Tati-Barbie
Barbie (Greta Gerwig, 2023)
Playtime (Jacques Tati, 1967)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Barbie (Greta Gerwig, 2023)
Playtime (Jacques Tati, 1967)
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A liberdade de um filme é medido pelo tempo que é dado às personagens para poderem dançar sozinhas. Ou parafraseando uma das obras menores de Ken Loach ["Jimmy's Hall"] - “We need to take control of our lives again. Work for need, not for greed. And not just to survive like a dog, but to live. And to celebrate. And to dance, to sing, as free human beings.”.
Spider-Man 3 (Sam Raimi, 2007)
Babylon (Damien Chazelle, 2022)
La vie d'Adèle / Blue is the Warmest Color (Abdellatif Kechiche, 2013)
Saturday Night Fever (John Badham, 1977)
Frances Ha (Noah Baumbach, 2012)
Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)
Ya no estoy aquí (Fernando Frias, 2019)
Bergman Island (Mia Hanse-Love, 2021)
Grigris (Mahamat-Saleh Haroun, 2013)
L'événement / The Happening (Audrey Diwan, 2021)
Kickboxer ( Mark DiSalle & David Worth, 1989)
Jimmy's Hall (Ken Loach, 2014)
Cold War (Pawel Pawlikowski, 2018)
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Dias de loucura. Festas intensas com um improvável “amanhã” em consideração. Uma orgia vinculada em poder, luxúria e fantasia, esta, projetada em consensuais sonhos de glória - é com tais imagens que respondemos aos tempos pré-código hayes - a balbúrdia do oeste, onde a película serve de impressão para os projetos fabulados, os filmes, o Cinema, essa dimensão do imaculado. Quero acreditar que o Cinema, não a instituição, e sim a Ideia concentrada, encontra-se acima do seu próprio processo de fabricação. Transferindo a “linguagem” para as outras artes, não demonstramos o mínimo interesse em saber, por exemplo, com quantas pinceladas “As Meninas” de Velázquez foi concebido, ou com quanto tempo levou a ópera “Il sogno di Scipione” de Mozart a ser composta, ou com quantas marteladas o “David” de Michelangelo foi moldado (acrescentar ainda “de que forma”, e de que método), por isso, porquê esperar do Cinema a apreciação da sua trajetória ao produto final, ao invés de contemplar somente o Filme?
O resultado excede a toda essa manufatura, ao making off (voltamos à “linguagem” cinematográfica), logo “Babylon” de Damien Chazelle (“Whiplash”, “La La Land”), um caos controlado e igualmente raivoso reverte-se num processo menor em comparação a tudo aquilo que ele defende, em jeito epifânico, o Cinema como algo maior que a nossas próprias vidas. Deste filme, com mais de três horas de duração, consigo reter duas sequências importantes dentro dos seus excessos e dos quais vão ao encontro desse mesmo manifesto. Seguindo o percurso cronológico, após um festejo de proporções babilónicas (álcool, sexo à discrição, estupafacientes e até um elefante como “ostentação de luxo”), dois desconhecidos são acidentalmente repescados a integrar a produção hollywoodescas. Estamos ainda em período mudo e antes dos estabelecidos majors (arquitetonicamente falando), o cinema norte-americano é maioritariamente filmado ao “ar livre”, em cenários de cartão e num “mar de gente”, uma batalha campal, um caos em terreno baldio, no qual o Cinema era visto como um fim impossível de ser procriado aí.
Estas duas personagens instalam-se de forma caricata e independentes nos seus respectivos “afazeres”: ela (Margot Robbie) foi escolhida como substituta para atuar numa película, e ele (Diego Calva), persuadido por uma estrela maior (Brad Pitt, possivelmente, no seu auge), torna-se um acidentado “assistente de produção” com uma tarefa hercúlea, alugar uma câmara a tempo de captar os últimos raios de sol. As peripécias aí causadas enchem olho e a narrativa persiste numa constante oscilação consolidando um ritmo frenético que só desbrava entropia, até que no preciso momento, “alguém” (a voz incorporada nos dois momentos distintos) aciona o clássico “AÇÃO”, grito imenso e de tom divino que “congela” toda estapafúrdia envolta … tudo se dirige aos respectivos polos de criação, um filme deve e está a ser feito, o Cinema a ser o altar de adoração. Como é possível que toda aquela confusão nasça essa “magia” de criar algo duradouro?
Assim, parto para a segunda e referida cena: “Babylon” de Chazelle transcreve-se no período transitório do mudo para o sonoro, com “The Jazz Singer” (1927) a quebrar a tal barreira graças ao seu sucesso e aprovação popular. Com isso, a indústria sem mãos a medir, teve que alterar radicalmente a sua produtividade com objetivo de replicar a tendência. Muitos atores adaptaram-se aos esses novos tempos, outros, nem por isso, nessa última facção encontra-se a personagem de Brad Pitt - Jack Conrad - o galã crente da Arte popular do Cinema contra a sua subestimação, uma versão masculina de Norman Desmond, portanto, que em permanente estado de negação confronta a sua fiel publicista Elinor St. John (interpretado por Jean Smart) devido a um artigo que premonicia o seu término de carreira. Nessa discussão acesa, Elinor fala de um processo natural de início, apogeu e dissipação, do qual descreve como cíclico o percurso artístico e neste caso o de Conrad, à beira do seu precipício. Contudo, salienta a perduração, prevendo se que 50 anos para a frente, alguém iria-se embebedar do cinema gerado pela estrela moribunda, familiarizando com a persona preservado na película, não com Jack Conrad particularmente, mas com alguém criado, “alimentado” pela indústria e “amarrado” pela arte, o outro Jack Conrad, a estrela vivida na suas ficções. Eternizado à sua maneira, mas para isso há que existir o tão indesejado fim.
Estas duas sequências que macaquearam a minha mente, revelam não só o espírito absorvido no meio daquele caos, excentricidade e do grotesco que Chazelle espelha neste retrato de época (não é original nesse termo, podendo ainda buscar outras lentes como o pouco referenciado “The Day of the Locust” de John Schlesinger ou o amaldiçoado “Return to Babylon” de Alex Monty Canawati, ambos fortalecendo o cenário de desordem e de libertinagem desses tempos distantes), como também sobre a capacidade de manobrar o pêndulo ao fascínio e a repugna em relação à Sétima Arte. É a purga e igualmente o embelezamento de um “filho prodigioso da destruição”, o Cinema, essa estância persistente ao longos dos anos, inconsciente das suas transformações, das suas transfusões, e Damien Chazelle ao contrário de muitos, está ciente do seu legado e sobretudo da História que muitos desejam mudar drasticamente. Absorve de Hollywood e sem impunidade crítica satiriza uma composição saturada, suada e maquiavélica. O que sai dali é um desejo de investir nas tragédias de uma arte que como todas não nasceu da utópica. Apenas basta gritar “AÇÃO” e voilá, faz-se Cinema, termo que acima de qualquer ideologia não é homogêneo, unilateral nem formalizado a um só tom. É muito, mas muito mais que isso.
“Babylon” não trata Hollywood como uma coqueluche a ser bajulada, a dita desconstrução do seu oleado sistema, da, por vezes, denúncia à sua gravidade e presença, são elementos que sem apoderar-se da narrativa e conduzir o filme para vertentes tendenciosas da nossa contemporaneidade, operam como expansões do seu próprio universo. A ascensão de estrelas, queda de estrelas, domínios e quedas de impérios para que servir ao epílogo-tese, nada de complexo, apenas o óbvio, o Cinema não Morre, metamorfoseia-se, e dessa transformação os espectros vagueiam como memórias não reconhecidas. Como acontece com a premonição invocada ao fictício Conrad, conhecemos este mundo, estabelecemos contacto com os seus cantos e lugares, comuns ou incomuns. São nossos, o Cinema é nosso, sem discriminações. Porém, o que Chazelle diz é que esse resultado não é fruto de uma harmonia, e sim, de sangue, suor e sémen. Hollywood é um exemplo, mais que óbvio de indústria, porque fazer Cinema não é Amor, é combater uma Guerra.
Quanto ao nosso contacto com “Babylon”, a sua reação dispar é um sintoma de como Damien Chazelle acertou na mouche, odiar o seu lado “monstruoso” é natural e fortalecedor ao seu conceito, deslumbrar com ele é de igual forma. Um risco de produção, acentuada numa indústria que atravessa a sua crise identitária (não confundir com outras identidades). Julgo que não teremos outro filme assim durante um longo período … Obrigado Chazelle, por mostrares que és o melhor dos dois mundos!
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I, Tonya (Craig Gillespie, 2017)
Rien à Foutre / Zero Fucks Given (Julie Lecoustre e Emmanuel Marre, 2021)
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Após o sucesso de “Joker”, no seu não-convencional filme a solo, chegou a vez da sua “noiva”, Harley Quinn, proclamar a tão querida emancipação e resgatar das sombras da subserviência dos arlequins um novo protótipo de anti-heroína. Este “Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn” é só mais uma prova de como a Warner Bros e DC Comics desejam distanciar-se das estratégias produtivas da Marvel e gerar produções com personalidades distintas. Aqui, sob o comando de Cathy Yan (curiosamente, uma realizadora ainda sem expressão na indústria), transportam-nos para um filme esteticamente mesclado onde os detalhes piscam aos mais atentos.
Em certa parte, esta é a conseguida resposta do estúdio e da editora à influência de “Deadpool”. Sabemos que, na atualidade, todos procuram a sua variação “deadpoolesca”: ensaios meta e pós-modernistas em relação ao seu género, personagens ambíguas e com irreverência a dialogar diretamente com o espectador (fala-se sobretudo das quebras da chamada "quarta parede") e, como não poderia deixar de ser, o cordel esticado com a liberdade adquirida de uma classificação “R” [para adultos].
Harley Quinn é uma personagem propícia a esses territórios e de forma muito mais ampla, pois encontramos neste colorido e verborreico filme de “super-heróis” a possível concretização do signo feminino que tanta falta tem feito ao género no cinema. Sim, sabemos que houve uma “Wonder Woman” ou a resposta da Disney com “Captain Marvel”, com legiões de apoiantes. Contudo, ambos surgiram numa altura em que o empoderamento das personagens femininas em territórios predominantemente masculinos era uma necessidade prioritária dos novos tempos. Já "Birds of Prey" posiciona-se como o lúdico de braço dado com o universo do sexo oposto, sem necessariamente se inserir num movimento feminismo ou aliado.
Sim, este é um filme efeminado, centrado nos contornos "girlies" das personagens, mas nunca cedidos à misoginia ou ao mero estereótipo tão vulgar na indústria cinematográfica. Até porque dentro desta paródia "salta-pocinhas" quanto à sua narrativa, encontramos uma delicadeza e respeito por essas mesmas virtudes.
É com esse espírito que “Birds of Prey” se destaca dos demais. O resto, como diriam os americanos, é “peanuts”. Sequências de ação aprimoradas revelam um olhar atento às tendências "à la John Wick"; um enredo simples, apesar de integrar na história a psique da protagonista; e, por fim, personagens tão caricatas que roçam uma bizarria adaptável ao ritmo descontraído e diversas vezes traiçoeiro (existem aqui "pitadinhas" do cinema Guy Ritchie ou de Luc Besson em modo “Leon, O Profissional”). Ou não fosse Harley Quinn (a sempre deslumbrante Margot Robbie) um poço de problemas "cartoonescos" que nos encanta com a sua violência e arrojada exposição em "gags" complementares.
Dito isto, de forma a se inserir no panorama industrial do género, “Birds of Prey” não inova nem reinventa o cinema de super-heróis (neste caso, “super-vilões”), mas ostenta a pretensão de diversificar esta "mecanização" que se associa aos produtos da Marvel. Pode ser pastilha elástica frutada, mas pelo menos pode ser mascada com alguma convicção...
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Will Smith desempenha um autêntico burlão, um especialista em golpes de todo o género, astuto, sedutor e persistente, mas que possui uma única e, mesmo assim, grande fraqueza. É que o calcanhar de Aquiles de Nicky [nome do personagem] é o seu coração, frágil como cristal e caloroso como um solstício. Como figura infernal e testadora de pecados, surge-nos Jess (Margot Robbie), uma aspirante a golpista que é desde cedo “adoptada” por Nicky, convertendo-a na sua pupila. Supostamente uma relação deveras profissional manifesta-se diversas vezes num vínculo emocional, um factor que prejudica e muito as habilidades especiais de Nicky.
"Focus'', de Glenn Ficarra e John Requa, é um filme que transpira Hollywood, com toda a sua pujança de marketing. A sua primeira aposta advém do seu par de protagonistas, entre os quais um Will Smith “acabadinho” de sair do seu primeiro flop (“After Earth”, de M. Night Shyamalan),que se tenta reunir novamente com a luz da ribalta, e na outra face da moeda, Margot Robbie, a loira escultural de “The Wolf of Wall Street”, de Martin Scorsese, a confirmar o seu eventual estatuto de estrela. Pois bem, se Smith falha por encabeçar um personagem egocêntrico e sem desafios a nível profissional, Robbie brilha irrecusavelmente com todo o seu carisma. A jovem actriz revela tratar-se de um achado de Scorsese e tal nota-se na forma como, literalmente, “engole” a antiga estrela de “MIB: Men in Black“.
Embora, supostamente, seja um filme que sobrevive à conta da química emanada pela dupla de protagonistas, tal não se pode dizer da intriga. Dentro do cinema de golpe (heist movie), “Focus” funciona como uma artimanha corriqueira, anexada a lugares-comuns e uma intelectual previsibilidade que dita a sua limitada sapiência. Não encontramos aqui um produto erguido com inteligência ou sabedoria, nem sequer algo perto da classe da trilogia de “Ocean’s” de Steven Soderbergh, o que nos deparamos é sim, com um filme dotado de poucos truques e que tenta usá-los descaradamente de maneira exibicionista. Já não tínhamos visto algo assim em “Now You See Me”?
O enredo de "Focus'' tem problemas enormes em focagem, de construir uma fonte credível e, quando o consegue fazer de certa forma, tem o descaramento de destruir por vias de twists arrastados por mais twists, confundindo tal habilidade com astúcia. No meio, ainda somos presenteados com um romance canónico entre as duas personagens do cartaz, ao invés da sugestiva panóplia de cumplicidades e os dilemas de relações afetivas no mundo do crime organizado. Se esperavam a última, definitivamente não o vão encontrar aqui, mas sim um final mais que ridículo, que transmite naquilo que o filme tentou fazer desde então, burlar o espectador.
Tudo indica que “Focus” está mais interessado em fazer vender bandas sonoras do que apostar numa cinematografia sólida. Resultado disso é que a música não pára nem um segundo, o qual sentimos na obrigação de perguntar se estamos perante um filme, ou uma colectânea de videoclips. Eis a prova de que as estrelas não são sinónimo de um filme.
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