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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A genialidade do absurdo em "John Wick"

Hugo Gomes, 14.05.19

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Durante a sua conceção, a primeira imagem revelada pela produção de "John Wick: Chapter 3 - Parabellum" mostrava a homónima personagem de Keanu Reeves montada num cavalo a ser perseguida por motoqueiros. Esta determinada cena repesca a memória do hoje pouco mencionado "Adaptation" (2002), obra da autoria de Charlie Kaufman e com direção de Spike Jonze, onde uma das personagens de Nicolas Cage (que interpretava gémeos) entrava para o universo dos argumentistas esboçando um guião aparentemente ridículo, mas que postumamente é aclamado como matéria de génio. Nesse trabalho fictício, a figura referia uma perseguição entre equinos e motas, como alusão a uma disputa entre carne e máquina. Era uma absurdidade, até mesmo para os parâmetros da megalómana indústria norte-americana, mas agora podemos afirmar estarmos gratos por simplesmente testemunhar esse pedaço materializado.

"John Wick: Chapter 3 - Parabellum" é, de forma a apropriar da linguagem cibernética, um “upgrade” de um franchise iniciado em 2014, que na altura era visto como um ligeiro filme de série B sem pretensões para continuações nem universos partilháveis. Era a história de um assassino contratado, reformado, que regressava ao jogo numa demanda de vingança aos mafiosos que mataram o seu cão, num projeto que vinha preencher um vazio deixado pelas ações cada vez mais decoupadas nos EUA. Não existia aqui nada de novo pois a ação “one-shot” já era algo tão presente no cinema asiático e muito mais no dito "made in Hong Kong". Contudo, esta reciclagem resultou numa brisa fresca numa uma linha americana de montagem bafienta, compensando o enredo fácil e os hinos à masculinidade tóxica (sim, porque para os responsáveis era mais fácil vingar a memória de uma mulher do que nutrir sentimentos por um animal). Mas também não devemos esquecer outro factor de sucesso - Keanu Reeves - que se prestava a uma personagem tão própria que se chegava a confundir com a sua "persona".

Depois de feita a jornada sedenta de revolta, chegou um segundo filme que expandia o enredo, continuando a salientar o universo onde Wick se insere. O resultado era mais estético, ousado em comparação com a sua singela crisálida, e acima de tudo, perdendo, pouco a pouco, as amarras do dramalhão justificável. “John Wick 2” usufruía do ecossistema burocrático sugerido no filme inaugural de 2014, o dos códigos de honra entre assassinos e as transações de favores como moeda de troca, e ao seu jeito, assumiu-se como um herdeiro do conceito de “Matrix” das irmãs Wachowski. E o filme parecia reconhecer esse feito, brincando por entre referências e relações meta entre as personagens. A tal ponto que Laurence “Morpheus” Fishburne voltava aqui a trabalhar com Keanu “Neo” Reeves.

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Chegando ao terceiro tomo, a fim de fechar o "cliffhanger" que o bem-sucedido segundo filme deixou (John Wick "excomungado" pela irmandade dos assassinos e com a cabeça a prémio), e deparamo-nos com um paradoxo entre a genialidade e o absurdismo. Não só pela referida sequência entre cavalos e motos, mas pelo cuidado visual e coreográfica das cenas de ação, tão minimalistas e ao mesmo tempo tão excessivas. O expoente máximo desta fuga de John Wick é uma equação de elementos oriundos do cinema "trash" e do outrora “diretos para VHS” da dinastia Cannon. Está aqui tudo: ninjas, artes marciais, tiroteio com fartura, tudo orientando em prol de diálogos breves e carrascões, num ensaio de sucessões sobre sucessões de todo um imaginário da ação cinematográfica.

Não é que aqui o proposto seja um culminar do género: "John Wick 3" é, acima de tudo, a reivindicação de um tipo de cinema que caiu no registo da seriedade e coerência física e emocional, perdendo a megalomania dos seus esforços e assim, obtendo senso de um "camp" disfarçado. Há algo quase autoral na conceção destes aglomerados de ideias absurdas tidas como peças de algo operático. Não esperem os dramalhões do costume, ou saudosismos mercantis, este é somente um exercício estético e de uso da força no grande ecrã.

Minimal e destrutivo, ao terceiro filme, o "John Wick" supera-se a si próprio. Longa vida a Keanu Reeves e ao seu simplismo tão verídico.

Por entre os últimos “homens de barba rija”

Hugo Gomes, 03.03.17

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Depois da velha cantiga do “homem de barba rija” que o antecessor possuía (aquela psicologia barata de que um homem não pode nutrir sentimentos por um animal, condenou a simplicidade da ação em um statement a uma fantasia de masculinidade), esta sequela avança num tom despreocupado, mas igualmente estilizado e quase ritualista perante uma subversiva distopia.

Não há que enganar, este é o produto de ação do cinema recente que mais próximo se encontra do fenómeno “Matrix” (e não é só pelo ajuntamento de Keanu Reeves e Laurence Fishburne que replicam aqui diálogos de “pílulas”, neste caso concreto, decisões). É a manipulação da realidade, traiçoeira à nossa percepção que funcionou como o melhor elemento do primeiro filme, e aqui o trunfo desta sequela de agenda. O submundo dos hitmans, altamente organizados por oligarquias e regras sob regras, contratos e até poder monetário próprio, a relevância desta camada no quotidiano que julgávamos ser … simplesmente o “nosso” quotidiano, refletem, como é figurado numa das sua sequências de ação, a alma deste projecto.

A Reeves é devolvida a sua aura de heroi de ação, um protótipo evolutivo da imagem estendida dos anos 90 até à transição do novo século. Este “John Wick” é o novo Neo, o heroi de ação dedicado a uma geração habitualmente pobre nesse registo. Esta “sequelite” serve como um upgrade elegante ao primeiro tiro de 2014, que igualmente não foge das evidentes cuspidelas dramaticamente “enfáticas” que tentam atribuir um teor de tragédia a este assassino em saldos e em constante “vício de vingança“.

Como continuação, largando as amarras introdutórias, “Chapter 2" opera, sem intervalos, num ensaio de pancada que salienta, sobretudo, as mestrias da edição e da coordenação entre cenas. Chad Stahelski, o realizador que ficou, declara amor a Matrix e ao legado deixado por esse frenesim cyberpunk dos irmãos Wachowski no cinema de género (com isto, sem nunca requisitar o “bullet time” e outros maneirismos estilísticos). O tributo é feito na recriação da sua filosofia de pacotilha, envolvida numa ode à violência hiperativa e a adrenalina artificialmente induzida, assim como referências visuais (Reeves e McShane dialogado na praça, tem tanto de Neo e a Oráculo).

Contudo, as menções não terminam aqui. “Chapter 2” reserva-nos uma homenagem direta a um dos mais letais e tenebrosos assassinos do Cinema, “Django”, com a entrada de Franco Nero em cena. Vendo bem as contas, porque não encarar esta nova personagem de Keanu Reeves como um “prodígio” sanguíneo da célebre encarnação de Franco Nero

Um novo Matrix?

Hugo Gomes, 21.02.17

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Depois da velha cantiga de "homem de barba rija" que o antecessor possuía (aquela psicologia barata de que um homem não pode nutrir sentimentos por um animal, condenou a simplicidade da acção em um statement a uma fantasia de masculinidade), a sequela avança num tom estilizado, quase ritualista perante uma subversiva distopia. Não há que enganar, este é dos filmes de acção recentes que mais próximo se encontra do fenómeno Matrix (e não é só pelos ajuntamentos de Keanu Reeves e Laurence Fishburne).