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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Ímpares - Ciclo de Conversas / Double Bill: Abel Ferrara - Bacurau & Vazante

Hugo Gomes, 09.04.24

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Na próxima segunda-feira (15 de abril), estarei na sétima sessão da iniciativa Ímpares - Ciclo de Conversas enquanto moderador. Vai-se discutir a filosofia “desesperante” de Søren Kierkegaard em cruzamento com o filme de Abel Ferrara (“The Addiction”), com responsabilidade do Dr. Telmo Rodrigues, e ainda, do outro lado do Atlântico com “Bacurau” de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles com “Vazante” de Daniela Thomas, sob a batuta da poetisa e ensaísta Patrícia Lino. A ter lugar na Cinemateca Portuguesa, mais concretamente na Livraria Linha de Sombra, pelas 18h30. A entrada é livre.

Mais informação, ver aqui

#SomosBacurau: falando com Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Hugo Gomes, 15.12.19

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Passaram-se sete anos desde a última reunião entre o artista Juliano Dornelles e o crítico de cinema convertido em cineasta, Kleber Mendonça Filho, o qual gerou o muito elogiado “O Som ao Redor”. Após uma pausa em que seguiram caminhos distintos, a dupla regressa com um projeto que tinha na gaveta há quase uma década: “Bacurau”.

Filmado na região Pernambuco, captando as vastas planícies secas que evocam os westerns “fingidos” e sobretudo das distopias pós-apocalípticas, aqui, “Bacurau”, uma terra que apela pelas boas intenções daqueles que estão de passagem, é um território ameaçado por forças que os seus habitantes não compreendem, mas que mesmo assim resistem (palavra predileta de Mendonça Filho).

Uma invocação do cinema de género que guarda todo um coração politizado e ativista que conquistou a sensibilidade do júri de Cannes, que recompensou a obra com um Prémio de Júri. Mas “Bacurau” é mais que um amontoado de referências ao serviço do quadro daquilo que lhes convém; é um grito num universo extenso, maleável e convergente com a nossa realidade. Sonia Braga e Udo Kier, os dois veteranos do elenco, traçam essas forças.

Tive o prazer de conversar com a dupla de realizadores sobre este filme, materializado sobre a sua veia política, cinéfila e sobretudo inserido no panorama do cinema pernambucano, um dos estandartes da resistência audiovisual no Brasil.

O vosso filme gerou as mais variadas reações em Cannes, sobretudo um consenso geral de um filme narrativamente não linear. Sempre foi a vossa intenção evitar os lugares-comuns da estrutura narrativa?

Kleber Mendonça Filho: Quando escrevia o meu primeiro filme – “O Som ao Redor” – estava confiante de que conceberia uma história linear percetível a qualquer um. De certa forma, consegui, só que tal dependeria da pessoa que o vê. [risos]

Foi então que descobri da pior maneira que muitos acharam uma experiência impenetrável, demasiado cerebral e difícil. “Aquarius”, foi no meu ponto de vista, um filme bem mais linear e com “Bacurau”, sentimos o mesmo, linearidade acima de tudo. É o que é.

Primeiro de tudo, apresentamos a comunidade … existe aquela mulher, existe aquele homem … e depois tudo se desenvolve até ao clímax. Sim, julgo que fiz um filme narrativamente fácil. É por isso com admiração que ouço coisas como: “é estranho, bizarro ou metafórico“. É sempre uma surpresa deparamos com as reações do espectador.

Mas não será isso um elogio?

KMF: Sim, obviamente que é um elogio. Mas não deixa de ser estranho. É como se eu lhe desse um copo com água e você me dissesse algo como: “esta é a água mais esquisita que alguma vez bebi” [risos]. E afinal é somente um copo com água … por favor.

O que quero dizer é que para nós, “Bacurau” é um filme claro naquilo que quer ser. Possivelmente foi a indústria que nos habituou mal, e que tenta padronizar o Cinema que consumimos.

É inevitável não associarmos Bacurau com o contexto político do Brasil que hoje testemunhamos. Vocês inspiraram-se no que realmente está a acontecer para embarcar nesta aventura?

Juliano Dornelles: É uma coincidência.

Coincidência?

JD: [risos] Acreditem em nós, é uma coincidência. Este projeto tem mais de dez anos de existência, evidentemente que as motivações deste filme são fortemente políticas, mas “Bacurau” é sobre aquilo que acreditamos que deveria acontecer, não no sentido politizado, mas social. Deixe-me explicar melhor. Nós vimos imensos documentários étnicos em diversos festivais e todos eles tratavam essas mesmas pessoas, com curiosidade é óbvio, mas com exotismo e simplismo. Aliás, é muito simplismo.

Aquilo que acreditamos é que o ser humano é tudo menos simples. Consequentemente, preenchemos alguma dessa “simplicidade” com política. Todavia, o que quisemos demonstrar com este filme é um grupo de pessoas aparentemente simples que irá mostrar a outras a natureza por detrás dessa capa. E foi assim que aconteceu "Bacurau".

Mas isto foi há 10 anos. Desde esse momento muita coisa mudou, inclusive o Brasil. Lançamos então o "Aquarius" e só depois de consumado esse filme, sentámos-nos e decidimos terminar o argumento deste “Bacurau”. Nesse processo, a nossa ideia original foi contaminada com imensos fatores e um deles foi a eleição de Donald J. Trump. Poderemos considerar um filme político, mas há mais aqui que somente isso. Como as pessoas que quisemos retratar.

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Tudo muito bem, mas então é um erro nosso considerar “Bacurau” um filme político? Pelo menos eu acredito que tudo é político, até o infame pormenor.

KMF: Claro que tudo é político, o que o Juliano está a tentar dizer é que “Bacurau” não entra no mesmo registo que um Costa-Gavras ou um Oliver Stone integram. Quer dizer, eles fazem bons filmes, o que acontece é que produzem obras políticas de uma maneira frontal. E “Bacurau” não é frontal.

JD: O que estamos a tentar querer dizer é que quando estávamos a escrever o argumento, não tínhamos a determinação de fazer um filme político nessa frontalidade. Tudo é político, sim, mas não de uma forma evidente e chamativa.

Esforçamo-nos acima de tudo em criar um western, um filme de género, um apogeu de violência. Poderemos dizer que “Bacurau” é uma reação a algo. A política apenas surge de forma espontânea, não forçada ou dependente.

KMF: Só o facto de um mapa ser alterado para corresponder às nossas especificidades em relação ao Mundo, é político até à medula. Mas a resistência é a sociedade a dizer-te o que fazer e acreditares que tal não deve ser aplicado a ti. Voltando a frisar, tudo é político.

Tendo em conta aquilo que presenciamos em “Aquarius” e agora com “Bacurau” e o facto de ter mencionado a “resistência” como um ingrediente-chave, pensa futuramente persistir no tema?

KMF: Penso em fazer três filmes bastante diferentes, que de certo serão influenciados com aquilo que está acontecer, porém, todos esses projetos serão sobre a História. À sua maneira, “Bacurau” é uma obra sobre o poder da História, sobre os factos. E principalmente para o Brasil, que não é um país muito velho, que conta com os seus 500 anos de existência, há uma condenação à História, assim como os museus são considerados hobbies de velho por grande parte dos brasileiros. Eu discordo disso, talvez por ser filho de dois historiadores, mas a minha mãe sempre frisou a importância das coisas e porquê elas o são.

E isso está no filme. Aliás, o museu tem um papel importante em “Bacurau”. A certa altura foi proposto a duas pessoas a hipótese de visitarem o museu e ambas recusaram.

Em “Bacurau” existe também uma certa veia anti-colonialista.

KMF: Acredito que a História repete-se vezes sem conta e de diferentes maneiras. Por exemplo, a União Soviética a invadir o Afeganistão, o processo colonialista do Reino Unido ao longo dos anos e até mesmo o Vietname pelos EUA. Aliás, pensamos muito no Vietname quando escrevíamos o guião – os americanos com todo um vasto equipamento que invadem uma região e nem sequer se preocupam em pesquisar antes da operação. Tal provoca uma situação desconfortável. No geral, o que estou a querer insinuar é que este tipo de confrontos tendem a repetir-se e a resistência é uma possibilidade, nem sempre bem-sucedida.

E com isso quisemos fazer uma fantasia, um filme sob os moldes de cinema de género onde as personagens lutam por aquilo que acreditam (que realmente acreditam). Sinto também, que de certa maneira, o facto de conhecermos aquela região e como as pessoas de lá realmente “funcionam” ou como pensam, serviu para que esta resistência embelezada seja credível o suficiente para atravessar a referência de género.

Em “Bacurau”, assim como em “Aquarius”, de certa maneira senti que tentam explorar aquilo que na Psicologia é apelidado de retorno do reprimido. O despertar dessas defesas que surgem quando algo é imposto contra a nossa vontade. Acredita nisso?

KMF: Sim, acredito. O que fizemos é o trabalho estruturalmente clássico, mas o que me interessa aqui é a alusão de alguém a impor-nos a realidade que não nos pertence. No caso de Aquarius é uma senhora de idade que vive num edifício fantasma, e para alguns essa estadia é um impasse de algo. Já em “Bacurau” é a forma de alguém supor que aquelas pessoas nada importam e acima de tudo são estorvos dos seus verdadeiros propósitos. Este tipo de temática encaro de forma intensa, é um forte ponto para iniciar uma história: “supostamente tu não deverias estar aqui“.

Em determinados momentos, “Bacurau” relembra-nos todo um vasto rol de cinema de género, inclusive do western spaghetti, quer na sua decoupagem ou no visual. Qual de vocês é o fã de Sergio Leone?

JD: Ambos. [risos]

KMF: Sim, nós dois. Aliás, acho que todos nós somos fãs de Sergio Leone. [risos]

JD: Julgo que no nosso processo de escrita, escrevíamos as cenas isoladamente e como estas iriam funcionar da melhor maneira. Para que pudéssemos perceber com antecedência a melhor forma de filmá-la e com isso encontrar a sua face mais divertida e dinâmica. E só durante a filmagem que descobrimos essas referências, anteriormente adormecidas no nosso inconsciente: “Oh, isto parece um western spaghetti. Oh isto parece pura ficção científica.”. Em oposição, nunca passou pela nossa ideia no estado embrionário do projeto em fazer uma mixagem do western ou outros elementos. Apenas são ideias, e com o nosso vocabulário cinéfilo a transformamos em referências. Apenas nasceu naturalmente.

KMF: Mas há aqui uma observação interessante, do qual não falamos até hoje, que é um trabalho de um nível mais profundo em termos da imagem de cinema, que é o facto de, na realidade, termos tido a posse de caras lentes panavision anamórficas da década de 70. Para nós, cineastas brasileiros, é gratificante termos ao nosso dispor um tipo de equipamento, responsável por um certo aspeto que apenas identificaríamos no cinema norte-americano. Uma determinada identidade.

Nos dias de hoje, tendo em conta a tecnologia digital, se não tivermos o cuidado devido, todos os filmes têm exatamente o mesmo aspeto visual. Com isto não estou a querer difamar a qualidade de uma câmara Alexis por exemplo. Mas quando chegamos a um festival e vemos pelos menos dez filmes de diferentes cantos do Mundo, filmados com o mesmo material, apercebemos o quão idênticos são. O que tentamos com isto foi transportar o espectador para umas décadas atrás, e trazer com o vintage uma sensação de novo olhar.

Não com isto afirmando que fomos totalmente bem-sucedidos em todas as cenas do filme, mas foi com este nosso empenho e recursos que atribuímos uma certa familiaridade a estas imagens. Talvez um pouco de Carpenter, Peckinpah, Vilmos Zsigmond, ou até mesmo Spielberg do tempo de “Close Encounters of the Third Kind”, que é uma espécie de imagem à americana …

JD: … até mesmo “Die Hard” [risos].

KMF: Sim, o “Die Hard” é um ótimo filme em termos de técnica.

Em jeito de curiosidade, a região de Pernambuco tem produzido um rol variado de obras de difícil classificação em comparação com o resto do país. Existe aí uma noção de distopia. Ainda há poucos anos assistimos a Reza a Lenda, de Homero Olivetto, que transformava essas paisagens pernambucanas num estilo pós-apocalíptico. Tendo em conta que filmaram lá “Bacurau”, o porquê desta região suscitar um cinema tão característico e, cada um à sua maneira, futurístico?

KMF: Primeiro de tudo, somos de Pernambuco. Contudo, é uma região com uma forte imagética cinematográfica que tem sido alvo de uma riqueza produtiva nos últimos 15 anos. O curioso disto é que está longe dos centros de produção audiovisual, que são no Rio de Janeiro e São Paulo, e que são mais orientados ao mercado mais comercial, especializado, por exemplo, em produtos televisivos ou comédias formatadas para Cinema.

Pernambuco tem-se tornado numa zona de prestígio, misteriosa e casa de inúmeros realizadores que têm gerado filmes muitíssimo interessantes. Claro, nem todos foram êxitos, muitos menos têm a pretensão de serem sucessos de bilheteira, com raras exceções como “Aquarius” ou os filmes de Gabriel Mascaro que têm sido bem recebidos em Berlim.

Diria mesmo que é um cinema muito estetizado.

KMF: Não diria estetizado, mas antes incomuns, fora de tom.

JD: Fora de tom é uma ótima caracterização!

KMF: Para além disso, são bastante autorais, desligando bastante das narrativas básicas e automatizadas, sem com isto assumir um lado experimental, porque a meu ver, até são obras bastante acessíveis, mesmo que alternativas.

JD: Os cineastas da nossa zona tendem em seguir uma direção autêntica, original. Eles valorizam isso. E valorizam de verdade.

KMF: Eu dei muitas masterclasses no Rio e São Paulo e algo que notei é que existe aí uma noção de agradar. O de tentar agradar o máximo possível. O de tentar ser popular.

JD: Já em Pernambuco é tentar ser diferente.

"Bacurau": Se for, vá na paz

Hugo Gomes, 17.10.19

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Há três anos, em plena passadeira vermelha do Festival de Cannes, Kleber Mendonça Filho e o seu elenco protestavam contra o impeachment que decorria na sua terra natal contra a ex-presidente Dilma Rousseff. O filme apresentado – “Aquarius” – não foi concebido como uma declaração direta dos factos, mas usufruia de um timing perfeito – e adquiria contornos de insurreição – ao mostrar a história de uma crítica de música reformada que tenta resistir a um despejo ilegal.

Em pleno 2019, no mesmo festival, Kleber e Juliano Dornelles brindam-nos com “Bacurau”, numa altura em que do outro lado do Oceano, o Brasil sai à rua em protesto contra os cortes no sector educativo. Novamente é o timing a fazer das suas, até porque em Bacurau existe uma cena-chave onde um camião despeja um amontoado de livros velhos à porta de uma escola, confundindo tal ato como um contributo à educação do homónimo vilarejo. Contudo, o par de realizadores decidiu não apresentar nenhuma declaração política no tapete vermelho, contrariando as expetativas de muitos que aguardavam uma forma de denúncia das políticas com que Bolsonaro tem ultimamente "afogado" em diversos setores brasileiros, nomeadamente, como referimos, o sistema educativo. Para Kleber e a sua equipa, o “filme chega”. Inteiramente politizado, é um festim de cinema de género que repesca toda uma tradição de muito cinema norte-americano de culto, nomeadamente o de John Carpenter.

“Bacurau” é o nome de uma pequena cidadela de Pernambuco, que partilha o seu nome com um pássaro noturno que se alimenta de insetos. Ambos os significados [localidade e ave] são imensamente estranhos, quer estéticamente, quer pela sua natureza discreta. No caso do filme, preservando essa estranheza, indiciamos uma espécie de distopia possível minada de dupla interpretação política nas suas ações. Sónia Braga faz aqui a sua aparição como Dona Domingas, a médica da vila, respeitando assim o estatuto de heroína brasileira que tem vindo a adquirir desde que se redefiniu em “Aquarius”. Aliás, ela é a mulher da verdade sem medos (isto numa metáfora à cultura do medo que o filme utiliza como atalho para a contemporaneidade brasileira), das frases dolorosas mas certeiras, da anarquia que funciona como gancho de uma iminente organização e, acima de tudo, enfrentando as forças antagónicas num perfeito jogo psicológico, cuspindo na cara dos adversários. Mesmo reduzida a um segundo plano, o seu espectro está lá para nos confortar.

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A dupla Kleber-Juliano decide regressar a estetização de “O Som ao Redor”, deixando-se levar pelo subversivo da narrativa e pela violência novamente feita como catarse de um país. Pois, é nesse cuidado visual que se assume desde o início como parceiro de série B, que "Bacurau" veste a sua capa de produto jubilante, inofensivo, aliás, como é aparentemente visto pelos habitantes desta cidade-título, que são correspondidos pela inscrição no letreiro da sua fronteira: “Se for, vá na Paz“.

Quanto ao enredo, que nunca renega a cumplicidade para com a narrativa visual, saltando pelas referências genéricas que tanto compõem as propostas de cinema de género do momento – do filme de cerco até ao western violento a la Sam Peckinpah, passando pelas incursões mais fantasiosas de Carpenter, e nunca esquecendo a ficção científica apocalíptica. Pernambuco torna-se aqui a terra de ninguém, sem oportunidades e de água escassa (este estado também era uma distopia na produção “Reza a Lenda”), o último reduto de um país vendido ao mercado ultra-capitalista de “estrangeiros”, e marcado pelo “sangue na guelra” que se expõe sem reacionarismo.

Subversivo, "Bacurau" é o reflexo do estado de fúria num Cinema que tenta encontrar outros meios para ser político ao invés de recorrer aos rótulos do “cinema político”, e – com isso – torna-se num filme de género como não há memória no cinema brasileiro recente. Poderíamos dizer que estamos perante um OVNI, mas citando aqui o ator germânico Udo Kier, a desempenhar um papel igual a si mesmo: “se queres ofender alguém, não uses clichés“. Não era a nossa intenção denegrir “Bacurau”, pelo contrário, por isso peço que não validem a expressão OVNI.

O meu Cinema é feito de Mulheres!

Hugo Gomes, 09.03.19

Não é só o dia 8 de Março que as mulheres devem celebradas, aliás, o dia da Mulher deve ser, sobretudo, normalizado. Todos os dias são dias de mulheres, e todas as mulheres fazem parte dos nossos dias. Como tal, eis o meu contributo, as mulheres especiais que integram o meu Cinema … digo por passagem, que são somente algumas.

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Os Melhores Filmes de 2017, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 03.01.18

Assim seguimos para a já habitual lista de 10 melhores do ano. Começo por referir que fora no geral um ano difícil de Cinema, onde a criatividade escassa e as ideias parecem cansados. Contudo, mesmo assim algumas obras destacaram nesta tremenda época de desilusões. Desde super-heróis adultos até derradeiros adeus a estrelas, passando por poetas motoristas e o sucumbir de gigantes monarcas. E já agora, o cinema português está de parabéns.

 

10) Lucky

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“Mesmo que Stanton aposte no “realismo” que acabara de definir (“realism is a thing”), e nas verdades entre indivíduos que nunca corresponde uma verdade absoluta, este cantinho transforma-se o seu Éden, prevalecendo memórias e garantido o merecedor descanso eterno. Isto acontece porque o sentido alterou com o contexto, a celebração aos vivos é agora uma dedicada canção para os mortos.”

 

09) A Fábrica do Nada

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“As Máquinas não podem parar, e o Cinema deve acompanhar todo esse processo de auto-sustentabilidade. A Fábrica do Nada, a quarta longa-metragem de Pedro Pinho, é esse conceito simultâneo de fazer cinema e falar de política, um retrato de um activismo em pleno passo de reflexão.”

 

08) Verão Danado

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“A verdade é que o cinema tem ido cada vez mais ao encontro dos mais jovens e, com isso rejuvenescido. E esse rejuvenescimento não é um fator que deva ser ignorado, nem sequer desprezado. Verão Danado exibe os dotes dessa tremenda juventude… até Nuno Melo, quando surge, cobiça esse tão inexistente elixir. Ó tempo, porque não voltas atrás?”

 

07) Logan

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A partir daqui, os filmes de super-heróis possuem o mais derradeiro desafio … ressuscitar após a cerimónia fúnebre cometida por Logan, assinada pelo nosso “tarefeiro” predileto, James Mangold. Hugh Jackman calça as garras pela última vez (assim ele promete) para se entregar de total alma a esta desconstrução, ao intimismo que remonta um classicismo cinematográfico bem ao estilo americano. A morte, essa, é apenas o dedo médio a uma das maldições do subgénero: a modelização a ser absorvida na linha de montagem.

 

06) Get Out

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“É fácil cair no erro de considerar Get Out em mais um arquétipo do "bate e foge" como tem sido claro no cinema deste género. Felizmente, os marcos do género aqui incutidos são um embuste, um disfarce para que Peele consiga difundir a sua mensagem através da sua "voz". Voz essa perturbada com o crescente temor sociopolítico que abraça os EUA pela discussão na "praça pública" de temas que se consideravam "enterrados" há anos. Sim, Get Out é um filme sobre o medo. E é também nesse medo que encontramos o ponto de ebulição e o lançamento de farpas às mob flash politicamente corretas que - à sua maneira - são culpadas pela crescente vaga de populismo e de idealismos do arco-da-velha.”

 

05) La Mort de Louis XIV

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Um objeto violento sobre a morte enquanto estado transgressivo. La Mort de Louis XIV é um filme sobretudo sobre o tempo, essa espera eterna pela queda de um gigante monarca, e o desconhecido que o atenta, a si, e aos seus entes e servos. Depois de três experimentações que resultaram em “híbridos” indigestos da linguagem dos atores, Albert Serra resolve apostar na sua primeira grande Obra (até que enfim um estilo encontrado), neste caso servente de um titã do cinema francês (Jean-Pierre Léaud) a mercê de novos “golpes”.

 

04) Paterson

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“Mas é nessa poesia que recorta os dias de Paterson, assim como a sua mente, uma ode às vozes estampadas nas palavras de muitos, e com especial atenção a obra de William Castle William até porque Paterson (cidade) é um signo da sua própria poesia, mesmo que não queira cair em citações de trechos do seu trabalho. Porque, parecendo que não, o filme de Jim Jarmusch já transborda, por si, essas palavras soltas, unidas numa precisa e bela onomatopeia. Como o filme, achamos que não há melhor maneira de terminar aqui do que citar, por uma última vez a personagem misteriosa: "Sometimes an empty page presents more possibilities".”

 

03) 120 Battements par Minute

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“Fora géneros e orientações, 120 BPM é um filme sobre a celebração da vida e o quanto queremos residir nesse “bailado”. Até a morte, maioritariamente induzida como assombração, revela-se uma celebração quando surge, anunciando a chegada de uma nova etapa. Se a vida é na realidade uma compostura de etapas, daquelas que nos comprometem com novos desafios, objetivos e porque não, amores,120 BPM usufrui desta metamorfose cíclica de forma a estruturar uma narrativa aberta, sem a recolha de moralismos-objetivos, mas o de simular a vida em mudança através do seu ritmo desalinhado.”

 

02) The Tribe

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Um filme-choque. É essa a verdade da sua natureza. Mas por vezes a provocação integra a experiência do cinema e porque não pensar que esta nasceu através da arte de provocar como o comboio filmado que assustou uma multidão na projeção de 1896. Enquanto isso, somos deslumbrados com uma lavagem ousada e politicamente incorreta de um filme ucraniano sobre a repreensão social, sobre as sociedades mantidas e vividas no silêncio que encontram na violência a sua liberta forma de expressão. É cliché dizer isto, mas ... é um soco no estômago.

 

01) Aquarius

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Aquarius é tudo num só, menos um "filme" no seu sentido mais simplista. É uma força de expressão filmada em estado de fúria, mas cuja cólera é registada com sapiência. Ao mesmo tempo é uma "mensagem numa garrafa", uma obra para perdurar para futuras gerações, assim como a cómoda que acompanhou todo uma árvore geracional de Clara. Um retrato subliminar do estado brasileiro que por sua vez conserva a riqueza da cultura de Recife e imortaliza Sónia Braga como a maior das divas do Brasil. Será muito cedo para falar em obra-prima? Muito bem, arrisco em declará-lo como tal. Que venha então a primeira pedra.”

 

Menções honrosas – The Little Men, São Jorge, Ma Vie de Courgette, Silence, War of the Planet of the Apes

Na balada de Sónia “guerreira” Braga

Hugo Gomes, 24.05.16

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Aquarius” responde-nos com exatidão às nossas mesmas expectativas. Derivada da situação atual da política brasileira, o “impeachment”, o golpe de estado, é possível fazer leituras desse género neste grande regresso de Sônia Braga ao cinema. Mas vamos por partes.

Clara (Braga) é uma jornalista e escritora conceituada que vive no apartamento que a viu nascer e crescer, situado no outrora grandioso Edifício Aquarius. Porém, ela é a última habitante dessa estrutura visto que todos os outros foram aliciados e persuadidos por uma construtora com planos para o mesmo edifício. Mas Clara é “sangue-quente”, temendo deixar para trás todo um conjunto de memórias vividas naquele mesmo local, mesmo sendo pressionada pela construtora, ela resiste e insurge-se contra os mesmos naquele “edifício-fantasma”. Em “Aquarius” existe um forte sentimento de que algo antagónico, uma catástrofe, está iminente. Kleber Mendonça Filho desfruta das mais variadas nuances de diferentes géneros para germinar o seu “aquário”, uma metáfora evidente sobre a corrupção e o envolvimento furtivo dos lobbies na sociedade que não restringe à mera canção do “coitadinho”, nem ao agora vendido registo do “favela movie“.

O filme cenicamente é interligado com o anterior “Som ao Redor”, onde o pano de fundo ganha imersão nas suas personagens; aqui, o edifício abandonado – e por vezes “abalroado” por forças amorais e corrompidas (existem sim ataques à indústria pornográfica, o jogo de “favores” e até mesmo à “infestação” do evangelismo como golpe dominador político) – adquire a relevância de uma personagem. Sônia Braga complementa esse ambiente “vivo”, tornando-se na alma de um ser inanimado. Que alma é esta?

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Mas por detrás desta Clara, a já maior heroína do cinema brasileiro, existe um “grande homem”, Kleber Mendonça Filho, que injeta nesta viagem repartida em três capítulos uma subversiva carga política. A acidez da crítica poderá ser comparada com a mera metáfora. Aliás, são estas alusões que nos sentimos seguros face a eventuais propagandas, até porque Mendonça Filho sabe difundir uma mensagem, sem a utilização do óbvio, nem sequer de cair nos devaneios do onírico. Essa frontalidade, nada inquisidora, encontra-se no próprio espaço de Clara, como é evidente na sua sala em determinada cena, onde o filme acumula tamanhas “provocações” ao Brasil “politicamente correto” que muitas entidades desejam construir. Entre a invocação, sem raiz aparente, surge a menção da homossexualidade, a amamentação (um ato completamente natural que tem sido atacado como um atentado ao pudor) e ainda a limpeza de bebés (uma rara imagem de cinema realista), que fundidos tornam num quadro de sacrilégio para esta cultural tão moralista, este “aquário” social estabelecido.

“Aquarius” é tudo num só, menos um “filme” no seu sentido mais simplista. É uma força de expressão filmada em estado de fúria, mas cuja cólera é registada com sapiência. Ao mesmo tempo é uma “mensagem numa garrafa”, uma obra para perdurar para futuras gerações, assim como a cómoda que acompanhou toda uma árvore geracional de Clara. Um retrato subliminar do estado brasileiro que por sua vez conserva a riqueza da cultura de Recife e imortaliza Sônia Braga como a maior das divas do Brasil. Será muito cedo para falar em obra-prima? Muito bem, arrisco em declará-lo como tal. Que venha então a primeira pedra.