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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Karate Kid: Legends" e a 'magnífica' arte de ordenhar vacas!

Hugo Gomes, 27.05.25

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Reparei no que fazes com as laranjas. Se eu trouxer uma vaca… tiras-lhe o leite?” — Lembram-se deste anúncio? A de um biscoito convertido em cereal de pequeno-almoço, cujo slogan, vindo de uma figurinha a condizer com a estética do alimento, dirige-se a um espremedor de laranjas e, em jeito gingão, solicita o leite necessário para a sua refeição? Tanto faz, o que interessa é que a publicidade passou nas televisões portuguesas por volta dos anos 2000, e hoje em dia, a frase é pronunciada como uma lembrança ‘espremida’ a várias leituras, um meme oral até! Contudo, apropriámo-nos da tirada, pois nela encontramos a alegoria perfeita e simplificada do conceito de “franchise” cinematográfico: espremer laranjas como quem ordenha vacas, até ao tutano.

O filme em questão é uma espécie de spin-off de um universo que outros entenderam como filão a explorar: “Karate Kid” (1984), resposta mais juvenil ao fenómeno “Rocky”, com o pugilismo substituído por karatecas. O realizador? Exatamente o mesmo: John G. Avildsen. Sucesso de público, culto alimentado por gerações seguintes, imitado até à exaustão, no qual se eternizou o ator Pat Morita (1932–2005) como um arquétipo e, diga-se, também uma caricatura exótica — do sensei oriental com o intuito de transformar moços ocidentais em máquinas de artes marciais. Conta-se duas sequelas (1986 e 1989)… espera… três! … Ah, mas a da Hilary Swank, julgo que é consensual esquecer [“The Next Karate Kid”, 1994]. Houve ainda um reboot (2010), com Jackie Chan e o filho do Will Smith (Jaden Smith), e, após a popularização de uma piada numa sitcom (“How I Met Your Mother”) surge um revival em forma de websérie, intitulada “Cobra Kai”, focada no bully do protagonista original. A Netflix aproveitou o sucesso e importou-o para a sua plataforma.

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Agora, sob o tilintar da máquina registadora, chega-nos “Karate Kid: Legends”: cruzar narrativas, atar pontas soltas, expandir o universo … se é que esta tendência ainda tem fôlego. Jackie Chan de regresso, cada vez mais cansado em ser Jackie Chan, e Ralph Macchio — o tal, o genuíno “Karate Kid” — a marcar presença para o que chamam de legado. Aliás, “sequela de legado”, fiquemo-nos por esse termo. Mas também o espectador sai cansado disto tudo … isto, claro, se ainda não tiver sido domesticado pelas fórmulas, algoritmos e por todo o jargão televisivo que a série implicou, aqui transladado para o grande ecrã (nota: o realizador, Jonathan Entwistle, é um experiente do pequeno ecrã.)

A história é mais que sabida, nota-se a léguas. E o ingrediente principal? A falta de gravitas, de consequência, de verdadeiro conflito. Tudo feito para não aleijar, para nunca, pateticamente, transgredir o conforto do espectador passivo. Nem como “filme de artes marciais” serve … demasiado corriqueiro, adolescente, e até pouco fascinado com a sua própria matéria. Está mais interessado em ser um produto da Big Apple, como os “Sexo e a Cidade” desta vida, do que em ser qualquer outra coisa (até os atores estão nos seus mínimos … vá, não os julgamos.)

Até o crítico sai cansado, anda-se há muito nisto, a lidar com demasiadas vacas leiteiras prontissímas a serem exploradas. Só que também exausto deve estar Pat Morita (que descanse em paz onde estiver), ao ser constantemente o fantasma invocado contra a sua própria vontade. Deixem o seu legado persistir sem atropelamentos!