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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Na tragédia do momento nasce jornalismo

Hugo Gomes, 21.02.25

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O tempo joga, simultaneamente, a favor e contra “September 5”, assinado pelo suíço Tim Fehlbaum, uma reconstituição dos eventos ocorridos na mencionada data, em 1972, durante os Jogos Olímpicos de Munique, quando um grupo de terroristas palestinianos invadiu a aldeia olímpica, assassinando dois atletas israelita e fazendo refém o resto da equipa, tudo sem sair do estúdio provisório da ABC, instalado apenas para a cobertura desportiva do evento. Sobre a sua atualidade, como faca de dois gumes, é certo que reavivar estes fantasmas se confronta com uma atitude polarizadora, tendo em conta o nosso zeitgeist. Por outro lado, o filme procura não ser um olhar complacente para o mártir e o seu martírio, nem se entregar à pornografia da sua tragédia.

Onde “September 5” acerta — e daí nunca perder a sua atualidade e urgência — é no jornalismo ali retratado: improvisado (desenrascado em bom português), doloroso, ainda pontuado pela ingenuidade trazida na demanda pela verdade e das suas consequências. Esse Quarto Poder, hoje debatido e questionado por outras ordens e aparelhos pós-verdade (não é preciso mencioná-los), assume-se como a genuína tese do filme, mas a execução é onde essa discussão se materializa: a trama nunca abandona os bastidores, a régie e os seus anexos tornam-se o único ponto de vista do espectador, enquanto o exterior apenas nos chega através das imagens captadas para a emissão em direto ou da informação recolhida, e tratada (importante salientar), no calor do momento.

Nesse registo, somos induzidos num thriller que bebe dos elementos do “filme de cerco”, nostálgico para com a era do boom motivado pelo escândalo do Watergate e pelo empoderamento do jornalismo enquanto agente da verdade e da moderação. Sim, aconteceu nos anos 70, e como devem lembrar, “All the President 's Men” (Alan J. Pakula, 1976) foi a joia dessa coroa, desaguando em críticas internas ao televisionismo e a sua espectacularização com “Network” (Sidney Lumet, 1976) do qual “September 5” morde subtilmente. Um elogio e uma facada nas costuras desta arte de divulgação, enquanto reproduz um dos marcos da história do jornalismo televisivo, e do seu mediatismo, hoje vigorado como intrusão.

Tim Fehlbaum mostra-se competente na entrega do prometido: o elenco, por sua vez, é camaleónico dentro desta realidade encenada (destaque para John Magaro, ator desmerecidamente discreto, e para a alemã Leonie Benesch, que brilhou no recente “The Teachers’ Lounge”), e o ritmo em crescendo impacta o espaço. Mas — e como os ‘mas’ são tradição milenar — da mesma forma que o realizador aprendeu com os melhores thrillers americanos deste universo, também resgatou o pior: as manhas de um teor mais “modernizado”, incluindo uma banda sonora quase estática, parte-nervos, que Paul Greengrass parece ter popularizado e implantado na sua indústria, elemento dispensável num filme que escarafuncha questões tão pertinentes.

Quanto ao tema subjacente, ao trágico propriamente dita, fica a recomendação de uma das obras, surpreendentemente, mais maduras de Steven Spielberg - “Munich” (2005) - o relato pós o fatídico, com a resposta de Israel que não os deixou bem visto.

Rage Against the Machine

Hugo Gomes, 05.03.23

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Costuma-se vulgarmente sublinhar que “a escola é um reflexo da sociedade corrente”, nesses mesmos termos podemos considerar a “sala de professores” como os bastidores do Poder regedor dessa mesma. Quase como hanekiano na forma como se presta a construir presunções sociológicas através dos pequenos detalhes (como também na estética fria e ocasionalmente rígida), e por sua vez, até de grandes eventos em vias de acontecer (como foi o caso de “The White Ribbon” (2009) e os sinais marcantemente sociológicos no qual previa a Segunda Grande Guerra), em “The Teachers’ Lounge” de İlker Çatak [a sua segunda longa-metragem], não se trata de uma previsão, mas sim constatação.

A desventura dá-se na perspetiva de Carla Novak (uma destemida Leonie Benesch), uma jovem professora de matemática e de desporto que acarreta novos ideais pouco impressionáveis aos seus mais veteranos colegas. A protagonista coloca em prática o que sabe (aliás, o que acredita) para tentar desvendar uma cadeia de roubos que têm lugar na chamada sala de professores. Furtos, esses, o qual todos suspeitam ser obra de uma aluno. O que Novak descobrirá alterará para sempre a sua posição enquanto professora, como também desequilibrará a hierarquia estabelecida entre lecionadores e pupilos. 

Há dois pontos a reter em “The Teachers’ Lounge” para além da sua alegórica político-social (até um jornal de escola joga-se na representação da liberdade de imprensa), a primeira é o registo narrativo do filme em nunca sair do seu cenário [leia-se escola], como também repugnando automaticamente essa evasão (como soubesse que a sua “força” está enraizada naquele cenário e naquele cenário apenas), desta forma a não evidenciar “backgrounds” pessoais sobre as personagens e principalmente da sua protagonista. A escola é um mundo feito, cumprido e emancipador. 

Segundo ponto, apesar da enorme importação cultural vinda dos EUA que “contagia” sociedades, nomeadamente as europeias, o cinema do Velho Mundo persiste em retratar a figura do enfant como ambígua (ao contráio da "infantilização" dos cogéneres americanos), ou de inclinações maquiavélicas, seja a (re)invocação de Haneke (uma curiosidade, Benesch foi atriz em “The White Ribbon”) ou de outras variações (recentemente presenciamos a crueldade infantil no belga “Un Monde” de Laura Wandel, também nunca fugido do seu espaço escolar). A criança é vista como uma “criatura” perversa, porque serve de protótipo ao adulto do amanhã. 

Quanto a “The Teachers’ Lounge”, os temas são mais que muitos, a sua mesclavagem e embutimento no décor, tornam esta pseudo-distopia fascinante o suficiente para nela encontrarmos o retrato dos nossos dias. A inocência é uma impunidade fantasiada nesta sociedade, ora os educandos não escondem a sua silenciosa anarquia, ora os educadores "cochicham" na sua sagrada “sala” para encontrar formas de os “controlar”. Este controlo parte na instituição de uma doutrina, e como tal é necessário determinar rituais cegamente cumpridos. A nossa protagonista não é “santa” no seu retrato, as palmas ritmadas com que exerce para demarcar a ordem na sua própria sala de aula, respondida de igual pelos seus alunos, é uma detalhe de como esta relação de Poder é uma preocupação neste sistema de ensino. 

Talvez o cinema contemporâneo tenha a urgência de falar da nossa modernidade, uma demonstração das preocupações de uma arte ambivalente, ora propagandista, ora alarmista, conforme a “mão” de quem a usa, e dos “olhos” de quem a vê. Çatak constrói uma fábula sobre essa designação de Poder e de todas as suas consoantes [populismo, corrupção, panópticos, autoridade, repreensão, institucionalização], sem com isto sair da turma. 

Professores, inspirações até no Cinema

Hugo Gomes, 25.02.23

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Jack Black em "School of Rock" (Richard Linklater, 2003)

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Drew Barrymore em "Donnie Darko" (Richard Kelly, 2001)

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Jerry Lewis em "The Nutty Professor (Jerry Lewis, 1963)

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Jeremy Irons em "The Man Who Knew Infinity" (Matt Brown, 2015)

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Russell Crowe em "A Beautiful Mind" (Ron Howard, 2001)

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Sidney Poitier em "To Sir, with Love" (James Clavell, 1967)

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Eddie Murphy em "The Nutty Professor" (Tom Shadyac, 1996)

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Denzel Washington em "The Great Debaters" (Denzel Washington, 2007)

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Ryan Gosling em "Half Nelson" (Ryan Fleck & Anna Boden, 2006)

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Aamir Khan em "Taare Zameen Par" / "Like Stars on Earth" (Aamir Khan, 2007)

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Adrien Brody em "Detachment" (Tony Kaye, 2011)

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Tom Berenger em "The Substitute" (Robert Mandel, 1996)

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Jürgen Vogel em "Die Welle" / "The Wave" (Dennis Gansel, 2008)

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Michellle Pfeiffer em "Dangerous Minds" (John N. Smith, 1995)

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Kevin Kline em "The Emperor's Club" (Michael Hoffman, 2002)

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Robin Williams em "Dead Poets Society" (Peter Weir, 1989)

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Leonie Benesch em "The Teacher's Lounge" (Ilker Çatak, 2023)

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François Bégaudeau em "Entre les Murs" (Laurent Cantet, 2008)

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Valerio Mastandrea em "La Mia Classe" (Daniele Gaglianone, 2013)