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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Uma Casa de Bonecas em estado de demolição

Hugo Gomes, 20.03.18

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“Minha dor é perceber

Que apesar de termos feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Como os nossos pais…”

 

Canta assim Elis Regina naquele seu êxito o qual partilha o mesmo título com esta nova obra de Laís Bodanzky (“O Bicho de Sete Cabeças”). Não é coincidência, a realizadora já veio a público assumir a presente referência, e com isso, é natural que as letras desta canção de 1976 (do álbum Falso Brilhante) adquiram uma certa cumplicidade a este drama no feminino.

Como Nossos Pais” [filme] é um ensaio interiorizado na validade do matrimónio, ou para irmos mais além, na “longevidade” do relacionamento, o que está por detrás da paixão, do entusiasmo e das jornadas ao conhecimento do nosso par. Longe das canções românticas, infantilizadas por um platonismo mortal que coabitaram o universo deixado por Regina, a obra de Laís Bodanzky forma um cerco que rodeia estas personagens enclausuradas no cansaço, enquanto espelha as rotinas dando solução às mesmas por saídas que não cedem, e até mesmo desafiam, o seio dos moralismos implantados, sobretudo por uma educação cristã.

Aqui o objetivo não é julgar as opções de Rosa (Maria Ribeiro), a imagem da “super-mulher” moderna, em constante malabarismo com as facetas domésticas e o seu lado de profissionalismo, enquanto o seu marido dedica os dias num ativismo prolongado para salvar a Amazónia. É óbvio que dentro deste cenário suscita-se uma reavaliação do contexto da Mulher no século XXI, e os discernimentos sociais estão presentes como denúncias silenciosas, mas "Como Nossos Pais" é um filme que se adapta à audiência, longe do género exposto, até porque existe uma Rosa em cada um de nós. O Amor (palavra sequentemente imperativa) torna-se não um sentimento, e sim um conceito imposto pela sociedade (será que amamos os mesmos conceitos, mais que as próprias pessoas?). A fidelidade é também questionada, hesitada, olhada como uma repreensão que trava os nossos devaneios. Os ditos escapes que surgem na outra margem.

Sim, somos remetidos a experiências sociais, enunciados que emitem lógicas a ser debatidas pós-visionamento, orquestrado por personagens que autodestroem os estereótipos alicerçados, assim como o maniqueísmo fatal dos chamados “panfletos feministas”. Longe disso, “Como Nossos Pais” revela-se num “playground” para os afetos. Segundo Bodanzky, da mesma forma que reproduz nos desejos da sua personagem-chave, a intenção do filme é arrancar onde a peça de Henrik Johan Ibsen, “Casa de Bonecas", termina. O que fazer depois da declarada emancipação? O que surge depois da motivação de espírito? Uma cadência que vai atingindo numa narrativa episódica, endereçada a modelos ou exercícios de reflexão que funcionam como conflitos. Ou seja, este é um daqueles casos onde o conteúdo (a provocação deste) sobressai ao formato, que no seu todo se resume a um cinema “limpo” e tecnicamente previsível.

Mas o Cinema não se faz apenas de formas, ele também comunica com o espectador. Aliás, “O Cinema é a arte do sensível”, salienta o filósofo francês Jacques Rancière, e “Como Nossos Pais”, não se revelando brilhante ou fundamental na História da Sétima Arte, embica nesse tremendo diálogo e sensibilidade.

Será que ansiamos por ser como os nossos pais?

Hugo Gomes, 13.03.18

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Digo isto não como cinéfilo, mas como adulto, cuja juventude parece desaparecer gradualmente dia após dia, ver Como Nossos Pais foi uma reflexão sobre as nossas relações, os nossos medos indiciados nas rotinas diárias, aquelas correntes que nos amarram o espírito. Este é somente um dos muitos casos em que os filmes dialogam comigo, como se me conhecessem melhor que ninguém. O antídoto desta obra de ruínas matrimoniais foi encontrado na revisão de Uma Lição de Amor, de Ingmar Bergman, a marcada restauração dessas mesmas estruturas.