Identificamos dois olhares distintos em “Tony”, o mais recente documentário de Jorge Pelicano:
O primeiro é o "best hits" do popular cantor Tony Carreira, que gera tanto paixão como ódios declarados (aqui graças às acusações de plágio pelo qual as suas músicas são assombradas). Se a admiração persiste em traçar o seu trajeto de zero a estrela, um cantor de bailaricos que, porventura, conseguiu encher os mais prestigiados palcos do país, Pelicano concentra-se em instalar-se no centro da régua de qualquer julgamento.
Aí partimos para o segundo olhar, a entrada e reflexão de um universo envolto desta figura - a dos fãs – o epicentro de um movimento de culto em santificação ao seu ídolo, uma vez que a relação entre as devotas(os) para com o músico pouco ou nada diferem de uma sessão religiosa. É um choque que tem tanto de anedótico (para quem não se encontra interiorizado neste seguidismo) como de analista para uma “portugalidade” formalizada. Há um estudo sobre um fenómeno, e é nesse sentido que "Tony" ganha valor, por vezes servindo-se para o seu modelo de ensaio intimista de alguém que trata a fama por “tu”.
Como documento, Jorge Pelicano consegue ir mais além da mera veneração ou retalhos biográficos como manda qualquer reportagem VH1. É um documentário com os seus acabamentos, com a dignidade para com a sua figura e, paralelamente, ao intelecto do espectador. Seria possível existir algo dentro do que esta cultura propícia às massas desmesuradas atingir um requinte enquanto formato documental? Sim, e isso evidencia a audácia e sagacidade com que Pelicano abordou outras temáticas, algumas de importância etnográfica (“Ainda há Pastores?”, "Pára-me de Repente o meu Pensamento”) ou simplesmente o emocional como espelho da nossa sociedade (“Antes que o Porno nos Separe”). Para agora, encostado ao vulto de brilhantina, guitarra na mão, camisa branca e Carreira no nome e coração, olhar mais além dessa aura e vivência.
"Tony" é um ser inserido e estudado no próprio universo, este intacto e palpável em prol do documentário convencional, mas longe da (des)formalização televisiva com a qual embatemos vezes sem conta num canal generalista qualquer.