“The End of Meat”: estaremos preparados para deixar de consumir animais? Marc Pierschel responde.
The End of Meat (2017)
Será o vegetarianismo e o veganismo somente modas passageiras? Ou o próximo passo para a nossa sociedade? Marc Pierschel incentiva-nos com outra questão: como seria a civilização sem o consumo de carne? Premonição ou não, a verdade é que o documentarista e ativista segue na demanda dessa pergunta e idealiza com “The End of Meat” um mundo onde os animais estão em pé de igualdade com os humanos, em que, por fim, porcos ou vacas são encarados mais do que gado ou produto, são seres vivos a merecer a sua dignidade num futuro sem antropocentrismos.
Para Pierschel esse amanhã é uma realidade, as pistas apontam para isso mesmo. O Cinematograficamente Falando … conversou com o realizador sobre a demanda pela erradicação do animal nas nossas ementas, neste documentário sobre uma realidade ali ao lado, a estrear nos nossos cinemas e futuramente figurar no catálogo do videoclube Zero em Comportamento.
Começo pelo enfoque da sua carreira, com exceção da sua primeira longa-metragem [“Edge”] e “184” [em defesa das baleias da Islândia], tem-se dedicado à causa do veganismo e vegetarianismo.
A nossa relação com os animais é o tema que me motiva a elaborar estes filmes. Sinto que, através do filme como meio, posso contar as histórias que desejo contar e alcançar um grande público a nível global.
Devo dizer que muitos documentários ou obras que envolvem o tema têm contraído um tom quase propagandista e de ativismo feroz, enquanto "The End of Meat" (“O Fim da Carne”) partimos numa certeza sua e a demanda / tese para a provar.
Ao invés de me concentrar nas consequências negativas do consumo de carne, pretendia mostrar as possibilidades extremamente benéficas de um mundo pós-carne e qual relação teria com os humanos, os animais e o planeta. Sinto que, sem moralizar,podemos alcançar muito mais pessoas. Não estou a tentar provar que isso é possível, estou apenas a apresentar pequenos exemplos que nos demonstram que isso é já uma realidade.
O seu filme não se limita a ser uma ode ao veganismo e ao vegetarianismo, mas também uma desconstrução do antropocentrismo, que se mantêm ainda desassociável com muita da justiça e lei do Mundo Ocidental. Como conseguiremos descartar algo que está tão inerentemente presente na nossa cultura, arte e sociologia, a ideia do Homem enquanto ser absolutista e “mestre” de todas as coisas, neste caso incluindo os animais?
É verdade. No caso dos animais de criação - eles são aqueles dos quais estamos mais desconectados. Não apenas dos próprios animais, mas também do processo de transformá-los em comida. É por isso que quintas industriais e matadouros são amplamente escondidos e raramente se tornam visíveis. É o mesmo com os próprios animais. Quando os consumidores compram esses produtos, muitas vezes são levados a acreditar que os animais vivem em pequenas quintas, embora não seja essa a realidade. Um dos objetivos dos meus filmes são o de tornar os animais visíveis e mostrar as suas diferentes personalidades por trás dos produtos que consumimos.
Marc Pierschel
O Marc usa a Alemanha como um grande exemplo na progressão dos hábitos alimentares, porém algo que “O Fim da Carne” não foca é na questão monetária, económica e classicista que o vegetarianismo e o veganismo possui em alguns países. Dou-lhe um exemplo, em Portugal, a comida vegetariana, vegan e até mesmo biológica é encarado como gourmet e vendido por preços algo exorbitantes para as possibilidades de muita classe média (quanto mais baixa).
Acho que depende da dieta de cada um. Se confiarmos em alternativas de carne e queijo, então sim. Mas é muito fácil viver uma dieta saudável sem esses produtos, e sim com ‘coisas’ como vegetais, feijão, arroz etc., como também comida vegan. E muito mais saudável! Mas é um mercado em crescimento que está a promover esses produtos para consumidores mais ricos, porque é lucrativo.
Sobre o fim da carne, pensa que também deve estar associado a uma extinção / transformação do mundo rural, cujas praticas de domesticação e criação de animais não são só encarados como indústria, mas também como peças culturais fundamentais?
Para a maioria dos países ocidentais, essa transformação começou quando a introdução de maiores quintas industriais, com mais e mais animais, e dos grandes peões globais que assumiram o controle do mercado de carne. Na Alemanha, por exemplo, temos apenas um terço das quintas do que há 30 anos. A agricultura só é possível com pesados subsídios estatais e a maioria dos agricultores estão endividados. Mas considerando a agricultura como parte da paisagem cultural - se olharmos para os santuários, eles não são tão diferentes das quintas tradicionais. Então, os animais ainda podem fazer parte da nossa cultura. Nós simplesmente não temos que usar os animais, nem comê-los.
Sobre a importância da carne, há que também perceber que a educação tem culpa nessa sobrevalorização, como é o caso da Roda dos Alimentos estudado nas escolas.
Claro que sim. Lembro-me dos meus tempos de ensino básico, tínhamos esses gráficos sobre insetos, pássaros e outros que eram patrocinados pela empresa que também fornecia o leite da escola. Mas o currículo também está repleto de exemplos negativos que promovem a normalização do uso de animais.
Quanto ao seu mais recente filme – “Butenland” (sobre um refúgio para vacas) – o projeto seguiu na sequência deste “O Fim da Carne”?
Sim, realmente tive a ideia do filme enquanto estava a filmar nos santuários para “O Fim da Carne”. Queria explorar mais a relação entre humanos e ex-animais de criação com um documentário aprofundado, e como o santuário mudou tanto os animais quanto os humanos.
Quantos as novos projetos? Manterá no tema?
Tenho alguns projetos em desenvolvimento, todos conectados com a relação homem-animal. Atualmente estou a preparar a minha primeira longa-metragem de ficção, e estou muito entusiasmado com isso.