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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O Lugar da Mulher é na realização! Arranca o 2º Screenings Funchal Festival

Hugo Gomes, 01.06.23

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Iniciado em 2017, o Screenings Funchal é uma iniciativa cinematográfica madeirense que visa enriquecer esse panorama no Funchal. Até à data, foram mais de 200 filmes exibidos, oriundos de mais de 30 países, contando obras-primas, cultos, redescobertas ou êxitos improváveis, tudo em nome do cinema e a sua arte de partilhar e de ver o Mundo, sistematicamente em todos os fim-de-semanas. 

Contudo, o evento sucedâneo deu origem a um festival, uma mostra cinematográfica fora do âmbito convencional do que se predomina ser festival de cinema. Ciclos temáticos que não só vieram para fortalecer a proposta em si como também criar pontes imaginárias unificadoras da ilha com o cinema, seja lá qual for, longe dos catálogos mainstreams e supra-vendidos que preenchem multiplexes no continente. À chegada da segunda edição o Screenings Funchal Festival (do dia 2 a 24 de junho), seguimos numa pequena viagem pelo cinema assinado no feminino; de Vera Chytilová, a “mãe da Nova Vaga checoslováquia", a Kinuyo Tanaka, a sensação nipónica na distribuição portuguesa deste ano, com paragens em Kelly Reichardt, na consagrada e irreverente Chantal Akerman e a promissora Eliza Hittman. Mulheres, e além disso, cineastas a conhecer ou revisitar, gestos e olhares para além da delicadeza e da serenidade. 

Para conhecer melhor este festival, o Cinematograficamente Falando … conversou com Pedro Pão, programador, dando luzes à programação, aos propósitos, aos desafios e mais que tudo, ao Cinema [toda a programação poderá ser consultada aqui].

Visto que o Screenings Funchal é uma iniciativa que corresponde a sessões correntes em quase todos os fim-de-semanas, o que difere este intitulado Screenings Funchal Festival da periódico evento que os cinéfilos do Funchal estão habituados?

Na nossa actividade regular semanal, trabalhamos essencialmente com obras com distribuição portuguesa. O Festival Screenings Funchal além do número superior de filmes exibidos (8 em vez de 4), permite-nos construir uma programação com menos “restrições” e trabalhar com distribuidoras internacionais se houver necessidade disso e ter cá convidados que possam contribuir para o enriquecimento da experiência cinematográfica e de certa forma minimizar, mesmo que por breves momentos, a nossa condição ultraperiférica.

Este Screenings Funchal Festival posiciona-se na casa feminina, numa mostra que compreende cinco cineastas / realizadoras. Quais foram os critérios de seleção das oito obras e das suas protagonistas?

A primeira parte da seleção definida foi o ciclo. Dada a frequência pouco habitual do festival, um ciclo parece-me dar alguma coesão ao mesmo e minimizar de certa forma o espaçamento existente entre as sessões. Soube o ano passado que a The Stone & The Plot ia exibir em Portugal o ciclo da Kinuyo Tanaka e pareceu-me importantíssimo não só que as obras viessem ao Funchal mas que fossem o pilar central desta edição e que se usasse a promoção adicional à disposição para promover estas obras e chegar ao maior número de pessoas possível. Ajudou que o feedback do público tivesse sido muito positivo quando exibimos o ciclo Mestres Japoneses Desconhecidos I

Um dos critérios principais é exibir filmes que não tenham estreado no Funchal e nesta segunda parte da programação procurei que os filmes cumprissem isso e que comunicassem de certa forma entre si e com o ciclo. Acho que em todos os filmes há um olhar feminino sobre questões que me parecem extremamente pertinentes e que apresentam uma abordagem única (sem falar na óbvia qualidade artística das obras) pelas suas autoras. Apesar das limitações da programação, procurei tematicamente ter diversidade e universalidade nas lutas das protagonistas, achando importante que essas lutas não se restringissem a uma época específica. Procurei algum distanciamento temporal entre elas. Começamos na década de 60 com “Daises” e acabamos em 2020 com “Never Rarely Sometimes Always”. 

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Daisies (Vera Chytilová, 1966)

Uma das coisas que gostaria de conseguir transmitir é a sensação que há muito trabalho a fazer. Noutro formato teria sido possível pensar as coisas de outra forma, mas neste e em torno destas obras da Kinuyo Tanaka pareceu-me fazer sentido assim. Vamos ver como corre e qual será o feedback do público.

O festival apresentará 4 obras de Kinuyo Tanaka, e receberá o investigador Miguel Patrício [para apresentar a palestra intitulada “Quem és tu, Kinuyo Tanaka?”], que foi um dos responsáveis por trazer o integral da cineasta nipónica ao circuito comercial nacional. Gostaria que me falasse destes gestos que vão além da distribuição convencional, e enquanto coordenador de um festival, os desafios que estes filmes (e outros) possuem para vingar nas telas além do ambiente de festival de cinema?

Só posso (tentar) responder a esta questão refletindo sobre a situação particular da região. Não me sinto habilitado a tentar responder acerca desses desafios em Portugal Continental apesar de ter uma ideia de como as coisas correm por aí. Não temos festivais a “roubar” público às salas porque a realidade local é outra. Quando os festivais que já existiram no Funchal tinham antestreias, os filmes regra geral não estreavam cá depois.

Simplesmente não havia espaço para cinema, excepto animação e blockbusters. Durante algum tempo, por exemplo o Madeira Film Festival que decorria uma semana por ano, era a única hipótese de quem queria ver este cinema poder fazê-lo. Um dos desafios principais é fazer com que as instituições locais repensem a forma como pensam o cinema. Aqui parece-me que primeiro se pensa no impacto económico, depois no turístico, depois ainda virá certamente o educativo e o social (a arte pela arte parece-me ser um conceito alienígena por estas bandas) antes de se pensar no impacto cultural. Creio ser essencial que certas instituições (que têm poder/dever para apoiar, dinamizar e divulgar) comecem a ver o cinema como um acto de cultura e isso infelizmente não me parece que seja o caso.

Mas ainda assim no que diz respeito a desafios, acho que temos é de olhar ao espelho. Continuo a achar que o grande problema é a falta de curiosidade do público. Acho que há um grupo pequeno de pessoas a trabalhar muito para distribuir filmes fora dessa distribuição convencional, tal como há um grupo pequeno de críticos a trabalhar muito, a escrever e a fomentar discussões muito importantes sobre estas obras e que do outro lado há uma enorme massa de pessoas que só quer ver aquilo que conhecem e aquilo que já viram e que não parecem minimamente cientes das discussões que este cinema tem para oferecer.

A importância de eventos cinematográficos deste género fora, além das metrópoles, do Portugal continental?

A insularidade é uma coisa tramada, e não duvido que seja equivalente ao que ocorre fora das grandes cidades no resto do país. Um madeirense ir a um festival de cinema tem custos astronómicos. É um luxo. E por vezes não tem hipótese de ver os filmes de outra forma. E acho que não devia ser assim. O streaming devia ser um último recurso, ou um complemento, e nunca a única solução possível. Acho importantíssimo e perfeitamente exequível que houvesse articulação entre entidades locais e alguns desses festivais de forma a que se tornasse mais fácil para os madeirenses (e todos aqueles de certa forma isolados geograficamente) de acederem a esses eventos, por exemplo através de extensões. E tenho a certeza que haveria público, se as coisas fossem feitas com discernimento, em locais onde estivessem garantidos conforto e qualidade de projecção e onde se colocasse em primeiro lugar o impacto cultural das iniciativas e não deixando o imperativo económico dominar. Acho que esse investimento teria repercussões brutais a todos os níveis.

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The Eternal Breasts / Para Sempre Mulher (1955)

Ambições para o futuro? Quais outros signos a explorar em eventuais novas edições do Screening Funchal Festival?

Conseguir mais apoios do que temos seria muito benéfico e iria permitir eventos com outros formatos (cineconcertos por exemplo) e trazer mais realizadores e outros convidados que pudessem enriquecer de alguma forma a oferta existente, porque esse contacto faz-nos falta e acho que é importante. Não sei, no entanto, se poderia classificar esse desejo de uma ambição para o futuro. É que já lá vão 6 anos e o reconhecimento ao que tem sido feito nestes anos geralmente vem de fora. Temas a explorar? Anteriormente referi a falta de curiosidade e como reação a isso, estou constantemente à procura de algo que provoque uma reação (boa ou má) nas pessoas. 

Gostava de num futuro próximo me focar no género de terror, que me parece ter muito má reputação em Portugal (incluindo na própria crítica), e mostrar que é um género com uma grande variedade e riqueza cinematográfica, como todos os anos o festival MOTELx bem nos mostra. Para o ano, havendo uma 3º edição do festival gostaria imenso de dedicar um ciclo ao John Waters. Estou convencido que o “Pink Flamingos”, em exibição articulada com as escolas secundárias, universidade e decisores políticos pode ser a chave para despoletar não só uma renovação de público em massa aqui no Funchal como para nos desbloquear novas formas de apoio financeiro.

Alfinetes e Agulhas

Hugo Gomes, 17.07.22

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Certain Women (Kelly Reichardt, 2016)

 

“In any thought you put down, what you’re seeking is truth: what is the most believable fact and where is the end?”

Manny Farber, Farber on Film

 

Escrever sobre escrever sobre cinema deveria começar, primeiro que tudo, por olhar para o que chamamos de ‘crítica’ e como essa acção é apenas e só um acto em si mesmo, ou se pode e deve dizer respeito a toda a prática. São múltiplas as tradições da crítica de cinema, e com o avançar dos tempos novas e iluminadas maneiras de pensar o cinema têm surgido. Com o fim de a obter, há o que sempre entendi enquanto instrumentos, as tais ‘reviews’ que têm como principal objectivo a avaliação, e nestes últimos anos indefiníveis, esta tem-se vindo a tornar ainda mais extrema (no sentido de descabida; uma explosão responsiva ao binge-watching), de uma quantidade inacreditável de filmes, que por vezes surgem acompanhadas pelos célebres quadros de estrelas que neste momento só ajudam o leitor a não ler o texto. Com base no tipo de extremismo estanque dos críticos autores da Cahiers du Cinéma e seus sucessores (uma certa masculinidade vaidosa e desenfreada) que mereceu a atenção de Pauline Kael no ensaio Circles and Squares em 1963, o ofício da crítica continua a denunciar-se domínio de uma competitividade de tal forma erosiva que se prova diminuidora de potencial. 

Se o trabalho do crítico foi alguma vez só o de sancionar (daí o terem afastado do sexo oposto?), então não era de crítica que se tratava. A crítica enquanto definição sempre teve os mesmos pontos de contacto: conseguir, em poucas palavras, limar uma obra; conseguir encontrar uma fenda de frescura, até nos filmes que se revelam mais falhados; estar aberto à política das relações criadas entre frases escritas; e talvez o elemento mais importante de todos, fazer um trabalho veloz e incisivo de curadoria de cinema. É bizarro esse mundo da crítica que se veste de eixo de autoridade, onde a presunção que dele escorre não consegue sequer redirecionar as suas intenções para algo positivo, acabando por olear o millieu cinéfilo. 

Com a mudança dos tempos, nomeadamente com a entrada de rompante das plataformas de streaming nas nossas vidas, o excesso de oferta diminuiu o valor tanto dos filmes como da crítica destes. Com esse excesso e as multi-vozes que a internet muito rapidamente veio colocar no radar, ao ponto de este se ter vindo a partir, é sintomático agora um desinteresse em saber sequer no que se tornou a crítica de cinema. “(…) estes são tempos confusos. Sentimo-nos arrasados. Podemos passar meia hora a percorrer uma plataforma de streaming, deslumbrados pelo número e pela escolha.”, explicou-me o curador e realizador Mark Cousins o ano passado. Para lá da exigência económica de fazer o registo do que estreia e “aparece”, o papel da crítica tem-se vindo a moldar num guia. “Curadores e cartazes sinalizadores são vitais. Eles dizem ‘experimenta isto, podes gostar’. Providenciam um menu de degustação, ou para misturar metáforas, eles contam uma história do cinema.”, continuou Cousins. A crítica pode e deve continuar a ser um fim em si mesma. Aliás, nunca antes pôde a crítica redefinir-se como agora. E é de notar os momentos em que, no meio de tantas palavras balbuciadas, esta ainda consegue respirar autenticamente quando existe enquanto escrita e tenta figurar a localização da memória do cinema que começa a vaguear assim que dele se sai. 

Dito isto, ainda existe um tipo de texto que se interliga com a feitura da escrita, ou noutras palavras, com a intensificação que a poesia cinemática exerce quando marinada. Nunca são nomes de pessoas, e nem têm que ser opiniões específicas, mas em vez disso maneiras de o fazer; as impressões digitais que certas passagens nos deixam, onde existe uma inegável conquista de gestos nas ondulações entre palavras e pontuação. A crítica que mais aprecio é a dos não-críticos de cinema (sempre com a excepção de Manny Farber, claro) que a escrevem sem se aperceberem. 

“(…) What compels her work is process, getting-there, the in-between, the-how-it’s-done, the sheer effort it takes to be human, to slide open a barn door, to get warm when it’s cold, to drive through the night, to express what one doesn’t have words for (…)”, diz-nos Durga Chew-Bose, num ensaio sobre Certain Women, de Kelly Reichardt

Juan, his mouth fixed in a pout—sometimes he sucks on his tongue, as if it were a pacifier—doesn’t take his eyes off the street. He can’t afford to; this situation, any situation, could be changed in an instant by a gun or a knife.”, diz-nos Hilton Als, após ter visto Moonlight, de Barry Jenkins

Ao contrário da ‘review’ tida enquanto produto final, estes testemunhos são sanguíneos, têm uma fluidez incontestável; é o cinema enquanto eco dos tempos, enquanto transferência empática sobre a vida e como todos nós nos relacionamos ao a exercitarmos. Já para não dizer que marcam, como muito poucos outros textos, o que deveria ser o objectivo da prática: confirma-nos que o filme não foi ignorado. Independentemente das palavras usadas, foi escolhido para ser pensado. Ao contemplar o objecto com a distância permanente da avaliação, ou melhor, com o desejo constante de contemplar gestos e fragmentos só para os pesar, perde-se o tilintar daquilo que cai dentro de nós, a forma como a literacia visual é aprofundada ou não. 

Se pensarmos bem, ser um crítico nem sempre é ser um escritor. Mas ser um escritor é sempre ser um crítico. Os escritores são obrigados a criar a gramática das ligações que florescem no papel. Só interiores, a mascararem-se de superfícies. A crítica que repensa a história do cinema e a vai engordando deve ser escrita por um escritor para que, como quem peneira farinha, seja retido que uma ida à sala de cinema em nada tem a ver com a sala. É o movimento ascendente, os pés no asfalto, o curvar com as ruas específicas da cidade, a forma como o sol bate nas casas enquanto caminhamos em direcção ao edifício. Ou seja, para que consiga reunir e decifrar tudo o que fica por explicar. 

Nestes termos, ensaiando os seus argumentos de forma precisa, em direcção a uma verdade, a sua verdade, um importar da dinâmica do filme para o papel é, em teoria, realizado. Aí, dentro desse importar, decorre uma espécie de contaminação, e o crítico não é nada mais do que o agente dela, no transporte dos alfinetes e das agulhas da possibilidade - oscilações ora de euforia ora de neurose em tempos de capitalismo tardio. Pensem num electrocardiograma, metade desejo metade soro da verdade, à vista de todos, e sem fim. Do pontilhismo à imagem, nunca só uma realidade é alcançada. Há múltiplas, e podem ou não trabalhar em uníssono. O que as une? Escrever sobre cinema também é  fazê-lo.



* Texto da autoria de Susana Bessa, jornalista e crítica de cinema da À Pala de Walsh e do Público, tem um mestrado em estudos fílmicos da Goldsmiths College, e foi um dos Berlinale Talents 2022, no Talent Press.

Movimentos noturnos ou como a culpa abala moralidades

Hugo Gomes, 15.07.14

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Na teoria, os três ativistas-protagonistas são os heróis intervenientes que atuam na marginalidade que o mundo atual precisa urgentemente. No entanto, em "Night Moves" (não confundir com a homónima obra de Arthur Penn) é difícil criar empatia com este mesmo trio. A sexta longa-metragem da realizadora Kelly Reichardt remete-nos para um grupo de ativistas radicais com planos para fazer explodir uma barragem que, segundo estes, é o primeiro passo para impedir a rápida escassez e destruição do oceano. Porém, por mais ativistas que sejam, estes esquecem-se de que são, acima de tudo, meros humanos (e talvez inexperientes no ramo), emocionalmente fragilizados e conscientemente instáveis.

O que começa como um thriller perspicaz, delineado sob alguns contornos hitchcockianos, depressa se converte numa melodia de culpa, um eco consequencial dos atos ambíguos. As mensagens ecológicas (existe uma curiosa sequência de uma corça prenha defunta cujo seu "rebento" ainda vivo transmite uma metáfora de tal natureza ao espectador - o nascimento de novas gerações num "mundo" destruído e insustentável) são assim invocadas como macguffins deste grupo de personagens, condenados desde o início a prevalecer numa sociedade ditada pela relevância e influência dos media e da opinião pública, que por sua vez dita os contornos da consciência individual. E é nisso que "Night Moves" funciona, não como um ensaio cinematográfico sob o mote de Al Gore, mas como um reflexo das causas, dos atos e da intervenção não como um bem individual, mas como um dispositivo para a autodestruição do mesmo. Sob sinais, é fácil identificar a evolução das personagens, meros "tubos de ensaio" num biótopo conduzido em tais elementos.

Quanto à estrutura, dentro do cinema de Reichardt, "Night Moves" é capaz de surpreender pela forma como conduz a narrativa, desafiando a sua própria marca, onde o percurso, em “lume brando”, é mais importante do que o destino. Neste caso, o destino é-nos dado de forma reveladora, mas é evidente que os caminhos trilhados são mais entusiasmantes do que a dita chegada. E é sobre esse caminho que a realizadora, argumentista e também editora, implanta uma sonoplastia aguçada em equilíbrio com uma fotografia misteriosa, tudo isto funcionando em cumplicidade com um poder de sugestão que a cineasta valoriza em vez do tom mais explícito dos cânones do thriller.

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A juntar aos elementos técnicos, narrativos e morais (neste aspeto a discussão será imensa), "Night Moves" valoriza-se igualmente pelo empenho dos três protagonistas, com Jesse Eisenberg a abandonar o seu reconhecível maneirismo e deixar-se ser conduzido numa melancolia denunciadora, que, sob pequenos pormenores, desafia o espectador a decifrar a sua psique e uma dualidade transgressiva. Quanto a Dakota Fanning, a pequena e outrora aclamada "prodígio", parece a passos largos de abandonar a imagem de "menina talento", agora já formada, a apostar em papéis mais maduros e negros. Por fim, Peter Sarsgaard, num desempenho arrepiantemente envolvente.

Assim, Kelly Reichardt assenta num filme complexo, mais do que estruturalmente aparenta. Um exemplar frio e por vezes calculista sobre a negra natureza humana, servido de uma qualidade técnica, referências cinematográficas de requinte e a conduta dos três protagonistas em construir personagens desagradáveis mas sob desempenhos sólidos. Tendo em conta a essência de "Night Moves", o Homem é capaz de tudo, até mesmo de tecer a sua própria moralidade.