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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

James Caan, esse patife ... (1940 - 2022)

Hugo Gomes, 08.07.22

O músculo da família Corleone (a sua morte em “The Godfather” foi das mais violentas que presenciei na minha juventude), um ator de fisicalidade cuja essa propriedade foi utilizada como um desafio performativo em “Misery”, e mais tarde, como bem sabemos, Hollywood não lida bem com a velhice dos ‘outros’, um homem relegado ao seu mau humor, sem nunca perder a “pinta”. James Caan atravessou um tempo, diverso de autores, linguagens e estilos, presença reconhecível nos anos 70 que adquiriu dimensão histórica nos anos 90  e no início do novo milénio, até por fim chegar aos últimos anos, demonstrando a sua descartabilidade (papéis relevantes faltaram na sua carreira em término). Mas quanto a isso, não há nada a fazer, só quando desaparecem é que sentimos a falta. Caan, o patife, o criminoso, o intolerável, pelos menos foi essa imagem transmitida anos a fio, e verdade seja dita, era bem bom naquilo que fazia.

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Silent Movie (Mel Brooks, 1976)

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Slither (Howard Zieff, 1973)

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The Godfather (Francis Ford Coppola, 1972)

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Misery (Rob Reiner, 1990)

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Dogville (Lars Von Trier, 2003)

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The Yards (James Gray, 2000)

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Dick Tracy (Warren Beatty, 1990)

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Rollerball (Norman Jewison, 1975)

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The Killer Ellite (Sam Peckinpah, 1975)

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Thief (Michael Mann, 1981)

Bem-vindo à depravação!

Hugo Gomes, 15.12.18

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Este Mundo precisa da existência de um Lars Von Trier e antes que comece o apedrejamento, solicito a liberdade de argumentar.

Precisamos de um autor. Sim, leram bem, autor, como o dinamarquês nesta indústria que muitos, como ele próprio, gostam de chamar arte (convém também dizer que o Cinema em si está acima da indústria e do veio artístico, mas isto não é desculpa para adorar ou odiar Von Trier e as demandas de ego). Alguém que assume a sua loucura para filmar, alguém que desafia a homogeneidade quase provocada pelos movimentos samaritanos e do politicamente corretos. Este Mundo necessita de provocadores, conforme seja o “lado do vento”, precisa de “irritações” como diria o dramaturgo brasileiro Dias Gomes: “Toda a gente nasce para irritar alguém, e se não estás a irritar ninguém é porque não estás a fazer nada”. O pior é somente levá-lo a sério.

O choque inicial tido neste “The House that Jack Built” é sinónimo dessa procura pela provocação, porém, ao contrário de um Gaspar Noé, por exemplo, Von Trier não pretende causar uma experiência sensorial. Por mais gore que sejam as imagens transmitidas (um macabro que não poupa ninguém), a grande provocação encontra-se nas suas palavras, nos relatos ideológicos que nos enviam diretamente para uma espécie de inferno. Custa-nos de certa maneira engolir todas aquelas teses, custa-nos a acreditar que estas são apenas fabricações da ficção, custa-nos pensar que tudo isto não passa de um disfarce. É preocupante um filme como “The House that Jack Built”, o conto de serial killer narrado na primeira pessoa, olhado na primeira pessoa e pensado na primeira pessoa, não partilhe a mesma crença que o seu criador (há aqui qualquer de perturbador como em “Henry: Portrait of a Serial Killer”). Esta linha umbilical entre criação e criador cria desconforto, acima das tentações consumadas pela personagem de Matt Dillon, arquiteto que descobre o prazer na “matança”, o artista frustrado que assume a carnificina como ópio toxicológico.

Lars Von Trier resolve replicar o dispositivo narrativo do anterior díptico “Nymphomaniac”, dividindo a intriga episodicamente (neste caso por ‘Incidentes’) e presenteando com uma voz-off que oscila entre a narração da ação com a leitura da situação. Mas a semelhança termina aqui, Lars Von Trier possui uma espécie de firewall nesta visão de psicopata, enquanto nos indignamos com a voz de Matt Dillon a especificar, comparar e a reduzir todos os seus grotescos atos em ‘Arte’ (Art is Everything ali, Art is Divine acolá), existe a presença de uma segunda narração, uma voz que debate-se com a do nosso psicopata, uma consciência que não se assume imperativa e pedagogicamente totalitarista. Esta voz, pertencente a Bruno Ganz, questiona todas as afirmações solidamente acreditadas pelo maldito protagonista, e as suas questões importunam, intervindo como moderador do tom sádico-demente que poderia expandir para territórios obscuros.

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Obviamente que toda esta linguagem, discursos de caçador em vanglória dos seus troféus, acompanhado com um visual trabalho no contexto-choque, o gore, o esperado macabro trazido para envergonhar Anticristo, chega para desmontar os sacrilégios códigos do terror. Entre essas imagens que nos fazem temer, Lars Von Trier comete o “atentado”, ou diria antes os “atentados”, da morte, tortura e deturpação de crianças, esses símbolos da inocência que se demarcam como as saídas da sensatez para muitas obras do género. E estando a “apedrejar” esses mesmos símbolos, a destruí-los por completo, “The House that Jack Built” abre uma porta para uma patologia sanguinária sem limites.

Essa “ilimitação” leva-nos a uma revelação: a ida do inalcançável, do objeto de tentação, a catedral invertida onde todos os pecados da Humanidade são depositados, gritando em uníssono. É aí que o filme assume com clareza a sua demência. Assume a arte como uma escapatória para os seus medos e acima de tudo as suas ofensas. Revela-se conhecedor de Goethe e de Dante Alighieri, cruza ambos os universos para nos transmitir uma resolução-raiz quadrada dos percursos faustianos, para no final ceder à mais mortífera de todas as piadas (sim, porque a vida tem o seu ar de comediante). 

Aliás, não será o filme um experimento de comédia negra? Nesse caso, Lars Von Trier poderá ser o nosso comediante nesta distorcida Comédia Divina. 

Adeus John Hurt ...

Hugo Gomes, 28.01.17

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The first thing I am going to do when I get back is get some decent food.Alien (Ridley Scott, 1979)

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April the 4th, 1984. To the past, or to the future. To an age when thought is free. From the Age of Big Brother, from the Age of the Thought Police, from a dead man... greetings.1984 (Michael Radford, 1984)

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“Catch the midnight express.” Midnight Express (Alan Parker, 1978)

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“This is the sad tale of the township of Dogville.” Dogville (Lars Von Trier, 2003)

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“I am not an elephant! I am not an animal! I am a human being! I am a man!The Elephant Man (David Lynch, 1980)

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“In the absence of light, darkness prevails. There are things that go bump in the night, Agent Myers. Make no mistake about that. And we are the ones who bump back.Hellboy (Guillermo Del Toro, 2004)

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“I want this country to realize that we stand on the edge of oblivion. I want every man, woman and child to understand how close we are to chaos. I want everyone to remember why they need us!” V for Vendetta (James McTeigue, 2005)

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“Oh, no. Not again.Oh, no. Not again.” Spaceballs (Mel Brooks, 1987)

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“Survivors! Wash yourselves. The water supply section ... wash away the blood …” Snowpiecer (Bong Joon-ho, 2013)

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“The powers that be have been very busy lately, falling over each other to position themselves for the game of the millennium. Maybe I can help deal you back in.Contact (Robert Zemeckis, 1997)

Safadezas de Lars Von Trier custam caro

Hugo Gomes, 07.02.14

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E assim chegamos ao esperado segundo volume da pomposa promessa de Lars Von Trier, “a epopeia sexual de uma mulher, desde a sua infância até à sua meia-idade“, sem com isso envergar temas aludidos ao título, ou seja, sem definir a ninfomania como uma causa nem sequer um culpa de uma sociedade imoral e corrompida pela luxúria. Contudo, perante tal cenário social, o autor dinamarquês, acompanhado pela sua bagagem referencial e uma atriz disposta a moldar às suas fantasias (Charlotte Gainsbourg), não evita nem minimiza em momento algum a provocação, sendo este o trunfo do primeiro e agora integrado no segundo e derradeiro volume. Porém, existe algo que não “bate” de todo certo neste episódico conjunto de devaneios sexuais, a descoberta do exotismo erótico na frieza nórdica.

Primeiro, semelhante ao processo de contar uma anedota (a primeira vez é memorável, a segunda parece incomodar), depois de um início dinâmico e, confesso, divertido por entre teorias da conspiração e “colagens” de abordagem sexual a outros assuntos de importância cultural e social, “Nymphomaniac” dá lugar ao cansaço, ao forjar de referências e por fim à ambição do realizador em construir uma obra cada vez mais lírica que visual. O interesse mantém-se com o desenrolar da narrativa, mas as “tacadas” dadas por Von Trier perderam a frescura e, pior, a irreverência mais fluida e versátil com o próprio enredo. Tudo isto leva a elaboração de um puzzle entusiasmante de montar mas que resulta num todo decepcionante em termos cinematográficos. Nisto vem um arrastar, o imperar temas e opiniões (uma defesa quase constrangedora dos pedófilos, algo insuportável de refletir), e onde Von Trier esteve por momentos tão perto da genialidade insana como também na pura e ruinosa ejaculação intelectual.

O que assistimos assim é um retrato disposto de engenhoso de uma sociedade saturada por sexo, onde a temática soa como a raiz quadrada de todos os elementos expostos no nosso quotidiano, e que no seu todo resulta de uma desequilibrada visão e intolerância cinematográfica, onde não faltam as promessas de uma descida exclusiva ao inferno sexual que não são cumpridas e a consolidação entre o melhor do cinema deste autor (referências exaustivas da sua obra anterior “Antichrist”, talvez o fim de tudo) e a pior da sua técnica operativa (existem planos e sequências imperdoáveis na industria cinematográfica que demonstram por exemplo uma falta de cuidado na posição e utilização da luz).

Por outras palavras, em “Nymphomaniac” o percurso (o Volume 1) é mais cativante e libertino que a sua própria conclusão (Volume 2), que se impõe como uma liberdade artística utilizada para júbilo pessoal e onde Von Trier foi traído pela sua forma, fechando com Chave de Bronze a sua, agora, completa trilogia da depressão.

Vale a pena ainda salientar o desempenho algo sinistro de Jamie Bell como K e todos os seus adereços, naquele que poderá ser visto como o capítulo mais intenso, arrojado e magistral de toda esta “bíblia” sexual.