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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Todos a bordo! O comboio do leste prossegue para a 8ª edição do BEAST IFF!

Hugo Gomes, 05.06.25

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Cestovatel (Veronika Jelšíková, 2024) / East Wave Competição Oficial

Depois da Estónia, o “comboio” BEAST IFF chega à sua oitava paragem – e nesta estação, não há um país de honra, mas a bússola continua virada para dentro, para a própria essência do festival. BEAST vira-se todo para ciclos: de mudança, de memória, de descoberta, de resistência, a renovação como mote e destino a atingir. Em formato cápsula, entre os dias 6 e 8 de junho, o cinema do Novo Leste regressa ao Porto com programação no Batalha, Trindade, Passos Manuel, OKNA, Reitoria da Universidade do Porto e outros pontos de encontro e partilha.

A sessão de abertura traz ao grande ecrã “When the Phone Rang”, de Iva Radivojević, onde uma importante chamada telefónica leva o seu protagonista a questionar a sua identidade e história. Mas este é só o primeiro aceno. O programa segue com secções como In (E)Motion, Anima East, experimentalEAST ou East Doc, num verdadeiro carrossel de linguagens e formas, que vão desde a animação à performance, do ensaio político ao gesto íntimo, cinema com C grande sem se render a convenções e normatividades.

Este ano, mais do que um país, há múltiplos territórios a ocupar: os da infância, os da resistência, os do desejo, os da perda. O queer, o feminino, o arquivo, a memória e a paisagem voltam a ser palavras-chave. E entre sessões, também há escutas, exposições, conversas e DJ sets para continuar a dançar no intervalo entre filmes.

Como sempre, o Cinematograficamente Falando … convida Teresa Vieira, directora artística, programadora e crítica para revelar o que se move por trás desta edição que é, acima de tudo, um gesto contínuo de reinvenção. O comboio BEAST não parou. Nem vai parar.

Ao chegar à oitava edição, que desafios e responsabilidades tem (ou adquiriu) enquanto festival?

A responsabilidade de um festival está - ou deverá estar - sempre presente, desde o primeiro momento. Os olhares,  pensamentos e acções de agentes representativos do  - e pertencentes ao - ecossistema artístico, inevitavelmente inseridos no contexto social, político e cultural, assumem isso mesmo: o BEAST não é excepção. As inquietações, os medos e os desafios de um mundo em crise têm impacto, de diferentes formas, em cada elemento da equipa que permite a criação e manutenção do festival, a cada passo que dá: a atenção e consciência para com o espectro de potenciais - do negativo ao positivo - é algo que carregamos em nós, individualmente, e que procuramos expressar através da curadoria de cada edição, através de diferentes propostas fílmicas e artísticas. 

Na caminhada de oito anos de festival, o futuro é sempre algo que não se procura adivinhar, mas para o qual se procura trabalhar. Não nos limitando a uma mostra acrítica de cinematografias distantes, mas com uma preocupação de criar um diálogo com o público que seja de ordem permanente e frutuosa, e que aproxime culturas e realidades. 

“Esta mudança não promete nada”, é este o mote do festival. Estaremos perante um gesto de resignação política ou uma crítica afiada ao próprio conceito de promessa cultural?

O mote da 8ª edição é inspirado numa fala do filme “Endless”, da secção queer do festival. Num ano em que o festival atravessa uma fase de transição de posicionamento no calendário de actividades culturais da cidade do Porto, a mudança que isso implica é assumida como um facto - com as suas vantagens e desafios inerentes - , mas acima de tudo serviu de inspiração para a criação da edição: estando o conceito de “transição” (nas suas mais diversas formas) presente - e servindo como grande inspiração - na linha curatorial deste ano. E o resultado desta mudança está ainda por se verificar: a experimentação a que este ano o festival se permitiu terá impacto em futuras edições. A identidade do festival mantém-se e afirma-se ao longo de toda a sua trajectória, numa linearidade que assume e representa as restantes transformações pelas quais o BEAST tem atravessado: e tal acrescenta força aos ideias e valores de base, que, ano após ano, transparecem.

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When the Phone Rang (Iva Radivojević, 2024) / Filme de Abertura

Na secção IN(E)MOTION, a efemeridade da vida é o ponto de partida. Estará o festival a propor que o verdadeiro “coming of age” é, afinal, um processo contínuo e nunca consumado?

A secção IN (E)MOTION apresenta um double-bill de filmes com retratos de diferentes pólos de um possível contexto cinematográfico coming-of-age: do urbano ao rural, do infantil ao juvenil, entre outros aspectos. A ligação, com esta base na diferenciação, recai sobre o confronto com a efemeridade da vida, em ambas as narrativas. A morte de um ente-querido é aquilo que impulsiona cada uma destas vidas e histórias. A ideia de um aproximar da idade adulta é algo que pode acontecer de diferentes formas, em diferentes alturas. Mas, mesmo na construção diária e constante do “eu”, que se espera sempre em evolução, atinge-se um certo “estado de adulto” a certo ponto, ao qual não se pode escapar. Aqui não procuramos ressignificar esse processo, há anos reflectido pelas várias artes - com direito a categorização específico -, mas sim um foco nesse movimento - e numa possível emocionalidade - que tal implica.

Com "Endless" e a secção How to Care for Cosmos, temos um cinema queer que se quer gesto curatorial. Mas até que ponto o cuidado e a visibilidade não são, também eles, estratégias de resistência institucional?

O gesto curatorial é algo que se pretende atento e cuidado em qualquer circunstância. Enquanto uma equipa composta por diversos indivíduos queer, de Portugal e da Europa Central de Leste, confrontados com realidades cada vez mais distópicas, de um acentuar de discurso de ódio e de tentativa de apagamento da existência e realidade queer, a representação queer na linha curatorial do festival é algo que o BEAST considera de ordem (sempre - e cada vez mais) urgente. A resistência, através de uma associação e de um espaço de criação de diálogo através - e com e pelo - cinema e artes, com diferentes públicos, é algo que está de forma inerente presente.

Em Re-Focus, a cineasta ucraniana Kateryna Gornostai regressa sete anos depois ao festival. No press release é mencionado que o seu regresso é um lembrete de como os artistas mudam, evoluem até, talvez influenciados pelo mundo ao seu redor. O que implica estas tais mudanças na curadoria de um festival como ao BEAST e se estarão abertos a todo o tipo de transições artísticas?

A secção RE/FOCUS foi criada na edição de 2023 de forma a não perder a ligação com cinematografias, autores, vozes e visões anteriormente em destaque no festival. Um espaço dedicado à possibilidade de revisitação (que não implique somente programas de retrospectiva), num festival que procura a cada ano expandir o aprofundar de diferentes realidades - nomeadamente com a secção de Focus Country

Este ano, o festival decidiu dar mais uma vez destaque à realizadora em foco na edição de 2018: Kateryna Gornostai. É na verdade a terceira vez que o festival apresenta os trabalhos de Kateryna Gornostai: depois de uma mostra das suas curtas-metragens, em 2018, e da exibição da sua primeira longa-metragem, “Stop-Zemlia”, em 2022, o BEAST apresenta em 2025 a sua mais recente longa-metragem, “Timestamp”. Um retrato documental sobre a realidade escolar neste período de guerra na Ucrânia. Um filme que encaixa inevitavelmente na visão curatorial do festival, com um impacto tremendo, de uma sensibilidade única e distinta, que permite um aproximar para com a realidade da vivência ucraniana.

O programa Portuguese Abroad foca-se na animação portuguesa em co-produção com países do leste. Que importância tem este tipo de colaboração no nosso panorama, tendo em conta que a animação portuguesa é um traço forte e mundialmente reconhecido da nossa cinematografia?

Num ano em que uma longa-metragem de animação da Letónia venceu um Óscar, dois anos depois da primeira nomeação de um filme português aos Óscares (com uma curta-metragem de animação), o festival sentiu um apelo em explorar os cruzamentos tão frequentes entre estes dois universos: a animação em Portugal e a animação na Europa Central e de Leste. Não são só eventos recentes, nem reconhecimentos do agora: a tradição de décadas da produção cinematográfica de animação da Europa Central e de Leste foi desde sempre reconhecida naquela que constitui a história do cinema; o caminho do cinema de animação em Portugal é traçada por um grande impacto, força e reconhecimento a nível internacional. Existindo um vasto espólio de colaborações, e sendo o BEAST um espaço dedicado precisamente ao contacto entre estes dois pólos da Europa, a proposta de Ema Lavrador (parte do core da equipa de organização do festival) de apresentar uma selecção de curtas-metragens que reflectem sobre essas dinâmicas de diferentes formas, foi inevitavelmente acolhida. É uma proposta curatorial que o festival pretende estimar e cultivar para o futuro e algo que procura igualmente ter a possibilidade de levar a mais públicos, em diferentes países.

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Timestamp (Kateryna Gornostai, 2025) / Re-Focus

O que poderá dizer-nos sobre os convidados do festival?

O festival conta com a presença de cineastas e produtores do programa dedicado às co-produções de filmes de animação Europa de Leste-Portugal (“Portuguese Abroad”), tendo uma conversa no final da sessão, moderada pela curadora Ema Lavrador. Ala Nunu, Alexandre Sousa, Alina Didenko, André Cunha, Cristina Neto, Cynthia Levitan, Gábor Mariai e Natália Azevedo Andrade falarão então sobre a sua experiência de co-produção e cooperação entre diferentes países.

O BEAST conta também com a presença da directora artística do BIEFF, Oana Ghera, curadora do programa “Lost in Transition”, tal como de Andrei Rui, professor de História do Cinema e Estudos Cinematográficos na UNATC. Será uma oportunidade para aprofundar as propostas deste programa: que oferece um retrato da produção cinematográfica no período de transição que se seguiu à queda do regime ditatorial de Nicolae Ceaușescu (em particular no contexto de produção da UNATC). Teremos também a presença de cineastas da competição oficial do festival. 

Em mais colaborações curatoriais, o BEAST apresenta “Local Time Only”, com curadoria de Simona Constantin. A realizadora estará presente para apresentar a sessão de filmes, tal como realizar um workshop. A exposição “It Slips Between My Fingertips” e as performances “Bits Of You” e “Volcanic Sand” são de curadoria do colectivo queer ucraniano MOFO.GALLERY, sediado no Porto, que estarão então também no festival. A curadora da Listening Session, Pavla Rouskova, estará presente na abertura dessa experiência patente na Reitoria da Universidade do Porto

Toda a programação poderá ser consultada aqui