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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Finalmente temos Aranha!

Hugo Gomes, 20.12.21

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Pegando na tocha acendida por Bryan Singer e a sua trupe de mutantes (“X-Men”, 2000), Sam Raimi conseguiu em dois filmes aquilo que se tornaram nos alicerces de muito do chamado cinema de super-heróis que viria a desaguar este Universo Cinematográfico da Marvel. Começou com a prova dos nove quanto ao êxito de Spider-Man (2002) e sequencialmente, dois anos depois, a bases existencialistas e dramáticas de uma musculada e convicta sequela. Por outras palavras, a duologia de Raimi sobre o aranhiço (encenado por Tobey Maguire) constituiu numa radical mudança quanto à nossa visão dos super-heróis em grande tela (colocando-os nas possibilidades dramaturgias e evidentemente de costura com outros géneros inteiramente cinematográficos). 

Renegar atualmente o cinema dominante dos heróis é renegar uma parte da contemporaneidade quer industrial, quer formal, de um tipo de produção norte-americana ou de importação cultural expandida pelo resto do globo. E tal sucedeu com esta famosa criação de Stan Lee, e apoiada por um realizador anteriormente arriscado nesse tal género embrião com isolados casos de êxito (falo de “Darkman”, a sua criação, em oposição dos felizes exercícios de Batman de Tim Burton e Superman de Richard Donner, duas figuras que transcendem a mera intenção de comics, prestando-se como parte cultural de uma América do século XX), o restante surgiu como apreço à temática do “render do peixe”. O terceiro tomo (em 2007) foi sabotado por um estúdio em consolidação com as “wishlists” dos fãs, debilitando todo um arco de vingança e redenção que Raimi havia estruturado neste fim de trilogia, deitando por terra qualquer descendência. 

A Sony Pictures como resposta elaborou um novo “homem-aranha”, desta vez com Andrew Garfield e com inspiração no tal universo cinematográfico de Kevin Feige a ser elaborado “ali ao lado”. O dito reboot só viveu duas vezes, fãs e crítica viraram “costas”, deixando o estúdio e os direitos do tão valioso personagem na ameaça da Disney / Marvel Studios, cuja solução é encontrada num acordo entre cavalheiros, e assim, como bem sabemos, Tom Holland veste o fato e balança de forma vigorante na teia do aracnídeo humano. Quer dizer, vigorante ao serviço de um dialeto imperativo de uma forçada continuidade, desprezando as anteriores encarnações de Maguire e Garfield (unidos pela tragédia e pelo dilema entre o seu alter-ego e a vida pessoal que desmoronava), numa figura acriançada, colorida bem ao jeito do toque de Midas da Disney. A este foi-lhe entregue uma panóplia de gadgets, um subenredo de legado para com um outro herói estabelecido, e tramas sob tramas colegiais. É o homem-aranha na ótica do seu público-alvo, ou diria antes, do público atual. 

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Havia nele uma ausência de nuances trágicas, humanas aliás, que pudessem resgatar a personagem de Tom Holland da mera caricatura de “rookie”. A consolidação chega-nos na forma de um evento multiversal e à sua maneira, uma vénia ao legado do heroísmo moderno que o cinema abraçou como seu predileto “cinema-pipoca”. A tragédia adquire forma, conduzindo a este homem-aranha no endereço do coming-of-age, do crescimento necessário, contrariando fórmulas disnescas onde a morte e a perda (pode não soar, mas são elementos, ou ausências, bem diferentes) tem finalmente lugar e o luto converte-se em matéria de existencial emancipação. 

O que se pode verificar por detrás da pirotecnia previsível deste “No Way Home” é a ruptura da Sony para com as matrizes do seu estúdio “irmão-inimigo”, Holland é por fim uma personagem à medida desse estúdio, crescida, despida do militarismo anteriormente associado, uma figura propícia às suas próprias aventuras, como vemos no último e esmorecido ato, e o ator dotado em seguir a tal requisitada espessura nessa subjacente carreira. 

Agora, se “No Way Home” é a tremenda obra-prima do subgénero ou a melhor encarnação da homónima personagem no cinema? Obviamente que não. Todavia é a peça que precisávamos para que o Homem-Aranha de Holland encontrasse finalmente o seu humanizado lado.

A crítica de cinema e os spoilers

Hugo Gomes, 14.12.21

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No sentido em que a crítica de cinema é tomada como cúmplice do marketing do filme (muitos creem nisso com tamanha fé num modelo de subserviência capitalista), o grande desafio, em termos diplomáticos, é o de continuar a expressar ideias sobre cinema em contextos onde a “ditadura dos «no spoilers» ” impera com as suas devidas condenações. Por isso, como escrever sobre “Spider-Man: No Way Home” sem cair nas minas e armadilhas montadas pela dominância desses códigos de cultura popular? As opções são … ou somos uns “bastardos danados” pronto para sacanear a surpresa de outros em nome da antecipação, ou somos seres criativos e subtis para não assumirmos como serventes da publicidade em marcha.

Personalidade monetária em Spider-Man: Far From Home

Hugo Gomes, 28.06.19

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É simplesmente frustrante, que depois do circulo encerrado de Endgame, a Marvel / Disney aposte na irrelevância dramática que as suas personagens parecem extrair. Em Far from Home, para além da fotocópia técnica e narrativa que estes filmes ostentam, é o deslumbre pelo militarismo ou high-tech injetado para conduzir a trajetória do seu merchandising.

Ai, Sam Raimi … que saudades tenho da tua dinastia e o carinho que havia por estas personagens.

Onde ‘Tá o carro, meu?

Hugo Gomes, 23.09.15

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Antes de se aventurar em super-herois envolvidos em enredos pomposos (está anunciado como o realizador do próximo filme do Homem-Aranha), Jon Watts instala-se no minimalismo e extrai dele as ramificações do drama e a corrente enfática deste filme.

Cop Car”, cujo título revela o macguffin por detrás de toda a intriga, é um carro de patrulha que se estabelece como impulso para as suas personagens, tão desconhecidas como familiares. Aqui, o veículo, supostamente ao abandono numa isolada clareira, é encontrado por duas crianças que decidem experimentar esta oportunidade “caída dos céus”. Uma brincadeira inocente que acaba por se transformar num curioso jogo de gato e rato no preciso momento em que o xerife, detentor da viatura, as persegue a fim de evitar uma verdadeira catástrofe que terá consequências para ambos os lados.

O filme resolve-se numa intensa catarse para com o seu tema principal, a América profunda dominada pela violência e pela ignorância, esta última aludida através da sugerida inocência das duas crianças protagonistas. Jon Watts pode ter construído uma obra onde a simplicidade é mais um factor com aparente limitação argumentativa, mas o que deparamos é um extenso ensaio subliminar. Uma mensagem social e complexa inserida numa garrafa e jogada para o seio do oceano, vaga mas suficientemente propícia a leituras desse foro, apenas disponíveis a quem realmente deseja procurá-las.

A exposição da juventude face a tais elementos de violência (como armas) ou da inevitável tentação do crime (neste caso o furto) resultam numa sequência ideológica que se ergue como uma escadaria para um rompante clímax. Neste terceiro ato, confirma-se que o espectador é sobretudo uma audiência visual, sem nunca superar o conhecimento face ao leque de personagens e seus respetivos destinos. No final, a escuridão da noite abraça o destino destas figuras ambulantes, de partida incógnita e de chegada indefinida, a perfeita metáfora do desconhecido que nos afronta. Novamente sublinhando, Jon Watts tornou possível tamanha simplicidade estrutural, mas por vezes é essa aparente singeleza que esconde as mais ricas palavras e expressões. Um exercício sugestivo!

Pelo meio, um Kevin Bacon regressado aos seus desempenhos vitalícios: claramente o seu xerife é uma porção generosa de ambiguidade que desperta um sentimento de desconfiança em pleno confronto.