Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Quem és tu afinal?

Hugo Gomes, 29.03.25

on-falling-1.jpg

As inevitáveis comparações com Ken Loach fazem-se sentir quando "On Falling" manifesta a sua estética academizada, alinhando-se com uma vertente de realismo proto-dardenneano - a protagonista, uma trabalhadora precária, soma ainda a condição de imigrante portuguesa a fazer-se como pode (e como lhe é permitido) em Edimburgo, Escócia - e num quadro sociopolítico que, à primeira vista, parece reiterar a tradição do cinema de denúncia social. Porém, essas assunções soam, por vezes, preguiçosas, não apenas por circunscrever toda uma geografia cinematográfica, mas também por se fecharem no aparente, na forma como abordam o tema.

Enquanto Ken Loach, fiel à sua tradição, observa os sistemas de trabalho e insere-os numa narrativa iluminada pelo ativismo político-cinematográfico, Laura Carreira [na sua primeira longa-metragem] espelha, por outro lado, uma abordagem mais passiva perante o sistema laboral. O que lhe interessa não é o trabalho em si, mas a forma como ele se manifesta nos trabalhadores — e é aí que encontra Joana Santos (“Vadio”). A atriz tem aqui um palco todo seu para demonstrar a sua capacidade de empatia, servindo-se como cobaia desta experiência corrosiva.

"On Falling" é a anatomia de uma queda, mas uma queda identitária no contexto neoliberal, refletindo sobre como os novos modelos de trabalho e as mentalidades nessa relação entre patrono-empregado conduzem a uma estandardização do "colaborador". Vemos isso repetidamente na interação da personagem de Santos com os colegas, com o exterior, com a sua própria nacionalidade (a conferir no jantar, cujo prato de guisado polaco a remete às memórias gastronómicas do sue país) e, mais incisivamente, com a sua própria intimidade. Mas o momento crucial dessa câmara de eco — que é a sua personalidade — surge numa sequência de entrevista de emprego, quando simplesmente a entrevistadora lhe pergunta: "O que gosta de fazer nos seus tempos livres?". O estrangulamento com que a protagonista lida com esta questão reflete tudo o que perdeu até então: o seu ócio, os seus gostos, a sua individualidade. São estes sistemas que moldam trabalhadores iguais entre si, presos a turnos intermináveis, paradigma de uma organização laboral reminiscente do taylorismo industrial.

Há uma falsa preocupação com a saúde e o bem-estar do trabalhador por esses ambientes, envolta numa hipocrisia visada, na realidade, em preservar a estrutura classista detida e perpetuada nestes empregos. Quanto menos individual é o indivíduo, mais uniforme se torna a massa — contrariando, ironicamente, até mesmo a ideia de corporativismo e de um sentido de luta coletiva sob um prisma comunista. Por isso, diante do seu próprio vazio, Santos chora não pelo que perdeu, mas pelo que nunca chegou a ganhar. Transforma-se noutro tipo de farrapo humano: sem sonhos, sem ambição, sem algo que a torne verdadeiramente única.

Assim sendo, "On Falling" é mais do que o esperado tratado político. É um filme de humanidades em tempos modernos.

Figuras provisórias que devemos escutar ...

Hugo Gomes, 19.03.25

onfalling-website-11zon17522e4edefaultlarge_1024.j

Há outro tipo de trabalho da psique com o qual Laura Carreira lida nesta relação trabalho-trabalhador, diferenciando-se do catálogo citado sem prudências - "Listen" e "Great Yarmouth" em português, Ken Loach em inglês - e a fabulosa cena da "entrevista de emprego" é exemplo disso, de como perdemos a nossa individualidade para cumprir um mau sonho capitalista ou, neste caso, algo que já ultrapassou essa ideia de sistema. Joana Santos, com grande garra, mostra ao que veio!

"On Falling " estreia dia 27 de Março.