Aretha Franklin merecia (bem) mais do que filme a fazer-se ao Óscar
Respeito encontra-se em abundância nesta cinebiografia de um dos grandes nomes da música norte-americana, a “Rainha do Soul” Aretha Franklin (1942 – 2018). Infelizmente, o resultado é a passividade que transparece da sua vida no ecrã, confundindo tributo com cedência ao formato convencional e piscadelas à temporada de prémios. Por outras palavras, sabemos que Aretha Franklin foi essa artista relevante e genial não porque o filme nos diz, mas porque a sua presença se mantém após a sua morte. Nada distingue a sua existência tal como é apresentada neste “Respect” de tantas outras transpostas para cinema, feitas de tragédia familiar, reprovação familiar, amores falhados, decadência com drogas ou álcool, redenção e luzes da ribalta.
O que sobra é uma obra esquemática, esteticamente académica e completamente apoiada no desempenho de Jennifer Hudson (vencedora de um Óscar em “Dreamgirls”), de vozeirão para replicar a imagem de Aretha nos mais diferentes estados, incluindo as suas performances de palco. Abordemos então os problemas que tendem a contagiar inúmeras biopics e não apenas as americanas: a tentativa de refletir o gosto comum dos admiradores ou a opção pela “pedagogia”. São poucas as que arriscam ou assumem uma postura biográfica sem medos de eventuais “sujidades”, como foi no caso da vida de outra grande diva afro-americana, Billie Holiday, colocada numa demanda psicológica e agressivamente política num filme recente, infelizmente limitadíssimo de Lee Daniels chamado “United States vs. Billie Holiday”. Apesar disso, havia o gesto de interpretar uma personalidade em vez de a conservar num precioso âmbar, como é o caso de “Respect”.
Existem uns poucos momentos neste filme sobre Aretha Franklin em que se nota uma coerência em replicar o real, e com isto a criação de uma nova realidade, que indiciam o projeto que poderia ter sido, mas que não aconteceu. Por exemplo, o da gravação e criação do seu celebríssimo disco “Amazing Grace” (cujas filmagens resultaram num homónimo e esplêndido documentário com assinatura de Allan Elliott e de um “maçarico” Sydney Pollack, lançado apenas em 2018 devido a disputas de direitos de autor), em que sentimos a câmara repousar e deixar-se levar pelo timbre da artista (neste caso, a interpretação de Jennifer Hudson).
Mas “Respect” é principalmente uma oferenda requintada, uma produção com selo de prestígio que dificilmente se destacará daquilo que presenciamos todos os anos em matéria de biografias cinematográficas.