O Vale era do Cinema ...
Existe algo que une esta auto-assumida epopeia do faroeste de Kevin Costner com “Megalopolis” de Francis Ford Coppola: ambos são projetos de “vaidade”, fruto da própria ambição dos seus criadores que decidem, dessa forma, preservar a sua liberdade, pagando a produção do seu próprio bolso. São também obras de risco, capazes de levar os seus mentores à falência, mas isso é outra história. Contudo, há que indicar também que “Megalopolis” e este “Horizon” são as últimas criações de homens que já não se reveem nas suas indústrias, nem sequer no cinema que os albergou durante muito tempo. Recordo, por exemplo, das inúmeras críticas dirigidas à última produção de Coppola em que o “apedrejaram” por ser um “velho homem branco” na batuta da sua culpa - até que ponto nos tornamos tão idadistas assim?
Mesmo não tendo ainda visto “Megalopolis”, é garantido e sabido que algo os separa: Coppola não é Costner, nem Costner é Coppola, e dentro dessa balança, nunca cedendo ao poder do saudosismo, Costner perde sempre em comparação. É, enquanto realizador, à imagem do seu perfil enquanto ator, um homem popular dirigido à população; portanto, é cinema popular que, sem dúvida, tem praticado e com isso alcançado um certo estatuto (até um Óscar venceu nessa categoria, ultrapassando no mesmo ano Scorsese, Frears e até Coppola). Só que entramos em contradição com o termo “cinema popular”, porque “Horizon: An American Saga” - sendo que esta primeira parte nos dá esse sabor - não é cinema, não tem imagens de cinema ou o que lá pode ser compreendido, é televisão, pomposa televisão ao sabor das febres do ouro encontradas com os Yellowstones desta vida, aqueles “Dallas com orçamento” que nos querem vender a ideia de cinema para pequeno ecrã. Pois, é nesse efeito que deparamos com “tv para grande tela”, e a narrativa parece perceber isso desde o início, chegando até deliciar-nos com um teaser no final como um gancho para a sua segunda parte (convém sublinhar que estão programadas quatro partes), reafirma essa televisionada cinematografia.
Para que conste, houve uma autêntica transformação da linguagem televisiva ao longo dos últimos anos, e atualmente quando referimos a televisão, não nos limitamos somente às grelhas televisivas, mas também à base da programação de streaming, onde colidiu maiores orçamentos, a transição de atores exclusivos do cinema para esse mundo e um amplo abraço a outro tipo de planificação, mais aberta e geral, conjuntiva até, mas sem nunca perder o pio às restrições do seu espaço de projeção. Em “Horizon: An American Saga”, nunca detemos um plano que se compreenda no reino do cinema do grande espetáculo, tal como o Oeste selvagem que se apresenta nesta reconstituição, tudo parece estar conquistado por essa linguagem televisiva, e quanto maior o plano, maior uso do drone se aventura. O restante é uma narrativa que, como mencionado, não foge das teias de enredos em lume brando (há que render e render o tempo), com traços telenovelescos e personagens em "working in progress" para futuros clímax (a promessa do seguinte episódio).
Assim, ficamos com três horas que nos soam a episódios liquidados, o sonho de horizontes a serem explorados, e histórias de uma América em modo expansão por ainda contar, com Kevin Costner, também ator, no centro da multi-intriga que em outros tempos poderíamos apelidar de narrativa-mosaico. Porém, o que de brilho tem este western moribundo (Clint Eastwood enterrou um género que já na altura se encontrava mais para lá do que para cá em “Unforgiven”, em 1992, o que se seguiu foram reinvenções esporádicas e desconstruções) é o seu retrato ambíguo, nada devedor ao politicamente correto que hoje impera. Tendo em conta a crítica refém do discurso “homens velhos brancos fora do cinema”, para depois nem um plano conseguirem identificar, e porque sabendo que “Horizon: An American Saga” não é cinema, e definitivamente não é nem será, não impede o direito de Kevin Costner ter o seu gesto culminar, o seu canto do cisne e, porventura, o género que homenageia. O problema é o resultado, e disso não nos livramos.