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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Nos "Intervalos" do cinema, o Cinema não foge! Arranca o 1º Encontro e Mostra de Cinema nas Caldas da Rainha

Hugo Gomes, 09.04.25

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"Rhoma Acans" (Leonor Teles, 2012), a ser exibido no dia 10 de abril

Alexandra Ramires, Laura Gonçalves, Leonor Teles, André Guiomar, Filipa Reis, João Miller Guerra, Mário Macedo e, sem sombra de dúvida, Manuel Mozos — entre outros — compõem a equipa reunida para preencher a edição inaugural do Intervalos: Encontro e Mostra de Cinema nas Caldas da Rainha, no mais apetecido sumo da cinefilia e cinematografia.

A acontecer na conhecida cidade de uma certa peça de olaria bem característica, entre os dias 10 e 12 de abril, no Centro Cultural & Congressos, esta mostra surge como uma nova iniciativa para descentralizar estas propostas culturais das metrópoles, trazendo um rol de debates, discussões e convergências para apimentar o Cinema nos seus lugares — e fora deles.

Para melhor “cortar a fita” deste novo espaço cultural, o diretor Mário Branquinho, que sob convite do Cinematograficamente Falando… teve a honra de nos oferecer uma breve visita guiada por esses três dias de Luzes, Câmara… Ação!

Antes de mais, gostaria de começar pelo princípio: qual foi a génese desta iniciativa, deste evento ou festival, como podemos ou devemos apelidar? No fundo, como e quando surgiu e começou a ser desenvolvida a ideia?

Estou como diretor do Centro Cultural das Caldas da Rainha há pouco mais de dois anos e, desde o início, quisemos dar continuidade ao trabalho já existente na área do cinema. Até porque tenho uma ligação de longa data ao meio – fui fundador e diretor de um festival de cinema durante mais de 20 anos [CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, de 2000 a 2020]. Por isso, fazia todo o sentido incluir o cinema de forma estruturada na programação do Centro Cultural, não apenas com sessões ao ar livre no verão ou acolhendo pontualmente outros festivais, mas com algo mais próprio e identitário.

Foi assim que surgiu a ideia de organizar não exatamente um festival, mas uma mostra, um encontro de cinema. A intenção é que este evento se consolide anualmente como um marco na programação cultural das Caldas da Rainha. Uma mostra focada no cinema português, que promova o diálogo entre realizadores, críticos, distribuidores e o público – e que crie espaço para refletir sobre o estado atual do nosso cinema e um retiro cinéfilo.

E quanto ao nome "Intervalos"? Porque escolheram esse título?

Foi uma escolha do coletivo que organiza esta mostra. É uma alusão à ideia de pensar nos "intervalos" entre os filmes, mas também nas margens onde se encontram o espectador e a obra. Os intervalos são momentos de pausa, de reflexão, de diálogo – e é precisamente isso que queremos propor: um espaço de encontro entre filmes, pessoas e pensamentos. Após muita discussão, o nome acabou por surgir naturalmente nas conversas do grupo.

Como o próprio nome sugere, esta mostra pretende convocar múltiplas relações possíveis com o cinema, explorando o jogo de encontros e intervalos que se desenham e se estabelecem, a cada edição, seja entre imagens, entre filmes, entre filmes e espectadores, ou entre realizadores e público, em função de uma ideia ou proposta de programação específica.

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"A Glória De Fazer Cinema Em Portugal" (Manuel Mozos, 2015), a ser exibido no dia 12

Ao ler a carta de intenções do festival, chamou-me a atenção a aposta quase exclusiva no cinema português. Há aqui um lado claramente pedagógico, de formação de públicos. Pode falar um pouco mais sobre essa escolha e os seus objetivos?

Sim, sem dúvida. Há ainda um longo caminho a percorrer na valorização do cinema português, e isso exige um esforço coletivo: dos realizadores, dos programadores, dos distribuidores, das instituições. No meu papel como programador, sinto essa responsabilidade – e esta mostra é mais um contributo nesse sentido.

Já vínhamos a promover sessões regulares de cineclube no CCC, muitas delas com filmes portugueses, e também nas sessões ao ar livre temos tentado dar espaço ao cinema nacional. Mas com a Intervalos, queremos ir mais além: criar um verdadeiro encontro, um espaço de debate, onde diferentes obras e gerações de cineastas se cruzem.

Um exemplo disso é a proposta de darmos “carta branca” a um realizador, permitindo-lhe escolher um outro filme que dialogue com o seu, e assim gerar um momento de reflexão partilhada. Esta mostra quer ser um contributo vivo para a promoção, discussão e valorização do nosso cinema.

Falou há pouco num “retiro cinéfilo”, e fiquei muito curioso com essa ideia, e como também em entender no que consiste esse retiro cinéfilo?

[Risos] Chamamos-lhe “retiro cinéfilo” de forma informal, claro. Mas a verdade é que queremos criar um espaço e um tempo concentrado, durante três dias, em que nos dedicamos por inteiro ao cinema português. Um momento de imersão.

É um encontro onde conflui o olhar dos realizadores, dos críticos, dos académicos e do público. Onde se criam condições para refletir, debater, pensar novas direções. Um espaço onde, esperamos, possam surgir ideias novas e contributos para o futuro do cinema português. Se conseguirmos tornar isto uma prática anual, acredito que será extremamente relevante para o panorama cinematográfico nacional.

Estamos então perante a primeira edição de uma mostra que se quer duradoura. Fale-me um pouco da programação e da escolha de Manuel Mozos como figura homenageada.

Desde o início quisemos que cada edição homenageasse um realizador português. No diálogo do coletivo que organiza a Intervalos, o nome de Manuel Mozos surgiu naturalmente. É uma figura incontornável do cinema português – realizador, montador, pensador do cinema – e tem uma obra que merece ser destacada e celebrada. Foi uma escolha unânime.

A programação estrutura-se em torno dessa homenagem, mas também inclui outros momentos importantes: sessões de filmes em diálogo, onde duas obras se confrontam e se complementam; debates com realizadores; a presença da Associação Portuguesa de Realizadores (APR), que vem apresentar uma publicação sobre a sua história; e a participação da ESAD.CR [Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha], que traz um contributo académico muito importante, incluindo uma mostra dos trabalhos das residências artísticas dos alunos do Mestrado em Artes do Som e da Imagem.

A abrir, teremos por exemplo “Rhoma Acans” de Leonor Teles em diálogo com “Cama de Gato” de Filipa Reis e João Miller Guerra. Acredito que será uma sessão muito rica, com debate posterior. Ao longo dos três dias, teremos outros diálogos entre filmes, conversas e até uma sessão final de live cinema protagonizada por estudantes.

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"Cama de Gato" (João Miller Guerra e Filipa Reis, 2012), a ser exibido no dia 10 de abril

Na programação, encontramos a informação de uma visita guiada, um momento para “descomprimir” do retiro [risos]? Pode contar-nos um pouco mais?

Sim, haverá uma visita especial ao espólio cinematográfico de Mário Lino, que está exposto numa sala do Museu do Centro de Artes das Caldas da Rainha. Trata-se de uma coleção pessoal, reunida ao longo de anos, que certamente irá surpreender. É uma forma de ligar o cinema à cidade, de abrir o festival à comunidade e proporcionar outros olhares sobre a história do cinema.

E no futuro? Ainda antes da primeira edição acontecer, já se pensa no que pode vir a seguir? Quais são as ambições para a Intervalos?

Claro que sim. Só o facto de termos conseguido convencer parceiros importantes como a Câmara Municipal das Caldas da Rainha e o ICA a apoiarem esta primeira edição é já motivo de grande satisfação. Isso dá-nos confiança para o futuro.

O modelo da mostra é sólido, os parceiros estão envolvidos e entusiasmados, e sentimos que há espaço para crescer. A nossa ambição é consolidar a Intervalos no calendário cultural da cidade e da região. E, acima de tudo, contribuir ativamente para que o cinema português continue a afirmar-se, a renovar-se e a dialogar com o público.

Toda a programação poderá ser conseultada aqui

Na 6ª edição do Close-Up, a Comunidade é o que mais importa!

Hugo Gomes, 14.10.21

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As Tears Go By (Wong Kar-Wai, 1988)

Aquilo que poderia soar a um clube de cinéfilos depressa se transformou num dos mais ascendentes eventos culturais e cinematográficos do país: Close-Up: Observatório de Cinema, uma iniciativa da Casa de Artes de Famalicão, chega à sexta edição, com uma programação fiel à sua génese e igualmente com mais vitalidade.

São filmes, convidados, conversas e eventuais tertúlias pós-projeções: o programador Vítor Ribeiro convidou-me a conhecer as surpresas e ambições de mais uma colheita cinematográfica, com destaque para o cinema de Basil da Cunha (O Fim do Mundo”, “Até Ver a Luz”) e em dois pólos do cinema asiático, Wong Kar Wai (Hong Kong) e Hong Sang Soo (Coreia do Sul).

O Close-Up arranca a 16 de outubro (sábado) com um filme-concerto dos Sensible Soccers através de dois filmes de Manoel de Oliveira (“Douro Faina Fluvial” e “O Pintor e a Cidade”), e o adeus será com “Metropolis”, o grande clássico de Fritz Lang, acompanhado pelo pianista Filipe Raposo e a Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Chegamos a uma 6ª edição de Close-Up, aquilo que poderíamos definir como um espaço cinematográfico e cultural. A primeira questão prende-se na própria formalização e idealização do Close-Up, o que o separa de um festival de cinema, por exemplo?

O Close-up é uma programação da Casa das Artes, o Teatro Municipal de Famalicão. É um Observatório de Cinema instalado no Teatro, que apesar de apresentar um momento intenso de propostas [em Outubro], permanece na agenda da Casa das Artes durante todo o ano, o que fortalece a sua ligação à comunidade, com os vários públicos. Por exemplo, com a comunidade escolar, com quem estabelece um diálogo estreito e permanente. Organizado em panoramas, que articula produção do presente e história do cinema, também privilegia um programa orientado por um mote, com várias paisagens, o dar a ver.

A primeira sessão deste Close-Up é o filme de Philipp Hartmann – “66 Cinemas” – que se centra na viagem de um cineasta por 66 cinemas por toda a Alemanha para mostrar e debater sobre o seu mais recente filme. Pondo as coisas desta maneira e seguindo a trajetória imaginária do filme, como vê a importância de uma iniciativa do Close-Up ou do Cineclube de Joane [um dos apoios] para existência do espaço cinematográfico fora das grandes metrópoles?

O "66 Cinemas" é um ótimo filme para discutir as comunidades e os fluxos de memórias que as salas de cinema podem gerar: encontramos salas que preservam uma solenidade, em extensas plateias sob balcões, com poltronas de veludo, candeeiros de lustre e cortinas que ocultam o ecrã, ou régies, já com projetores de digital instalados, pois as cópias em película desapareceram do circuito de distribuição. Em que se acumula "memorabilia", matéria em tempo de digital, como projetores de película, bobines, cartazes, livros, catálogos de festivais, cassetes VHS. O que procuramos em Famalicão, a partir da Casa das Artes, é constituir um conjunto de propostas ecléticas, que tratam o cinema com a mesma elevação das outras artes, em que a proposta pode ser erudita, com marca autoral, mas também lúdica ou popular – algo intrínseco ao cinema e à sua história, com a condição de que o centro da proposta seja o cinema e não o seu inverso. O espectador de Famalicão, no que depender do nosso trabalho, tem acesso às mais diversas propostas, como uma boa dieta do que poderia encontrar nos centros urbanos de Lisboa e Porto. Esta pandemia agravou um panorama já deficitário de distribuição de salas de exibição em espaço público de cinema, algo que as políticas públicas devem contrariar, na participação do cinema como uma arte transversal, com capacidade para dialogar com plateias muito distintas.

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Cristina Coelho e Hugo Gomes, na apresentação de "Les Miserables" de Ladj Ly, na ediçaõ de 2020 do Close-Up

No Close-Up, a maior parte das sessões são pontuadas por intervenções e apresentações de variados convidados (cineastas, críticos, jornalistas, artistas, investigadores, etc.). Com que parâmetros seleciona essas importantes partes do programa? O que define um “convidado Close-Up”?

O que se procurou com o destaque atribuído aos filmes comentados é a possibilidade de singularizar as sessões, de acrescentar algo ao visionamento, de intensificar relações com outros filmes do programa e com a memória do comentador e do espectador. Na escolha dos convidados-comentadores valorizamos a relação dessa pessoa com a obra, começando pela relação mais óbvia - do realizador com o seu filme -, em que se privilegiam convidados que escreveram sobre o filme e a obra do realizador, mas também procurando trazer para a apresentação das sessões artistas e investigadores de outras áreas artísticas e do conhecimento que desenham tangentes ao cinema.

Algo que se vem percebendo no Close-Up é que poderá servir como barómetro do melhor que é produzido, distribuído e visualizado num ano cinematográfico no nosso país. Como funciona essa seleção?

Desde a primeira edição que definimos um mote que percorre o programa. Mas não é esse mote que define a seleção e os panoramas, é mais o seu inverso. É como quem coleciona filmes e autores que quer mostrar e, a partir de determinada altura, esboça-se algo que agrega aquela seleção e que, queremos acreditar, valoriza os filmes e o seu visionamento naquele espaço de tempo. Nesta edição, o mote Comunidade surge reforçado pelo contexto da pandemia que afastou o público das salas de cinema. Sendo que os filmes que aqui juntamos procuram estabelecer esse diálogo a partir da comunidade de espectadores, num vaivém com um ecrã povoado pelas mais diversas comunidades, que são histórias do cinema, do nosso presente, mas também do movimento das coisas, outros tempos que o cinema permite imprimir num imaginário coletivo.

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66 Cinemas (Philipp Hartmann, 2016)

Um dos destaques deste ano é a dualidade de um conjunto de obras de Hong Sang-soo e Wong Kar Wai. No programa impresso encontramos um propósito, mas gostaria de saber pelas palavras do programador o que o levou a juntar dois artesãos das relações afetivas no grande ecrã de estirpes e nacionalidades diferentes.

Na secção Histórias do Cinema procuramos não só mostrar um conjunto de filmes de um autor, mas também colocar em diálogo dois ou mais cineastas, sendo que, curiosamente, a primeira edição também veio de terras asiáticas, com a partilha de mundos, de temas, das famílias e dos lugares de Yasujiro Ozu e Isao Takahata. Nesta edição, ao longo do processo de inventariar possibilidades, apareceram muitas vezes os nomes de Wong Kar Wai e Hong Sang-soo. Se Kar Wai, através da reposição de cópias novas, intensificou a memória dos espectadores que fomos há mais de 20 anos, Sang-soo é um realizador prolífico que nos chegou tardiamente, mas que ocupou o seu lugar na comunidade cinéfila. E se muitas vezes as propostas de um e de outro parecem funcionar por oposição, a velocidade das imagens em movimento de Kar Wai versus um caráter mais contemplativo, também aos pares, de Sang-soo, talvez o coreano seja um autor do nosso tempo, com o cinema, a criação e as suas frustrações, como assunto, enquanto lá atrás Kar Wai usava a cultura popular para nos apontar a vertigem da viragem do milénio.

Como poderá crescer ainda mais o Close-Up? Que outros desafios terão num futuro próximo?

Para lá da exibição, dos encontros entre documentário e ficção, entre produção do presente e história do cinema, na procura de fazer emergir as potencialidades humanistas do cinema, há uma vertente que também pontuou as seis primeiras edições e que é inerente à condição de integrarmos um Teatro Municipal: o apoio à criação. Apresentámos filmes-concerto em estreia, respostas de encomendas da Casa das Artes, cruzamentos artísticos, a que responderam Sensible Soccers, Dead Combo, The Legendary Tigerman, Os Mão Morta, Orquestra Jazz de Matosinhos, Black Bombaim e Luís Fernandes. Paralelamente, promovemos o apoio à produção de filmes de Mário Macedo, Tânia Dinis, Eduardo Brito ou Luís Azevedo, em formato de curta-metragem e associados a ciclos e cartas brancas com esses realizadores. 

Um desafio para edições futuras será intensificar esse apoio à criação, fazendo-a ter ainda mais peso no programa. Se os filmes-concerto relacionam história do cinema com novas criações, obras importantes que chegam a outros espectadores transportados por outras bandas sonoras, há outra ambição, também relacionada com o património do cinema, que é a de proporcionar panoramas de obras de realizadores importantes, mas que não obtiveram distribuição, que foram pouco mostrados em Portugal, para lá de exibições na Cinemateca Portuguesa e que passará, também, por concertar parcerias com outras estruturas de programação.

"Chegamos ao Lugar!" Arranca 3ª edição do Close-Up

Hugo Gomes, 12.10.18

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Florida Project (Sean Baker, 2017)

A memória levou-nos à viagem, e em consequência disso, guiou-nos ao Lugar. Mas qual lugar? O Cinema encaminha-nos para espaços, não-lugares, cenários, etapas que resumem a leitmotiv cénicos. Neste terceiro episódio de Close-up: Observatório de Cinema, prosseguimos na jornada de desestruturação do Cinema propriamente dito. De que matéria é feita? Para onde segue? Quais as suas convergências e divergências? Com o Lugar, tema desta nova edição, chegamos, não ao destino, mas possivelmente a uma nova partida.

A decorrer entre os dias 13 a 20 de outubro, Close-up tem convertido num seminal evento em aproximação daquilo que chamamos de ano cinematográfico em revista, sem com isso reduzi-lo a um catálogo de estreias recentes repostas, mas um núcleo de temáticas e capítulos no nosso encaminhar cinéfilo. Prova disso, é a abertura oficializada com a projeção de “Lobos”, o grande trabalho de Rino Lupo, realizador italiano que na sua passagem em Portugal inseriu todo um novo olhar cinematográfico. A sessão será acompanhada por Paulo Furtado, o Legendary Tigerman, uma autêntica ousadia em cruzar a História de um passado remoto com os acordes atualizados do músico. Como encerramento, outro clássico e cruzamento, “Sherlock Holmes Jr.”, o qual Buster Keaton irá adquirir novo fôlego ao som de Noiserv.

Neste terceiro tomo há espaço para novas rubricas, o Café Kiarostami será inaugurado, uma mesa-redonda onde convidados de diferentes sectores do Cinema (realizadores, investigadores e críticos) reunirão para debater sobre os variados cantos e recantos da Sétima Arte. Contudo, serão os filmes, as verdadeiras estrelas destes sete dias rodeados de Cinema e a sua respectiva vénia.

Este ano, alguns dos destaques evidentes será a apresentação de “Cabaret Maxime” pelo próprio realizador, Bruno De Almeida. Possivelmente o melhor exemplo de Lugar neste espaço, um filme em que o cineasta transforma uma Lisboa noturna e soturna em “nenhures”, um território imaginário e igualmente real. A guerra entre cabarés é só o pico do iceberg, que é constituído pelas reposições de “Isle of Dogs”, de Wes Anderson (novamente frisando o “não-lugar”, neste caso inserido num Japão neofeudal e industrial), “Ramiro” de Manuel Mozos, a Lisboa saudosista e melancolizada no qual é embebido o espírito do homónimo protagonista e um dos grandes filmes do ano - “Florida Project”, de Sean Baker - um oásis situado nas fronteiras da Disneyland. Todas as sessões contarão com participações de personalidades ligadas ao Cinema, que debaterão com o público, a questão de espaço e lugar na compostura cinematográfica.

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Sansho, The Bailiff (Kenji Mizoguchi, 1954)

Apesar dos lugares serem vários e indeterminados, existe um específico que promete ser paragem obrigatória neste evento – a América Latina. O Close-Up irá exibir um leque de filmes recentes das diversas cinematografias latino-americanas, passando pela esplendorosa escuridão das minas bolivianas de “Viejo Calavera”, de Kiro Russo, pelos paraísos perdidos das promessas nucleares em “La Obra del Siglo”, de Carlos Machado Quintela, e as fantasmagóricas selvas em busca de Vicuña Porto em “Zama”, a mais recente longa-metragem de Lucrecia Martel.

Mas a História (H grande aplica-se) é também ele um lugar de obrigatória paragem, dando continuação à rubrica, este ano Close-Up aprofunda no Japão assombrado de Kenji Mizoguchi, projetando quatro das suas principais obras (“Sansho, The Bailiff”, “The Crucified Lovers”, “Ugetsu” e “The Street of Shame”). A lição de História passará pelos influenciados, e precisamente os portugueses que espelharam esses signos mizoguchianos nas suas respectivas filmografias. Nesse leque poderemos contar com Pedro Costa (“O Sangue”), Paulo Rocha (“Mudar de Vida”) e João Pedro Rodrigues (com a curta documental, “Allegoria Della Prudenza'').

Já na secção Fantasia Lusitana, serão destacados Diogo Costa Amarante, vencedor do Urso de Ouro da Curta-Metragem no 67º Festival de Berlim e visto como um dos mais promissores nomes da cinematografia portuguesa, e Mário Macedo, jovem realizador que também tem feito um premiado e igualmente promissor percurso em festivais. Ambos realizadores serão frutos de retrospectiva (no caso de Macedo, haverá estreia absoluta de um novo trabalho). Como anexo deste espaço, Diogo Costa Amarante teve direito a Carta Branca e a sua escolha recaiu na obra de Agnès Varda, “Vagabond” (1985).

Close-Up ocorrerá, como é habitual, na Casa de Artes de Vila Nova de Famalicão. Por entre o Cinema e os debates, ainda haverá “lugar” para a Exposição Fotográfica e de Vídeo de Ana Cidade Guimarães e Virgílio Ferreira intitulado de A Natureza do Lugar e o Lugar da Natureza.

Arranca o Close-Up, Observatório de Cinema em Vila Nova de Famalicão

Hugo Gomes, 16.10.16

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Steamboat Bill, Jr. (Charles Reisner & Buster Keaton, 1928)

Vila Nova de Famalicão será, durante os próximos quatro dias, o derradeiro Observatório de Cinema, o Close-Up, para ser mais exato. E é já a partir de amanhã (27 de outubro), que esta iniciativa projetada pelo Cineclube de Joane, arrancará com uma impressionante programação de filmes e eventos paralelos, que ligam o passado, presente e futuro do Cinema. Reflexões sobre a Sétima Arte, os primórdios em jeito de arqueologia, assim como os caminhos a seguir ou previsivelmente a instalar-se, muitos convidados e uma mostra selecionada de filmes, com principal ênfase às produções nacionais, dividido em oito sessões temáticas, preencherão a Casa das Artes da cidade.

Temos como principal destaque o ciclo “Noite e Nevoeiro – 70 anos de Imagens do Holocausto“, que tal como o título focará sobretudo no registo cinematográfico e documental dos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial. Inserido na sessão Paisagens Temáticas, neste espaço serão exibidos filmes, que vão desde o recente e premiado “Saul Fia”, de László Nemes, sobre um prisioneiro de Auschwitz que reencontra a sua Humanidade até ao mais novo trabalho de Sérgio Tréfaut, “Treblinka”, um testemunho materializado daqueles que partiram contra em comboios cujos destinos são impensáveis. Passando pelo biográfico “Hannah Arendt”, de Margarethe Von Trotta, sobre a mulher por detrás dos pensamentos da Banalidade do Mal, até chegar, por fim, ao documentário “The Decent One”, de Vanessa Lapa, que retrata a vida de Heinrich Himmler, o mentor da chamada “Solução Final”, o extermínio dos judeus. Elena Piatok, diretora do Judaica: Festival de Cinema e Cultura, e a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves, serão as oradoras.

Em “Fantasia Lusitana “, espera-nos sete filmes que no seu todo formam um quadro, quer etnográfico, quer artístico de um país. É uma seleção de documentários nacionais sobre pessoas, animais, lugares e estados, escolhidos a dedo e interligados de alguma forma. Destaca-se as exibições do filme-testamento de Manoel de Oliveira, “Visita ou Memórias e Confissões”, seguido pela homenagem de João Botelho ao “mestre” em “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”.

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Saul Fia (László Nemes, 2015)

Dois dos mais venerados autores japoneses, Yasujiro Ozu e Isao Takahata, serão analisados e reavaliados nesta edição de Histórias de Cinema. De um lado, o dramático e emocionalmente expoente Ozu, um realizador marcado pela sua maneira inconfundível de filmar, planificar e dirigir os seus atores sobre um conjunto de falsos raccords. E do outro “canto”, Takahata, um dos mestres da animação nipónica, que poderá não ter gozado da mesma aclamação que o seu colega Hayao Miyazaki desfrutou, mas que mesmo assim, se apresenta como o criador de algumas das mais emotivas obras da Ghibli Studios. Animação e ação real, duas dimensões entrepostas neste olhar pelo cinema japonês.

Um dos mais ascendentes cineastas brasileiros da atualidade será homenageado no Close-Up. Serão cinco, as obras exibidas nesta secção Cinema do Mundo, dedicada ao “outro Brasil” de Gabriel Mascaro. Nesta retrospetiva poderemos encontrar os muito aclamados “Ventos de Agosto”, um atípico romance de verão, e o recente Boi Neon, que nos leva ao outro lado dos rodeos brasileiros sob uma confrontação com a própria ode da masculinidade.

O resto da programação será constituída por sessões direcionadas para escolas, com foco principal no tema da juventude. Vale a pena salientar que a primeira longa-metragem de Andrei Tarkovsky, "Ivan 's Childhood”, encontra-se integrada no programa. Para além disso, está agendado uma Oficina de Animação dedicada aos mais novos. Close-Up ainda exibirá uma sessão especial de O Ornitólogo”, a quinta longa de João Pedro Rodrigues que remete o espectador a uma viagem esotérica de um observador de pássaros, perdido nas encostas do Douro.

Por fim, como sessão de abertura, temos um “double bill” constituído pelo filme-concerto “Steamboat Bill, Jr”., um dos grandes clássicos do “rei do slapstickBuster Keaton, será transformado sob a vertente musical de Bruno Pernadas. E “Cinco para Kiarostami”, o filme-homenagem a Abbas Kiarostami, o cineasta iraniano que infelizmente nos deixou recentemente, uma produção da Casa das Artes e do Cineclube de Joane, com direção de Vítor Ribeiro e Mário Macedo.