matar” uns quantos “coelhos numa cajadada só”, tudo em prol de um só franchise, a limpeza disnesca o qual estamos familiarizados. Portanto, e aproveitando a sequência de abertura, a profanação de um cadáver, ou quase necrofilia ali exposta, “Deadpool & Wolverine” é como se fosse um múltiplo funeral de caixão aberto, com um desfile de defuntos - “descontinuados”, “fracassos” ou “nunca concretizados” - prontos a serem apedrejados, abalroados ou simplesmente “abusados” em nome de uma causa maior.
São os despojos da Fox, assim esventrados em cameos de nenhuma empatia, a mística violada de “Logan” (essa obra que demonstrou mais coragem só no seu dedo mindinho que tudo isto junto), e Deadpool, meramente palhaço ao serviço de um novo mestre, com a descartabilidade no lombo e um filme, visto na prisma da honra da franquia, sem consequências algumas sem ser nas memórias do espectador que cresceu com estas obras proto-MCU.
Disney manda, quer e pode, o desejo é acabar com um legado. Aplaudimos que nem carneirinhos, porque é o universo partilhado é o que conta, o resto que se exploda. Desrespeitoso!