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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cães Danados

Hugo Gomes, 18.08.16

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I don’t care if it' s legal! It 's wrong", dizia Bridget Moynahan em relação ao comércio de armas levado a cabo pelo protagonista de “Lord of War”. Toda esta confrontação ideológica como um esquema de “smartest guy in a room” serviu de tour de force para Nicolas Cage, a marioneta escolhida por Andrew Niccol nesse sleeper de 2005.

Onze anos depois, surge o revisitar, não como a assumida sequela ou spin-off do mercador de arsenal, mas ao “lugar-comum“, um incómodo para todos aqueles que veneram um certo paternalismo hippie. “War Dogs” é um improvável em todo este cenário, dirigido pelo “orquestrador” do êxito de “The Hangover” e produzido por um dos maiores estúdios de Hollywood, eis um episódio de ascensão e queda sob tiques à la gangster que revela o armamento como uma questão de artimanha. Novamente o limiar da legalidade e do maniqueísmo exorcizado em um reconto de cinismo e de falsas-filosofias, tendo como protagonismo duas iguais estrelas de ascensão (Jonah Hill e Miles Teller a preencher os requisitos de duo dinâmico).

Tal como acontecera com “The Hangover”, Todd Phillips é versátil em construir rápidas relações de camaradagem, mas continua fraudulento no que requer a trazer humanidade a todo este ácido cenário de conselhos pagos. É verdade que esta fraqueza não seja inteiramente culpa do nosso realizador, até que esta “chico-espertice” contém camadas próprias para a auto-comercialização do produto, vendendo-se como um comédia negra buddie até culminar numa crítica passageira e inofensiva “encavalitada” no mesmo esquema narrativo.

É um Scorsese que tresanda, a narração quase indulgente de “The Wolf of Wall Street” até às trocas e baldrocas das etapas narrativas de um “Casino” (por exemplo), tudo em prol do conto, segundo eles. Nada de alarmante, visto que este “faz-de-conta” não é de todo um exercício escusado, mas falta-lhe sumo para chegar aos calcanhares do seu parente mais próximo – “Lord of War” – assim como eficácia em deslocar-se para fora do modelo exposto, até porque novamente temos uma cumplicidade “espetada” num universo tão míope e egocêntrico. 

Vender canetas a vigaristas ...

Hugo Gomes, 12.01.14

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My name is Jordan Belfort. The year I turned 26, I made 49 million dollars, which really pissed me off because it was three shy of a million a week."

Primeiro, não confundam a interpretação de Leonardo DiCaprio com o filme em si. O ator entrega corpo e alma, encarnando com coragem um autêntico Calígula do século XX, oscilando entre a glória e a degradação num dos papéis mais intensos da sua carreira. Sim, pelo desempenho de DiCaprio, “The Wolf of Wall Street” merece todas as estrelas possíveis – poucos discutirão que esta é uma das suas performances mais complexas igualmente zombeteiras (há espaço para o humor no rumo do ator? Pelo que vemos sim!). No entanto, há uma camada de cinismo neste projeto audacioso e extravagante na forma como transgride os limites do lícito.

Martin Scorsese disseca a ascensão e queda de Jordan Belfort, um corretor da bolsa corrupto que acumulava milhões através de esquemas fraudulentos e lavagem de dinheiro. Conhecido como "O Lobo de Wall Street", Belfort personifica a sede insaciável de poder, luxúria e ganância que ajudou a empurrar os EUA para o colapso financeiro. Como personagem, ele é carismático, persuasivo e detestável na mesma medida – alguém capaz de convencer um filho a vender a própria mãe. Mas como figura cinematográfica, encaixa-se perfeitamente na galeria de anti-heróis scorseseanos, num registo auto-biográfico remitido a reminiscências e variações de “Goodfellas”.

Nesta abordagem, o realizador tira proveito da sua posição consolidada na indústria para criar um filme que respira liberdade artística. “The Wolf of Wall Street" aspira a ser um espectáculo sem amarras, pouco limitado por censuras ou restrições. Há paralelismos óbvios entre as festas de “The Great Gatsby" e os excessos corporativos deste filme – e não apenas por causa de DiCaprio. O excesso, aliás, define a obra em todos os aspetos: é longa, grandiosa e absolutamente desmedida na sua visão autoral.

É nesse jogo de excessos que Scorsese desafia o público a interagir com Jordan Belfort. Ao traçar um retrato profundamente vil, ele depois recorre à performance magnética de DiCaprio para, de forma astuta, suavizar a imagem dessa figura de má índole. E aqui está a verdadeira artimanha do filme: tal como Belfort vendia ilusões, DiCaprio "vende-nos" uma versão irresistível da personagem. “The Wolf of Wall Street” manipula o espectador com confiança, e Scorsese filma cada plano com a energia eufórica de quem retrata uma Babilónia moderna em plena decadência.

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No elenco, DiCaprio reina absoluto, mas encontra-se bem acompanhado: Jonah Hill finalmente se desprende da sua persona habitual, Margot Robbie foge do estereótipo da loira decorativa e Jean Dujardin impõe a sua caricata presença. O cameo de Matthew McConaughey, como mentor de Belfort, faz subir ações. São performances que seguram a narrativa e sustentam este devaneio frenético de Scorsese.

The Wolf of Wall Street" tinha todos os ingredientes para ser uma obra-prima, mas optou por ser um entretenimento voraz de abordagem quase celebratória a uma personalidade marcada pelas piores razões. Não se tornou uma propaganda moralista, mas também não escapou ao peso dos seus próprios excessos. Mas, sob a suas atentas leituras, mesmo perdido no seu júbilo, existe um retrato de uma América podre e sugado por um anarco-capitalismo sem escrúpulos. A verdade é que Belfort revelou numa inspiração … do quê (?) é que nos evidencia alguma suspeita dessa sociedade esganada como farol de virtudes. A ver vamos!