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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O Cinema e o Medo [Índice]

Hugo Gomes, 15.11.23

O meu amor pelo cinema veio do amor pela saga Sexta-Feira 13

Hugo Gomes, 22.10.23

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Friday the 13th Part VII: The New Blood (John Carl Buechler, 1988)

Sou um apaixonado pelo cinema, mas antes disso, sou um apaixonado pelo terror: no cinema, na escrita, na televisão, nas brincadeiras e nas parvoíces. Cresci nos anos 90, sendo um dos poucos tolos que festejavam o Halloween (o meu feriado favorito a reboque do filme de John Carpenter, que marcou a minha juventude). As minhas primeiras saídas à noite foram para ir ao Fantasporto com o meu irmão, ainda na sua era de ouro e dedicada em grande escala ao cinema fantástico. 

Mas, curiosamente, a minha paixão pelo cinema de terror foi marcada pela saga “Sexta-Feira 13” (“Friday the 13th”) e dois episódios muito específicos relacionados com ele. No primeiro, eu tinha pouco mais de sete anos. O meu irmão mais velho ia ver o primeiro “Sexta-Feira 13”, numa cópia ranhosa gravada da televisão em VHS. Tentei me juntar, mas ele disse-me que não.  Mas, na minha cabeça, tinha que ver aquele filme. Parecia algo irreverente e proibido. Eu gostava de fazer o que me diziam que não devia fazer - e ver um mero filme parecia uma irreverência bastante fácil de executar.

Comecei a ver o filme e, claro, achei uma ‘seca’. Conversa, namoro, um intervalo da RTP1 em “fast forward” (na minha família quando se gravava da televisão, era com intervalos e tudo) e mais conversa. Quando a meio parece que finalmente vai chegar o tal “terror” que me avisaram, fiquei entusiasmado. Um jovem Kevin Bacon deita na cama e é morto por uma lança que lhe atravessa a garganta… Jason estava escondido debaixo da cama! Eu, claro, fugi em terror.

Foram semanas a fio com medo de que alguém tivesse debaixo da cama, apesar da minha mãe guardar lá montes de tralha que certamente iriam tornar a tarefa bem desconfortável para Jason. No entanto, passado o trauma, ficou o ‘bichinho’ do terror. Quando me disseram que iria ter medo do videoclip do “Thriller” do Michael Jackson, voltei a não resistir. Via até ao máximo que aguentava, depois fugia, assustado. No entanto, o hábito ficou: pouco mais tarde passei a ir a festivais de cinema ver terror asiático e sair com os cabelos em pé e até aceitar desafios tão bárbaros como a era da French Extremity (de filmes como “Martyrs” e “Fronteries”) ou de coisas detestáveis (como “The Human Centipede”). 

Curiosamente, vim recentemente descobrir que a saga “Sexta-Feira 13” traumatizou muita gente da mesma forma, nomeadamente os membros da banda Wolfie’s Just Fine. No videoclip e na música “A New Beginning” eles ilustram como as cenas de sexo e morte na floresta em “Friday the 13th Part V A New Beginning” marcou-os na adolescencia e na puberdade. O outro filme da saga “Sexta-Feira 13” que moldou a minha paixão pelo cinema foi o sétimo filme da saga: “The New Blood”. Na zona onde vivia, no Porto dos anos 90, existiam vários videoclubes, e neles encontrava todos os filmes da saga, excepto o sétimo, “The New Blood”,  e o nono, “Jason Goes to Hell.

Como qualquer cinéfilo, consultava o Cinemania (uma enciclopédia de cinema digital que era publicada todos os anos em CD, com críticas de Leonard Maltin e Roger Ebert) e um almanaque de críticas portuguesas chamado Videoguia (um livro gigante de folhas moles vendido anualmente nas tabacarias). Óbvio que a consensualidade era que todos os filmes da saga “Sexta-Feira 13” eram uma porcaria, com isso eu vivia bem. Mas o “Friday the 13th part VII - The New Blood” curiosamente era descrito como o melhor da saga, e tinha em ambos os sítios notas acima de zero, o que neste registo quer dizer muito. 

Então, em um verão da minha adolescência, fui a todos os clubes de vídeo listados nas páginas amarelas em busca do raio do filme. Eventualmente, no centro do Porto, encontrei quem o tinha. Da primeira vez o filme estava alugado, então requisitei para a semana seguinte, e lá voltei, apanhando o meu autocarro, de forma a assistir aquela preciosidade.

Efectivamente, “Part 7 - The New Blood” é a melhor sequela da era posterior de “Sexta-Feira 13”, quando a saga já tinha passado a ser mais cómica e sem qualquer continuidade narrativa entre os vários capítulos. No global, para mim, o segundo e o terceiro filmes são de longe melhores, até pelo impacto que o Jason, com o saco na cabeça, teve em todo o perfil de horror que associava à personagem. O nono filme (“Jason goes to Hell”) não foi merecedor de tal busca. Para além de saber que era inédito em Portugal, também tinha entendido que era tão mau que tinha efetivamente morto Jason de vez, e assim as expectativas por um “Freddy vs. Jason”, mega-filme que iria colocar o assassino de “Sexta-Feira 13” contra o de “Pesadelo em Elm Street”. Eventualmente o filme acabou por ser feito na explosão da produção de terror que seguiu o sucesso de “Scream”.

Num género tão rico e diverso como o do cinema de terror - cheio títulos interessantes que ainda nos dias de hoje surgem e me surpreendem em cinema ou nos ‘streaming’ - não consigo deixar de rever o impacto cultural e até educacional que para mim as sagas ‘slasher’ dos anos 70 a 90 tiveram em mim.

 

*Texto da autoria de José Pedro Lopes, nascido no Porto em 1982, um entusiasta do cinema em diversas formas. Como realizador assinou a longa-metragem de terror “A Floresta das Almas Perdidas” e um segmento da sequela “Histórias Estranhas 2”, e episódios da série “Sem Filmes”. Como produtor é colaborador habitual das produtoras Anexo 82, Infilms Portugal e A Raposa Branca. Como jornalista foi colaborador de longa data do site C7nema. Vocalista da banda punk rock cinéfila Os Barbosas.

José Pedro Lopes perdido nas florestas que delineiam as limitações do género

Hugo Gomes, 12.10.17

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José Pedro Lopes, produtor e realizador de inúmeras curtas nacionais que povoam o cinema de género, poderia ser mais um a tentar a sorte nos circuitos limitados (não com isto reduzido o valor do formato da curta-metragem), porém, o grande passo para a longa e a sua respetiva estreia comercial nos indica que há horizonte para novas histórias no nosso panorama. Baseando-se em folclore nipónico, A Floresta das Almas Perdidas inscreve-se num meio termo de slasher movie que redefine a normalização da violência que se vive em dias de exaustiva informação.

Existe por estes recantos florestais, ramificações de uma obra plena construida a pouco custos e a um know how a fazer inveja a tanto, dito, “cinema comercial”, mas por enquanto temos modéstia e quem sabe, os contornos para um futuro arranque do tão cobiçado terror à lusitana.

Vamos começar com a pergunta mais básica em relação ao Floresta das Almas Perdidas. Como surgiu a ideia para deste projeto? E o porquê da “apropriação cultural” da Floresta dos Suicídios?

Queria explorar como o mal surge em todo o lado, de forma oportunista. Sempre que há uma calamidade, existe que tira vantagem disso. Ou numa grande perda. Aqui a minha ideia era ter alguém que se alimentava dos sentimentos de um suicida e da sua família de luto. Inspirei-me em filmes como o “Whristcutters” (do Goran Dukić) e o “Audition” (do Takashi Miike).

No que toca a lugares conhecidos pela prática do suicídio existem por todo o mundo, mesmo aqui em Portugal. Claro que a floresta de Aokigahara é uma referência no contexto que criamos – mas estas personagens estão e lidam claramente com problemas portugueses.

O cinema de género é uma raridade em Portugal. Como foi, ou pensa, contornar um desafio tão grande na nossa cinematografia?

Em termos de contexto, ‘A Floresta’ não foi feita para provar nada cá dentro, nem para contrariar ninguém. Quanto muito, como fã do género fantástico, queria contribuir nesse género global. Queria ver histórias portugueses no meio desse grande género que descobre filmes nos quatro cantos do mundo.

No nosso país há uma dificuldade grande em financiar filmes de género, e talvez ainda maior em coloca-lo e distribuí-lo. Mas é um pouco inerente ao género em sim: o terror sempre foi peregrino e sempre assustou. É o tipo de filmes que vemos em adolescente para chatear os pais, e que continuamos a ver em adultos para baralhar os amigos.

Acho que quem faz terror cá ou lá fora não pode muito pensar no mercado local, mas sim no internacional. Todos os anos tens filmes de terror que viajam o mundo com abordagens muito culturais. Esperar conceber um filme para ser um sucesso no mercado nacional é esperar bater o cinema de Hollywood em algo que eles tem toda a vantagem.

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Em A Floresta das Almas Perdidas nota-se uma gradual artificialidade, principalmente no genérico estilizado. Será que aqui influências do cinema de Argento? Esse neo-expressionismo do género?

Apesar de ‘A Floresta’ ser um filme muito estilizado e visual, diria que é mais sobre contenção e sobre implosão. O Dario Argento vejo-o como mais explosivo. As minhas influências foram mais o cinema de realizadores como o Takashi Miike e o Kim Ki-Duk, situado entre o horror e o drama, sem grandes linearidades.

A Floresta’ é sobre a chegada à idade adulta de um assassino, sobre a maturação do mal. Por outro lado, é sobre a tristeza e a fatalidade das vítimas. O terror está mais no coração das personagens do que naquilo que vemos.

Ao contrário de muitas obras do género, principalmente vindo dos EUA, o antagonista não possui um devido motivo para a sua violência. Será que aqui se concentra uma reflexão do fascínio pelo mórbido e violência, normalmente anexada, à juventude de hoje?

Creio que em certa forma a ausência de motivo é o motivo mais comum para quem faz mal aos outros no mundo real. O cinema procura razões e desculpas para o mal para não nos assustar demasiado. Mas a verdade é outra – quem faz mal aos outros faz-lo por uma opção de vida. Tens pessoas que passam por vinte vezes pior e que mesmo assim não faria mal a ninguém.

O lado da juventude é truculento. O filme faz muitos referências às idiossincrasias da juventude atual, das redes sociais e da abordagem superficial das coisas. No entanto, acho que o lado mórbido é desprovido de época. Este tipo de maldade já está connosco à décadas. Acho que também a insensibilidade provocada pelas nossas tecnologias não está só na juventude – existe um hábito de acusar os jovens de viverem muito online e se relacionarem com os seus telemóveis, mas isso é um problema que atinge todas as idades.

Floresta das Almas Perdidas é também um desafio para a pequena produtora Anexo 82. Fale-nos das dificuldades de financiamento e até mesmo de produção.

A Floresta’ foi maioritariamente financiado pela produtora Anexo 82, sendo que contou com um apoio da Fundação GDA e alguns patrocínios privados e apoios. O segredo para fazer o filme com pouco foi pensá-lo de forma a ir de encontro ao que conseguíamos fazer. Foi um sacrifício grande mesmo assim – um que eu não sei se voltaria a fazer.

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Sobre o casting? Como sucedeu a escolha de Daniela Love para o papel de psicopata?

A Daniela já tinha participado numa curta-metragem nossa chamada “Videoclube”. Nela ela era também cheia de referências e irreverência. A Carolina de ‘A Floresta’ é o lado obscuro dessa personagem, e desde muito cedo que a Daniela foi a escolha para o papel.

Como vê o cinema português de hoje, desde os apoios até à variedade estilística.

Creio que não é o meu lugar fazer essa apreciação, nem sou a pessoal ideal para o fazer.

Quanto a novos projetos?

Estamos de momento a terminar uma curta-metragem do Coletivo Creatura, um filme de animação chamado “A Era das Ovelhas”. A seguir a isso vemos analisar o resultado de ‘A Floresta das Almas Perdidas’ e concluir o que fazer a seguir. Temos vários projetos – uns a procura de desenvolvimento ou outros de financiamento – mas só depois de ver o impacto deste é que saberemos o melhor a seguir.