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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Só sei que "Já Nada Sei" ...

Hugo Gomes, 11.12.22

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A história do “casal mais feliz do Mundo” revelou-se num embuste. Ele, Ricardo (Duarte Pinto), deseja uma mudança na sua relação, porém, sem a coragem ou, melhor, oportunidade, para o decretar. Com isto, mantém secretamente a determinação, dependendo da confidência a amigos que divergem nos conselhos e prescrições. 

Um deles avança, figurativamente, que o caso relembra-lhe certos filmes de ficção científica em que alienígenas conquistam um planeta e após esgotados os seus recursos naturais partem para um outro “habitat” deixando o seu anterior “lar” em difícil fase de recuperação. Gostaria de utilizar esta mesma comparação para especificar o processo produtivo em que Luís Diogo, já com a sua terceira longa-metragem, mantém ativo, o de esgotar “recursos” de onde vai filmar. No “manifesto” que fora “Pecado Fatal” (2014), teve Paços de Ferreira como alvo, em “Uma Vida Sublime” (2018), esse thriller em desbarato, utilizou Castelo Branco como experimento propagandístico e aqui, observamos impotentes a Oliveira de Azeméis como a nova "vítima" para uma terminável excursão pela cidade, “picando” os seus maneirismos culturais e regionais e convertendo cenários em meros convites à exploração (neste caso, existe uma segunda cidade a servir de descarada montagem, Santo Tirso, sem usos para a narrativa). Na realidade, podemos afirmar que Luís Diogo não faz filmes, quer dizer, faz filmes, mas publicitários, campanhas turísticas oportunistas. A trama é só o disfarce, aliás, como a felicidade do seu casal-protagonista, uma capa para propósitos ocultos. 

Todavia, o dito enredo também tem muito que se diga, e nem refiro ao deplorável ritmo, nem sequer aos diálogos escritos com os pés debitados por atores que apenas correspondem aos mínimos requeridos (com excepção de Ana Aleixo Lopes, cujas capacidades estão acima desta obra, e parece saber exatamente isso), e sim, a das armadilhas poeirentas de quem julga dissecar relações numa perspectiva amoral e longe de convenções cristãs (aliás, acaba por ceder inconscientemente à última ao transformar tudo em desígnios de amores perfeitos, ou lá que o que seja). Nesse termo poderia ter aprendido com a cineasta brasileira Laís Bodanzky, em “Como Nossos Pais”, na incessante busca pela imperfeição, o bovarismo crónico que nos é realmente soa garantido numa felicidade artificialmente decretada. Mas Luís Diogo não possui essa astúcia, o seu cíclico conjunto desmonta-se em nunca conseguir lidar com as suas avenças. A mensagem perde-se e muito na sua transmissão. 

Dito isto, desta vez sem tentativas de suicídios literalmente “deitadas ao lixo” [“Pecado Fatal”] e nem “barbas postiças" [“Uma Vida Sublime”], “Já Nada Sei” falha até nesse campeonato trash cujos anteriores conquistaram (“o The Room português”, pode-se ler em alguns comentários da Letterboxd) ao inconscientemente invocar. 

Um thriller da loja dos 300's

Hugo Gomes, 27.04.18

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No cinema português existem vários pecados; os autores passivos que esperam pelo financiamento fácil, os realizadores convertidos à indústria e com isso uma evidente perda de identidade cinematográfica e no caso de Luís Diogo uma recusa pelo legado da nossa cinematografia em prol de uma folha de rascunho.

Não é ao acaso a utilização da palavra pecado aqui, Luís Diogo para além de ter na consciência a maldição que foi o argumento de “A Bomba”, de Leonel Vieira (aquela obra que se tornou num assombrado “mito urbano”), experimentou a realização-a-solo e sob autodidatismo empreendedor (dou graças a isso) com “Pecado Fatal”, onde cometeu o seu primeiro grande erro – uma promoção sobretudo ignorante (“um filme para quem não gosta de cinema português”) – tendo resultado num produto amador aos mais diferentes níveis. Mas apesar do equívoco, um realizador não se faz de um filme apenas, sendo que é com algum entusiasmo que sigo em frente para uma segunda longa da sua autoria, com a esperança de assistir aperfeiçoamento e sim … redenção.

Mas é com tristeza que saio deste “Uma Vida Sublime”, até porque Luís Diogo demonstra alguma ocasionalidade nas suas ideias (basta recordar o seu contributo no “Gelo”, do pai e filho Galvão-Teles). Todavia, aquilo que acabo de presenciar é uma falta de talento e de garra em conduzir um filme para o seu propósito de Cinema. Existe uma cena em particular que demonstra exatamente isso: um plano conjunto onde uma família reúne para consumir a sua refeição matinal. Aqui encontram-se concentradas várias ações distribuídas por quatro personagens, cada uma delas operando por si próprias mas com um foco principal no cansaço do casal (pai e mãe), tendo como representação um episódio envolvendo uma “taça de cereais”. Existe muita informação aqui, o propósito desta mesma cena é evidente e nisso estamos de acordo com a visão do realizador, porém, algo de errado se passa. O plano não obtém a profundidade necessária, a câmara é incapaz disso e a ação principal, que poderia manipular a nossa atenção com um cuidado quase “velasqueano” (o segundo plano jogado como o primeiro), é simplificado à mão de semear pelo espectador deixando o resto da ação (o pedinchar de um telemóvel por uma das filhas do casal) num total desaproveitamento.

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A nível técnico estamos esclarecidos, passamos agora para o interpretativo e nesse termo confrontamos com uma agravante. Luís Diogo é incapaz de se comportar como um director de atores, é insciente a captar e incentivar nos seus colaboradores desempenhos verdadeiramente convincentes, e a cena referida anteriormente é contagiada por esse mesmo mal. Esse, que nos leva a outro – os diálogos – a somente ponta do iceberg para a escrita do filme. Se deparamos uma ideia ou outra inserida com convicção, no seu todo somos atingidos por um argumento costurado com tiques e manias dos “rodriguinhos” do género de terror (um Saw à Portuguesa, resumidamente), onde não faltam pseudo-filosofias de autoajuda como moralismos quase propagandísticos e ditatoriais. Ainda temos os diversos absurdos, mas não vale ser drama queen nesse sentido.

Sim, “Uma Vida Sublime” é um objeto longe da sublimidade prometida, a milhas da perfeição o qual esperava ser colhido e sobretudo do dito ativismo contra o Cinema Português no geral (hipocrisia, visto que Luís Diogo pertence a essa “comunidade”, quer queira, quer não) que estes filmes tendem em evidenciar. Está uns quantos “passos” acima de “Pecado Fatal”, mas sem grande efeito e significância.

Entre “génios” e os “que sabem fazer”

Hugo Gomes, 05.03.16

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Joana (Ivana Baquero, a Pan do “Labirinto do Fauno”) apresenta o seu trabalho na aula de argumento sob os olhares atentos do professor e dos colegas. Entre a audiência encontram-se ainda dois “intrusos” – alunos do terceiro ano entusiasmados por ouvir a ideia da protagonista. Essa dupla é formada por Miguel (Afonso Pimentel) e o apelidado Génio (João Jesus), cuja alcunha é questionada por uma outra colega ao instrutor (Gonçalo Galvão Teles), que responde: “Só pergunta quem o não é“. A história de Joana é ouvida e, a seguir, contestada por Miguel e Génio: enquanto o primeiro fornece uma intriga refém de um eventual twist, a dita “mente brilhante” da argumentação sugere um enredo abrupto que deixa os espectadores às escuras. De seguida o professor dirige-se à colega que expôs a alcunha do rapaz e responde “vês porque é que lhe chamam génio?”.

O curioso é que das três versões ouvidas nesta sequência do filme realizado por Luís Galvão Teles ao lado do seu filho Gonçalo, a de Joana é a mais criativa, ousada e, como se costuma carinhosamente afirmar num ambiente universitário, um pensamento “out of the box“. Já na do suposto Génio, a banalidade e a superficialidade são evidentes. Esta particular sequência remete-nos a um problema vivido em grande parte das Escolas de Cinema do nosso país: o sufoco da criatividade e a formatação de mentes para as quais são criadas arquétipos cinematográficos dispostos a executar o que aprenderam no meio de ensino e nunca pondo em causa tais veias académicas. O resultado, como diria Tarkovsky, é a formação de meros ilustradores e não futuros cineastas.

Se esta determinada cena tinha como propósitos criticar a forma como as universidades combatem a criatividade pessoal, isso não fica claro, mas garante-se que em “Gelo” encontramos um modesto filme que reúne elementos de ficção científica, dirigindo-as para um território mais emocional e intimista e invocando questões sobre a imortalidade e a condição humana. A nossa história, aquela aqui contada, mostra duas jovens completamente distintas, Catarina e Joana, até certo ponto ligadas. O espectador, porém, terá que desvendar tal vínculo enquanto é atirado para uma conspiração científica, uma corporação – Vida Futura – que tem como objetivo prolongar a vida humana através do ADN de um homem congelado há mais de 20.000 anos. Em paralelo, uma rapariga parte para Lisboa para estudar cinema, pelo caminho conhece um rapaz instintivo e misterioso que lhe fala sobre o destino e vozes intransmissíveis.

Gelo” é uma obra tecnicamente capaz (basta olhar para a fotografia de João Ribeiro, que este ano ainda nos presenteia com “Cartas da Guerra”), apoiado num elenco de igual aptidão. O argumento, esse, escrito pela dupla Galvão Teles e por Luís Diogo (para que possamos perdoar-lhe do inenarrável “Pecado Fatal”), teve a proeza de evitar o explícito e o espalhafatoso que este género poderia suscitar. Todavia foi incapaz de fugir aos eventuais buracos argumentativos, e um deles é a inevitável imposição da coprodução, a protagonista espanhola que é estampada na intriga de maneira ilógica.

Mas “desligando” dessas “recaídas de joelhos”, é uma experiência cativante, a de encontrar neste “Gelo” um fresco sopro de vida no cinema português. Nunca recorrendo ao pornográfico “mainstream” nem ao protótipo televisivo que culmina êxitos de bilheteira nacionais, nem sequer afasta-se das audiências com inquisições intelectuais. É simplesmente um exercício de narrativa que se explora nos cantos e recantos obscuros da nossa cinematografia. Agora se perdurará, isso será outra questão, talvez respondida numa qualquer história elaborada por “génios”.

Manifesto à fatalidade de quem deseja NÃO fazer cinema português!

Hugo Gomes, 24.04.14

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Encontra-se de momento a surgir uma nova vaga de cineastas. Cineastas esses que pretendem assumir um papel de messias na exigência do público português e, segundo os seus “bravos” bramidos, resgatar o cinema nacional da “escuridão dos elitistas e puristas intelectuais”. Não os vejo com bons olhos, confesso. 

A questão aqui não é o aparecimento de sangue novo na indústria (ou arte, como quiserem chamar), é o facto desta “juventude” não levar consigo a bagagem necessária para ser um cineasta. Pior, chegam mesmo a ignorar as suas raízes. É triste saber que o cinema português é deixado ao abandono, atacado e renegado vezes sem conta por uma geração que se diz rebelde, mas que quando chega a hora da verdade consegue resultados meramente lastimáveis e inaptos. Mas para compreender o que quero dizer deveremos seguir para a génese do problema, a falta de educação no campo da 7ª Arte (há cada vez mais alunos a ir para cursos de cinema que não veem filmes ou então que se ficam pelo comercial norte-americano sob fórmulas), a ausência de exigência pessoal e a perda da veia artística. Aliás, estamos num país que cada vez salienta e aponta arte como um bem exclusivo para snobs ou presunçosos intelectuais.

Sob esse gesto, o apontar, criticar e acima de tudo abjurar as origens cinematográficas é uma tendência cada vez mais comum nestes “novos” cineastas, que parecem não fazer cinema, mas sim vídeos para mais tarde serem publicados na internet. Não sei se este é o caso do realizador Luís Diogo, mas “Pecado Fatal” é isso, um embuste. Vende-se como algo irreverente, “um filme português para quem não gosta de cinema português” para depois “esbarrar” na maior das fragilidades do nosso cinema: a falta de vontade, principalmente em soltar-se das amarras académicas, ou seja, de seguir uma esquematização de planos agendados, implantados, sem que haja algum rasgo de (des)veneração a esse processo mecânico ou uma visão original. 

O que vemos aqui é algo semelhante ao que acontece a um mero estudante a realizar um enésimo exercício académico e sob a constante avaliação dos professores. Por outras palavras, o filme não possui a versatilidade de um cinema que o seu marketing tenta descaradamente vender. Ao invés, assistimos à aplicação das matrizes ensinadas e revistas em cursos e licenciaturas de cinema. Não existe um “outside the box“, existe sim a reprodução dos modelos primários e de influências televisivas, o seguir do livro de instruções da planificação para que nos últimos 20 minutos tudo ceda à câmara tremida e nervosa (felizmente com o efeito necessário no espectador, mas não nesse sentido).

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Sim, poderá haver a desculpa de que “Pecado Fatal” é um filme de baixo-orçamento, o qual o realizador pagou inteiramente do seu bolso. Isso sim é um feito louvável que demonstra ousadia na “indústria”, mas nada justifica que o cinema em questão seja por via do amadorismo. Como consequência, temos um argumento (escrito pelo próprio) que não é mais que uma colagem incoerente e involuntariamente risível de diversas intrigas novelescas e a acrescentar a isso há ainda uma incapacidade de gerir uma narrativa e acentuar uma carga dramática. 

Aliás, falando em ênfase dramática, o filme de Luís Diogo parece forçadamente inserir um conflito interno, sem que com isso transpareça nos desempenhos dos seus personagens, vazios e unidimensionais, como os seus respetivos atores, com Sara Barros Leitão a tornar-se na rainha do “overacting” (aqui provando que Luís Diogo chega a ser melhor realizador do que diretor de atores). Por fim, este filme de embaraços é ainda recheado de diálogos infelizes, sem naturalidade e de uma abordagem brusca e demasiado gratuita, com os atores sem a energia necessária para os proferirem.

Em “Pecado Fatal'' não existe aqui algo que se possa chamar verdadeiramente de cinema. É um exercício académico que não faz jus à sua frase propagandista de “(…) para quem não gosta de cinema português”. Podemos até revoltar-nos com os autores conformistas à espera dos subsídios e dos filmes “para amigos”, mas não é com este género de obras que combateremos isso. Aliás, são produtos como estes que me fazem temer pela próxima geração de cineastas, mas isso é outra conversa.

“Toda a gente julga toda a gente”