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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Rajadas de 1996 com saudade ...

Hugo Gomes, 18.07.24

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Um dos grandes sucessos de 1996 - com a tutela de Steven Spielberg e um pós de prilimpimpim de Michael Crichton - “Twister”, disaster movie com uma essência de “monstro da semana”, provou em si ser uma espécie de “filho perdido” de um formato blockbuster hoje em desuso. Dirigido por Jan de Bont (a sua melhor obra desde “Speed”, o resto foi catástrofes atrás de catástrofes, e refiro ao sentido qualitativo do que temático), o filme explorava um epifenómeno americano; de tornados a um bando de “caçadores” por aquelas planícies tão típicas, com Helen Hunt e Bill Paxton a funcionar como “star couple” e um elenco secundário que ia desde Todd Field (sim, o que viria a ser o realizador de “Tar") e um Philip Seymour Hoffman a provar como o mais delirante dos extras. Nada contra, apenas um suspiro de saudade após recordar esse êxito de tela e de home vídeo (aquela espera interminável que dava uma segunda vida aos filmes). 

Vinte e oito anos depois, com Hollywood sem saber o que fazer - nós respondíamos ao dilema mas os investidores apenas dançam à vontade dos espectadores e dos números arrecadados na primeira semana de estreia - elaboraram aquilo que é um "três em um" (sequela / remake / produto de legado), de forma a conseguir uns milhões com o auxílio do saudosismo. “Twisters”, acrescenta-se o “S” no plural, é uma produção do nosso tempo com todas as malhas que acarreta-o, de igual maneira que o filme de Jan de Bont (aqui apenas como produtor) é do seu, a saudade é apenas um efeito, mas não fiquemos ingénuos perante o medo das acusações de “velho do Restelo”, até porque este novo projeto nos “corredores” propícios a tornados e das categorizações que alimentam um culto pequenino, é, ao contrário do primeiro, um estapafúrdio, de CGI mais evidente e com tendências a asserto políticos e ativismo climático (mesmo que tal não seja dito com “todos os dentes”). 

Isto torna “Twisters” em algo nada especial no panorama atual, mesmo jogando no seguro e dos actos aristotélicos do tão batido conceito de “storytelling”. Até o elenco é pouco inspirado e expressivo, uma possivelmente nulidade se não fosse o Glenn Powell e o “power” estrelar emanado, o qual muitos dos meus colegas têm defendido sob a lógica do carisma perdida da Hollywood clássica. Talvez sim, o ator detenha essa personalidade transbordante da tela que parece faltar a muitos dos seus colegas nesta Hollywood contemporânea, e salienta-se, o seu lado gingão e folião que o converte num “novo namorado da América”, ventoso o suficiente para “abanar” a dita protagonista, esta interpretada por Daisy Edgar-Jones (“Fresh”), que tal como a Helen Hunt da versão de Jan de Bont, são mulheres de “mangas arregaçadas” e com bagagem trágica. Só que no caso da personagem Edgar-Jones a uma cedência quase cega a esse lado negro que a impede de emancipar-se, enquanto que Hunt (apelido perfeito!) “caça” esses ventos destruidores da mesma forma que o seu luto, com entusiasmo e sem compromissos-reféns. 

Twisters” é sopro fraco aos alicerces do entretenimento hollywoodesco de hoje, produção adinheirado sem consequências nem agressividade para se estabelecer algo mais do que um futuro clássico do Canal Hollywood. E … espera aí!! Lee Isaac Chung?! O realizador do “Minari” assina isto?! Esperávamos mais de ti, rapaz!

The roof is on fire!

Hugo Gomes, 19.08.22

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Minari (Lee Isaac Chung, 2020)

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Rebecca (Alfred Hitchcock, 1940)

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Mirror / Zerkalo (Andrei Tarkovsky, 1975)

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The Sacrifice / Offret (Andrei Tarkovsky, 1986)

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Nightsiren (Tereza Nvotovà, 2022)

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The Homesman (Tommy Lee Jones, 2014)

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Burning (Lee Chang-dong, 2018)

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Come and See /  Idi i smotri (Elem Klimov, 1985)

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Midsommar (Ari Aster, 2019)

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Pet Semetary (Mary Lambert, 1989)

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8 Mile (Curtis Hanson, 2002)

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Gone with the Wind (Victor Fleming, 1939)

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There Will Be Blood (Paul Thomas Anderson, 2007)

"Minari", um conto americano

Hugo Gomes, 18.04.21

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A palavra “Minari” remete para uma comestível planta ribeirinha, que durante gerações serviu de cardápio à realeza coreana e hoje, para além de iguaria, funciona como um tradicional desintoxicante. Enquanto isso, o filme – “Minari” –, na sua simplicidade, funciona como uma alternativa aos "biopics" automatizados e dramas escancarados e pretensiosos que tantas vezes preenchem as ementas de Óscares.

Mas simplicidade não quer dizer simplório, e por vezes o económico (quer narrativo, quer interpretativo) é um trabalho emocionalmente árduo e complexo. Dirigido por Lee Isaac Chung, filho de imigrantes sul-coreanos nos EUA, “Minari” exorciza temas autobiográficos ou experiências identificáveis para nos trazer o drama de uma família deslocada do seu meio em busca do (célebre) sonho americano. E se esta é uma crença pregada por muito cinema americano, o filme tende em desintoxicar das toxinas deixadas por essa mesma ilusão, tal como a planta de que se apropria o título. Por si, esta é uma obra que nunca verga pela dicotomia do copo "meio cheio" e "meio vazio". Tanto o seu otimismo e negativismo em simultâneo fazem parte de um esquema "à la ying yang", um equilíbrio que une uma teia de afetos ou conflitos interiores, de tramas de imigrantes que poderiam ser as nossas.

Minari” aborda as adversidades sem as explorar. Indica as diferenças sem chocar. E fá-lo com uma sensibilidade empírica. O resto é uma produção que se quer “bonita”, virtuosa e de uma quotidianidade incansável. Desde a música de Emile Mosseri ("The Last Black Man in San Francisco") até à fotografia radiante de Lachlan Milne (da série "Stranger Things"), tudo está unido para erguer um projeto com todas as suas vertentes proustianas de invocar memórias passadas. Alguém nos disse que o seu trabalho técnico nos levava automaticamente à infância e talvez seja esse propósito que levou Lee Isaac Chung a abraçar "Minari" com todas as suas forças e carinhos – transformar o cinema na sua cápsula temporal.