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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Será que há limites para o embaraço do “cinema português comercial”?

Hugo Gomes, 16.01.19

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Poderíamos entrar aqui em mais umas quantas lengalengas sobre a rivalidade entre o cinema comercial nacional e o dito autoral … poderíamos, mas a esta altura do campeonato, até nós sentimos cansados de o invocar, muito mais em encontrar uma “ponta onde se pegue” num projeto como este “Tiro e Queda”. Aliás, o título condiz na perfeição para com a natureza deste … embrião a filme, um verdadeiro headshot à paciência do cinéfilo e um atentado ao gosto, pelo que se traduz segundo os cabecilhas desta tramoia, num consenso para o grande público.

Com produção de Leonel Vieira, que nos últimos anos abandonou as faíscas que o poderiam guiar por caminhos mais dignos, hoje (levado da breca), cedido ao inóspito destas anormalidades, confia em Ramón De Los Santos (na sua primeira longa-metragem) para conduzir a dupla humorística de sucesso (Eduardo Madeira e Manuel Marques) num prolongado anúncio publicitário a uma companhia de seguros.

Por entre o descarado “product placement”, “Tiro e Queda” é a prova de fogo para qualquer espectador, desde a sua transladação da linguagem puramente televisiva (e mesmo dentro dessa linguagem existem “dialetos” mais corajosos), até ao stand-up comedy falhado cujo humor (fácil, demasiado fácil) – possivelmente direcionado à caricatura – apenas ridiculariza o bom senso de quem acredita em milagres vindo destes ventos. Não se trata de ser enfadonho, nem é isso que está em causa na crítica de cinema, nem sequer neste filme. O problema é a sua inaptidão para a indústria portuguesa, sabendo que ela não existe. Porém, com “coisas” como esta, dificilmente existirão razões para a sua existência.

No final, ficamos solidários com a “personagem” de Óscar Branco: “afinal, somos uns cabeçudos aqui”. Haja paciência …

"Ó Evaristo, fora com isto!"

Hugo Gomes, 04.08.15

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Não é que “O Pátio das Cantigas" seja um clássico absoluto do cinema mundial. Foi, sim, um objeto do regime salazarista que caiu atualmente nas boas graças do povo português e ainda hoje integra parte do nosso diálogo e tradições. Quando se fala de “O Pátio das Cantigas”, se menciona, obviamente, filmes como “A Canção de Lisboa”, “O Leão da Estrela”, “O Costa do Castelo”, entre outros e, com exceção de O Pai Tirano, todas elas comédias ditas populistas que tiveram o favor de transladar um humor de revista e de rádio para o grande ecrã. Foi como o cinema português deu os primeiros passos “corretos” no sentido do que julgava ser cinema comercial.

Por outro lado, eram filmes moralistas, adeptos dos bons costumes e de conteúdos limitados em consequência do regime político que se vivia. Nota-se, por exemplo, a célebre sequência do tumulto no arraial do “Pátio das Cantigas”, em que a personagem de Vasco Santana leva um grupo de crianças para um recanto obscuro e aclama: “aqui não lhes acontece mal nenhum“, no mesmo local onde se vê uma tabuleta com a inscrição SALAZAR. Sim, sempre existiram mensagens subliminares nestes filmes que respeitavam os chamados “três Fs” de Salazar. Porém, a ideia de um remake ou “homenagem”, como cobardemente se quer auto-intitular este filme, é uma manobra arriscada e que dificilmente nos diz algo sobre a época em que vivemos. Leonel Vieira conduz um grupo de atores, todos formados na escola da televisão, imagem adversa do elenco original, “extraído” da rádio e do teatro, que suportam personagens por vias de meras caricaturas e confronto entres egos ou, como no caso de Miguel Guilherme, uma descarada imitação do Evaristo de António Silva. Até a melhor atriz do elenco, Anabela Moreira, encontra-se num desperdício herege.

Como referência à digna “caixa-maravilha”, este “O Pátio das Cantigas” tresanda a todo um registo televisivo, especialmente com o seu humor descartável, pouco imaginativo e, por vezes, de mau gosto. Existem mesmo sitcoms nacionais mais sofisticadas que toda esta lavagem “pseudomoderna”, já que o modernismo fica-se pelo “pastiche” e pelo product placement que controla o quotidiano das suas personagens e não o contrário. É um pátio míope, sem textura nem dimensão e, pior, sem vida, para além daquela incutida artificialmente para “português ver”.

Da mesma forma, enquanto produtos mais originais e ousados da nossa cinematografia são desprezados pelo seu público, são “coisas” como estas que auferem o seu título de filmes “populistas”. Por fim, se eu tiver que nomear algo de bom neste exercício travestido de comédia, é que Leonel Vieira consegue ser mais sóbrio a nível técnico e de planificação em comparação com Nicolau Breyner e o seu “híbrido “7 Pecados Rurais”. Cinema? Não, autocolante televisivo. Homenagem? Não, simplesmente oportunismo.