Na tragédia do momento nasce jornalismo
O tempo joga, simultaneamente, a favor e contra “September 5”, assinado pelo suíço Tim Fehlbaum, uma reconstituição dos eventos ocorridos na mencionada data, em 1972, durante os Jogos Olímpicos de Munique, quando um grupo de terroristas palestinianos invadiu a aldeia olímpica, assassinando dois atletas israelita e fazendo refém o resto da equipa, tudo sem sair do estúdio provisório da ABC, instalado apenas para a cobertura desportiva do evento. Sobre a sua atualidade, como faca de dois gumes, é certo que reavivar estes fantasmas se confronta com uma atitude polarizadora, tendo em conta o nosso zeitgeist. Por outro lado, o filme procura não ser um olhar complacente para o mártir e o seu martírio, nem se entregar à pornografia da sua tragédia.
Onde “September 5” acerta — e daí nunca perder a sua atualidade e urgência — é no jornalismo ali retratado: improvisado (desenrascado em bom português), doloroso, ainda pontuado pela ingenuidade trazida na demanda pela verdade e das suas consequências. Esse Quarto Poder, hoje debatido e questionado por outras ordens e aparelhos pós-verdade (não é preciso mencioná-los), assume-se como a genuína tese do filme, mas a execução é onde essa discussão se materializa: a trama nunca abandona os bastidores, a régie e os seus anexos tornam-se o único ponto de vista do espectador, enquanto o exterior apenas nos chega através das imagens captadas para a emissão em direto ou da informação recolhida, e tratada (importante salientar), no calor do momento.
Nesse registo, somos induzidos num thriller que bebe dos elementos do “filme de cerco”, nostálgico para com a era do boom motivado pelo escândalo do Watergate e pelo empoderamento do jornalismo enquanto agente da verdade e da moderação. Sim, aconteceu nos anos 70, e como devem lembrar, “All the President 's Men” (Alan J. Pakula, 1976) foi a joia dessa coroa, desaguando em críticas internas ao televisionismo e a sua espectacularização com “Network” (Sidney Lumet, 1976) do qual “September 5” morde subtilmente. Um elogio e uma facada nas costuras desta arte de divulgação, enquanto reproduz um dos marcos da história do jornalismo televisivo, e do seu mediatismo, hoje vigorado como intrusão.
Tim Fehlbaum mostra-se competente na entrega do prometido: o elenco, por sua vez, é camaleónico dentro desta realidade encenada (destaque para John Magaro, ator desmerecidamente discreto, e para a alemã Leonie Benesch, que brilhou no recente “The Teachers’ Lounge”), e o ritmo em crescendo impacta o espaço. Mas — e como os ‘mas’ são tradição milenar — da mesma forma que o realizador aprendeu com os melhores thrillers americanos deste universo, também resgatou o pior: as manhas de um teor mais “modernizado”, incluindo uma banda sonora quase estática, parte-nervos, que Paul Greengrass parece ter popularizado e implantado na sua indústria, elemento dispensável num filme que escarafuncha questões tão pertinentes.
Quanto ao tema subjacente, ao trágico propriamente dita, fica a recomendação de uma das obras, surpreendentemente, mais maduras de Steven Spielberg - “Munich” (2005) - o relato pós o fatídico, com a resposta de Israel que não os deixou bem visto.