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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Curte a Curta: 2ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 10.04.24

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Após o seu nascimento e os primeiros passos, chegou a tão aguardada segunda edição dos Prémios Curtas, que teve lugar no Cine-Turim no passado dia 6 de abril, num sábado à noite em Lisboa, cidade com "400 e tal coisas para fazer", como citou o anfitrião da cerimónia, Rui Alves de Sousa. Apesar disso, a sala estava praticamente cheia. Sentia-se no ar o ambiente de premiação, mas acima de tudo um espírito de camaradagem cinematográfica entre produtores, realizadores, atores e outros técnicos, todos ansiosos pelos títulos conquistados e pela promessa de uma terceira edição (provável, mas quem sabe). Aceitei o convite de André Marques (o "outro", não o realizador) em integrar uma equipa de jurados* ainda na sua génese, sempre com o intuito de contribuir e opinar para a formação de um júri de excelência e referência. Já no final da primeira edição e perante uma segunda edição à vista, voltei a aceitar o convite, quanto à terceira, ainda espero por um pedido oficializado. Contudo, saindo do parênteses e voltando ao que “aconteceu”, poderemos encarar a adesão e o falatório (principalmente o gerado na comunicação social) como sinais de estarmos no caminho certo.

Quanto à premiação propriamente dita, apesar de “Monte Clérigo” de Luís Campos ter sido o vencedor da categoria de Melhor Curta de Ficção, foi a animação de Maria Hespanha, “A Rapariga de Olhos Grandes e o Rapaz de Pernas Compridas" que se autointitula de grande vencedor da noite. Foram quatro os prémios atribuídos; Animação, Argumento, Direção Artística e Banda Sonora [Pedro Marques]. Seguido pela também animação “Ana Morphose” de João Rodrigues (Som / Efeitos sonoros e Efeitos Visuais), “Maria José Maria” de Chico Noras (Montagem e Caracterização), “Natureza Humana” de Mónica Lima (Realização e Direção de Fotografia [Faraz Fesharaki]) e “Febre de Maria João” de Afonso e Bernardo Rapazote (Ator Secundário para António Mortágua e Guarda Roupa). Já os restantes, foram para a atriz Teresa Sobral pela sua interpretação em “Sagrada Família” de Diogo S. Figueira, Isac Graça como Ator em “Heitor Sem Nome” de Vasco Saltão, Maria Leite como Atriz Secundária por “Abafador” de Silvana Torricella, Gabriel Pêra vence Interpretação Infantil por “Capa de Honras, La Cuonta de L Garotico I L Bielho” de Rui Falcão, e “Défilement” de Francisca Miranda como Curta Documental.

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador), Inês Sá Frias (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Bernardo Freire (crítico), André Pereira (videografo e editor de vídeo), Filipa Amaro (realizadora), Carolina Serranito (programadora), Hugo Azevedo (diretor de fotografia), Bruno Bizarro (compositor).

Amemos até ao fim dos Mundos ...

Hugo Gomes, 26.05.22

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As ideias estão lá! “Mar Infinito”, um atestado à Humanidade na sua decadência, não vive o suficiente para se assumir como longa-metragem. O exercício parece arrastar-se para além da sua longevidade. Enquanto isso, é de salientar a persistência de Carlos Amaral em tecer cenários pós-apocalípticos e futuristas no limite das suas possibilidades, afirmando-se na inventividade da criação, o “know-how” que refiro constantemente como manobra de génio num cinema, como o nosso, pobre em recursos. 

Depois da curta “Longe do Éden" (2013), Amaral parte nesta nova etapa com um relato existencialista, quase malickiano (ou “maliquices” conforme a conotação), explorando os seus cenários para o desejo da sua projetável reconstituição. As ruínas de uma civilização outrora moderna, contemporaneamente ultrapassadas, ou os lamaçais sem fim que dão lugar a Oceanos sem aviso prévio, ambos inabitáveis, a Terra e o fora dela como possibilidades de um “faz-de-conta” esgalhado. Sim, de “Mar Infinito”, a concepção é tudo, o intuito do conceito e da prática convertem a produção de Rodrigo Areias [Bando à Parte] num "caso de estudo" dentro do cinema português, nem que mostra da experiência do realizador na área designada de “efeitos visuais”, o qual operou em modo zeitgeist na plenitude da “indústria” (menciono alguns exemplos mais impressionáveis nesse campo como “Soldado Milhões”, “A Herdade” ou “Caminhos Magnétykos”). 

Porém, até que ponto essa mestria justifica uma longa? Ou será a imperatividade desse mesmo formato automaticamente sinónimo de autor emancipado que obriga realizadores a avançar num passo maior do que a sua própria perna? O resultado está à vista da linha terrestre, a filosofia inerente amontoa e orbita perante a contemplação do mesmo cenário (o romance vivido pela dupla Nuno Nolasco e Maria Leite não como estado, mas antes como uma consolidação de inquietações, medos e dúvidas) ou seja, em “bom português”, o filme esgota a sua proposta. Ele bem tenta remexer-se em reviravoltas, mas até aí o espectador já encaixou todas as peças do puzzle. 

No seu último fôlego, o que resta neste “Solaris” lusitano é o deslumbramento da sua própria estética. Exercício terminado! Passemos para o próximo. 

Falando com Fernando Alle, o homem por detrás da orgia atómica de "Mutant Blast"

Hugo Gomes, 24.10.19

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“Mutant Blast” marca a sua passagem para o formato da longa-metragem, sempre seguindo os passos percorridos nos seus anteriores e curtos trabalhos (“Papa Wrestling”, “Banana Motherfucker”). Aqui, uma experiência de laboratório e um exército de salvação cruzaram-se com o destino de um mero ressacado, Pedro (Pedro Barão Dias). Pelo caminho encontrará mortos-vivos, ratos mutantes e lagostas eruditas que impunham as suas pinças contra um “tenebroso” adversário.

Tudo isto numa produção da lendária Troma, produtora fundada por Lloyd Kaufman e Michael Herz, especialista em obras de série B (ou Z) de baixo custo, um feito num cinema português ainda tímido em explorar o terror e o fantástico, mas que em Mutant Blast sai finalmente do armário … e de forma mais extravagante.

Falei com o Fernando Alle, realizador e argumentista sobre o filme, o género, os efeitos práticos e o reconhecimento.

Gostaria de começar com a típica pergunta de arranque.  Como surgiu a ideia deste projeto e o seu fascínio por este tipo de cinema?

Atenção, eu gosto de todo o tipo de filmes apesar das minhas curtas e esta longa serem inseridas no género da comédia gore. Tenho paixão por musicais, dramas, ação, variadíssimos estilos e géneros.

Em relação a este tipo de filmes, o meu dito fascínio começou quando vi o “The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring”, cerca de cinco vezes no cinema. Deve ser até hoje o filme que mais vi na minha vida numa sala. Fiquei apaixonado e comecei a explorar a carreira do Peter Jackson. Tinha eu 12 anos e não estava preparado para “Brain Dead”, “Bad Taste”, etc, que eram filmes completamente inadequados para uma criança dessa idade, e isso levou-me a outros filmes, entre os quais o “The Toxic Avenger”, o qual nem sonhava que iria ter um filme produzido pelo mesmo realizador [Lloyd Kaufman].

A acrescentar a isso, o meu amor pelos filmes de zombies, principalmente a vaga que foi suscitada por “Shaun of the Dead”, o remake de “Dawn of the Dead”, “21 Days Later” e até mesmo o Romero que começou nessa altura a fazer mais filmes dessa temática. E ao escrever o argumento de “Mutant Blast” pensei no que realmente poderia acrescentar no universo de zombies. Foi então que nasceu algo completamente diferente.

E na altura [durante a escrita do argumento] já imaginava um filme do estilo da Troma?

Não, até porque sinto que este filme não partilha muito o estilo da Troma. Pode parecer, visto ser um filme de ficção científica de série B um pouco ao seu jeito, mas em termos de estilo revejo-o mais num Terry Gilliam, Sam Raimi e até no Peter Jackson, que são realizadores que começaram na série B passando pelo mainstream e que sempre mantiveram um cunho pessoal. Consideramos este tipo de filmes como arte menor e por isso gosto de pensar que injetaram um pouco de arte nos seus trabalhos de série B. “Mutant Blast” é um filme de autor. O que acontece é que é um filme de autor para as massas. Acima de tudo, quis satisfazer-me a mim próprio e as minhas ambições artísticas.

Visto que referiu “arte menor”, acredito que esteja a sublinhar um estigma que existe em relação a este género de cinema. Acha que o seu filme é uma lufada de ar fresco que possa quebrar o tal preconceito muito mais dentro da produção nacional?

Sim, penso que possa ser uma lufada de ar fresco e espero mesmo que os portugueses deem uma oportunidade ao filme, o qual teve excelentes críticas lá fora, passou por mais de 25 festivais e vai agora estrear no Leeds, onde também estará o último filme do Martin Scorsese e o do Terrence Malick.

É um filme comprovadamente bom, e não sou eu a o dizer, é o que se fala lá fora. Por um lado, compreendo que possa existir preconceito e um certo medo, mas “Mutant Blast” já vem com aceitação lá fora e na sua correria pelos festivais. E se também virmos que o ICA, que tem fama de só apoiar filmes dito artísticos e nunca projetos mais comerciais, financiou-nos … é uma porção improvável, esta, de juntar Troma e ICA no mesmo grupo. Mas só o facto do ICA apoiar-nos é sinal de que eles próprios consideraram o argumento bom.

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Mas é verdade que do MOTELx para cá, o seu filme teve algumas alterações?

O filme estreou [no MOTELx] e nós tínhamos terminado no próprio dia. Nem sequer tivemos tempo de olhar para o filme, apesar deste ter conseguido o feito de meter a sala inteira do São Jorge a rir. Cortamos dois minutos de filme e posso dizer que se não tivéssemos uma data de estreia, eu estaria a dar uma de George Lucas em constante edições e teriam que levar-me num colete de forças, para longe do computador [risos].

E hoje? Sente que poderia ter mudado ou cortado mais alguma coisa?

O filme está acabado. Obviamente que está acabado. Eu sinto isso. Mas, perdi demasiado tempo, por exemplo, a apagar digitalmente “coisas que ninguém vê” e que só eu via [risos]. Isso é de obsessivo louco! Lembro-me de dizerem que “só tu vês isso, por isso deixa estar” Eu diria que é o meu perfecionismo, e tal fez com que o filme demorasse tanto tempo para ser feito, aliás, esteve 5 anos em pré-produção. Mas digo que é um perfeccionismo absurdo.

Curiosamente, tendo em conta a primeira apresentação na edição de 2018 do MOTELx, o seu filme vem estrear nos cinemas portugueses num ano que se apelida de “ano de ouro do cinema português” …

Mas quanto ao “ano de ouro“, esperemos que seja sempre a subir, e acabar o ano em grande com o “Mutant Blast”. [risos]

Falamos de um ano em que temos êxitos de bilheteira que reconciliam a expectativa do grande público, prémios máximos em festivais de grande categoria e até a variedade de temáticas e personalidades. Acredita que o seu filme vem contribuir para a riqueza deste ano?

Acho que essa conquista já está feita, se não for por bilheteira, o filme já provou o que tinha que provar, nos festivais que entrou, nas críticas que recebeu … Lógico que para o cinema português melhorar, é preciso o apoio do público, é preciso que eles venham vê-lo ao cinema. Não me interessa se as pessoas dizem que querem vê-lo na Netflix ou em Torrent, eles tem que vê-lo em sala, e é na primeira semana, não na segunda. O filme demorou sete anos a ser feito e eu tenho quatro dias para provar o que ele vale. Sei perfeitamente que o filme é bom, teve em imensos festivais, mas isso não importa aos Cinemas que vão contar os números no final da semana e decidir se o “Mutant Blast” aguenta mais uma semana ou não.

Então o Fernando é da opinião que o cinema tem que ser visto em sala. Qual é a sua posição quanto ao debate de Cinema vs Streaming?

É complicado, porque já fui a algumas salas de cinema que se revelaram em experiências stressantes. Para mim, o barulho tem que ser zero, nem a luz dos telemóveis consigo suportar e o público está cada vez mais mal comportado. Por vezes penso: “ir para uma sala para quê?“. Mas penso que é uma luta que vale a pena ter e talvez ter esperança que o público possa ser mais bem-educado. Por outro, se as salas se transformarem em cantos de nichos e que levará-nos a uma audiência mais respeitosa, então, tudo muito bem.

Contudo, acho que o streaming é uma oportunidade incrível, porque é melhor ter um filme que sai diretamente lá, do que ter um filme que não sai em lado nenhum. Se falarmos de um “Mutant Blast” numa plataforma como a Netflix é o melhor cenário possível, porque tem a oportunidade de chegar a todos os cantos do Mundo. Eu não tenho nada contra o streaming … o que me faz confusão é de não podermos ver o Martin Scorsese nos cinemas.

Apesar de ser um filme série B, encontramos em “Mutant Blast” um certo brio, principalmente nos desempenhos. Se não estou em erro, os seus atores foram premiados.

Maria Leite recebeu uma menção honrosa e o Pedro Barão Dias ganhou um prémio no Fantaspoa. Mas aí é que está, não devemos descurar, quer nos desempenhos, no argumento, na realização ou nos efeitos, só porque o filme é uma comédia. E é um pouco isso, este é um filme com coração e tive muita sorte no elenco, penso que escolhi os atores perfeitos. E o filme é completamente absurdo e por vezes questionava enquanto escrevia o argumento se seria credível, até porque tudo aqui é sério, a música é séria o qual não está ali para acentuar a comédia e os atores estão sim, sérios também, mesmo dentro daquelas situações disparatadas.

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Algo curioso neste tipo de filmes, e em contextualização com o dito panorama português, é o uso dos efeitos práticos. Acha que existe futuro ou mercado para este tipo de efeitos visuais?

Não creio que exista mercado possível em Portugal, até porque nós não temos “indústria”. Mas mesmo assim seria impensável ter sangue CGI, assim como criaturas digitais porque não teríamos orçamento para isso. De qualquer das formas, é isso que vende o filme. Já nas minhas curtas tinha explosões de cabeças ou muito sangue e neste há um passo evolutivo enorme. Aqui trabalhei com o João Rapaz, que fez a maquilhagem dos zombies. Coisa que sempre frisei foi que os nossos mortos-vivos fossem comparados com os do “The Walking Dead”, não pretendia que os espectadores olhassem para eles e pensassem que poupamos dinheiro quanto à sua caracterização. Era mesmo necessário que público tivesse zombies que não ficassem nada atrás daqueles que surgem nos filmes de Hollywood.

Quanto a desmembramentos, as ditas explosões de cabeças, decapitações, tudo foi realizado graças aos efeitos práticos, mas devo dizer que houve alguns retoques digitais no sangue para assemelhar-se com sangue real.

Saliento novamente a importância dos efeitos práticos, porque este tipo de efeitos encontra-se em rápido desaparecimento e sem lugar na indústria fílmica atual. Há uns meses, ouvi Alec Gillis [responsável pelos efeitos de “Starship Troopers” e “Tremors” e que atualmente possui uma empresa de criação de efeitos práticos, Studio ADI] a reclamar de estar a sobreviver através de migalhas em Hollywood.

É uma tragédia, acredito que realmente, havendo dinheiro, que seja tentador recorrer aos efeitos digitais. No meu caso, eu tive criaturas complexas como uma ratazana gigante, uma lagosta gigante, e eram fatos que pesavam quilos e quilos com um ator lá dentro a suar devido ao calor intenso do Verão. Por isso, reconheço esse atalho de seguir pelos efeitos digitais. Não tenho nada contra o CGI, só acho que hoje em dia utiliza-se em demasia e é triste vermos blockbusters gigantescos a apresentar efeitos não tão bons como os do “Jurassic Park” original ou “Starship Troopers”, que faziam uma mistura de efeitos digitais com maquetas, e isso, sim, eu acho uma pena.

Voltando à dita “arte menor”. Apesar de hoje falar-se e tentar-se revisionar a obra de António Macedo, durante anos os seus filmes foram fracassos que serviram de aviso para outros cineastas não tocarem no cinema de género. Nas escolas, por exemplo, tais realizadores são ofuscados em prol de uma certa ideia de cinema português. Acha que devia-se implantar mais artesãos deste universo na educação cinematográfica?

Para ser sincero, não faço distinção de géneros. Não faz sentido distinguir se existe um género maior e outro menor, o que acontece é que numas escolas um realizador como John Carpenter é respeitado, mas até que ponto um cineasta de género contemporâneo que não possui o catálogo do Carpenter é? Quando estamos a falar de realizadores que fazem filmes de ação ou de comédia, sentimos que eles demoram a ganhar o seu reconhecimento como autores.

E quanto a novos projetos?

Só quero realmente pensar num próximo projeto quando o “Mutant Blast” sair de todas as salas do país, aí sim, vou descansar e pensar seriamente em que passo darei a seguir. Gostaria muito de fazer um filme de artes marciais com um orçamento mais generoso, na onda de “Only God Forgives” ou “Oldboy”, mas não tenho argumento escrito.

Se o “Mutant Blast” tivesse sucesso gostaria de produzir um filme de um amigo meu, Francisco Lacerda, um pós-apocalíptico com dinossauros chamado “Dentes e Garras 2097”.