Luzes, câmara ... Alamo!
John Wayne dirigindo o seu "Alamo" (1960)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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John Wayne dirigindo o seu "Alamo" (1960)
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É tido como facto, dentro de uma filmografia onde abateu nativos sem dó nem piedade em inúmeros westerns americanos (e não foi só pela lente de John Ford) ou vestiu a “pele” do guerreiro mongol Gengis Khan em “The Conqueror” (Dick Powell, 1956), que o filme que John Wayne mais se arrepende ter participado foi “Back to Bataan”, simplesmente por acreditar que o realizador do projeto, Edward Dmytryk, e o argumentista Ben Barzman eram “comunistas”. Na realidade ambos abriram expressamente esses ideais e um certo ateísmo ao ator e protagonista deste ensaio propagandístico bélico, o que indignou um republicano totalmente crente no sistema político-sociológico e financeiro dos EUA. “O que tens contra a América?”, havia perguntado Wayne ao realizador canadiano que atingiria o seu apogeu num relato de fim de relação em 1955 (“The End of the Affair”).
Existem dois pontos importantes a reter nesta experiência em Bataan, Filipinas, a primeira é que John Wayne foi uma figura central nas denúncias dos “blacklist”, onde realizadores, atores e outros eram ostracizados pelas suas ligações ao comunismo. O clamado “bicho-papão” pintado para servir de força antagónica a um cinema industrial que não só empregava uma arte narrativa sem igual como impregnava os ideais tidos americanos por esse mundo fora. O segundo ponto, é que Wayne ao contrário de muitos dos seus colegas (James Stewart, Clark Gable, etc), não colocou pé algum no campo de Guerra, antes disso, assumiu-se como reflexo de uma América resistente, pura e com justiça para dar e vender pelos vários continentes.
“Back to Bataan” não foge à regra dessa “propagandice”, é uma obra construída com os eventos que decorriam do outro lado do Oceano, com as Filipinas enquanto palco de batalha ao seu “mortal” inimigo, o Japão. Se havia exército a ser aniquilado pelos americanos no seu Cinema e em outros meios, esse era definitivamente os ao serviço do Imperador Hirohito, os “guerreiros do Sol Nascente”, cujas ambições de expansão territorial culminaram num alegado ataque surpresa à marinha de Pearl Harbor (em 1941). Tal evento levou a uma entrada repentina dos EUA na Segunda Guerra Mundial, já, entretanto, a decorrer e devastar a Europa ou vergá-la ao nazismo.
A partir desse marco histórico, imensa propaganda foi produzida para aludir o americano do seu inimigo, o nipónico pintado e descrito como “criatura” desumana, suicida, megalómana, conservando nela o que de mais nefasto havia no mundo atual. E através disso, com papel crucial, o Cinema, enquanto ferramenta de consciência, operou para esse recrutamento coletivo. Nessa dita descaracterização do japonês, encontramos um paralelo com o retrato do nativo, ou índio norte-americano, desde o primeiro momento em “Back to Bataan”. É na libertação dos americanos enclausurados em campos de prisioneiros japoneses, que se ouve os mesmos soldados de Hirohito bramindo gritos inaudíveis à semelhança dos guinchos impostos na representação dos “peles vermelhas” ao longo destes anos. Aproveitando a deixa, há que garantir, que não existe nenhuma palavra japonesa na metragem, é uma língua proibida ou melhor, desconhecida para aqueles que trabalharam no filme.
Tal como o desconhecimento perante o seu “némesis” do Pacifico, “Back to Bataan” é uma história inteiramente ficcional, contrariando as legendas que intermitentemente intervém para dar enfoque à realidade adaptada, ou pelos “sobreviventes” que desfilaram pós-créditos iniciais ou nas proximidades do derradeiro e garrafal “The End”. Os argumentistas tiveram com esse desafio, colocar em curso uma História em andamento, desde a saída do General MacArthur, passando pelas notícias e reportórios de uma resistência filipina perante um Império que deseja anexar o seu território. Este foi, sem dúvida, o resultado mais coerente em oposição à incoerência que o Mundo revelaria dia após dia. Mas fora desse pretexto bélico de proporções impressionáveis (John Wayne integra alguns dos stunts mais arriscados do cinema dos anos 40) ou da decisão inarrável de elencar um ator de raízes mexicanas, Anthony Quinn (“La Strada”, “Guns of Navarone”, “Zorba, The Greek”, “Last Action Hero”), como um “Messias” filipino, “Back to Bataan” é um recital de exaltações patriotas, mesmo ambientado no centro Indico.
O leitor poderá verificar isso ao longo do filme, como, por exemplo, o aproveitado provérbio na degustação de cigarros, com John Wayne acautelando a dor do seu companheiro de armas com tabaco filipino (“nativos e crus", assim são dirigidos), e mais tarde sendo recompensado com a genuína marca norte-americana (a felicidade na sua cara eleva-se às suas palavras de admiração). Como também, de forma mais escancarada, o professor filipino que recusa descer a bandeira dos EUA por ordem das tropas japonesas, que na cena anterior havia frisado a vontade dos americanos e agradecendo-os num discurso pujante à "liberdade ensinada pelos mesmos”, ou, finalizando, a personagem de Wayne referindo-se aos combatentes filipinos como “mais americanos” que ele. Como se pode verificar, ser “americano” ou agraciar a América é uma prova irrefutável de grandeza, o cinema de Hollywood durante e pós-guerra nos “ensinou” isso, e não há melhor instrutor para tais lições que John Wayne, o homem que vive da lenda cinematográfica que criou, no inegável herói branqueado pronto a defender a sua nação dos inimigos exteriores como interiores.
Por isso, seguindo uma certa tradição do Cinema, não só hollywoodesco, mas na sua globalização possível, e apropriando de um título mais consensual com o empenho de Wayne, esse western de sopro cansado, mas ofegante denominado “The Man Who Shot Liberty Valance” (John Ford, 1952) – “Se a lenda se torna facto, imprime-se a lenda” – neste caso, projeta-se o mito contra todas as incongruências. O herói é puramente americano, o resto aspira-se a sê-lo, e é desta forma que funciona a propaganda.
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O cinema de John Ford sempre inspirou os bons valores norte-americanos: o patriotismo não como um fervoroso facciosismo mas como uma conduta correta a exercer. É óbvio que nos tempos que decorrem, onde a liberdade de pensamento e da crítica tem cada vez mais lugar no cinema, principalmente em contrário do que se leva a crer o oriundo de Hollywood, filmes como The Searchers (A Desaparecida, 1956) parecem tornar-se, quer socialmente e politicamente, obsoletos, a começar pela representação do nativo como o antagonista e o "invasor", o popularmente apelidado cowboy, como o herói americano por excelência. Panfletos visuais que se distorceram no seu percurso temporal, dando origem a um dos mais impressionantes westerns do seu tempo. Pois bem, esta obra de Ford mesmo com décadas em cima sobrevive "à poeira acumulada" com um valor fílmico constante.
Primeiro de tudo, porque em The Searchers encontramos uma verdadeira escola de cinema em matéria de realização. John Ford é dotado de um olho clínico e de uma sensibilidade estética singular que "remessa" um suposto e vulgar western (que nas mãos de outros serviria de mero enredo para os revisitados lugares-comuns) para o território da obra autoral. Já ninguém filma assim, de forma divinal os desfiladeiros e as paisagens desérticas do Vale dos Monumentos, situado entre Utah e Arizona, e muito mais, em centrá-los sob um jeito simbiótico à ação descrita (a fotografia de Winton C. Hoch é uma mais valia).
Por outro lado, a face purista americana, as nomeadas discriminações étnicas o qual compõe personagens, principalmente a do protagonista, funcionam como um estudo analítico de uma época, estampando-se como uma linguagem reconstitutiva da mesma, os valores de outrora se convertem em ambiguidades que crescem na medula deste thriller do oeste. Dito isto, torna-se agora fácil entender porque “raio” nos simpatizamos com um personagem tão odiável como a de Ethan Edwards (aquele que é um dos papeis mais sólidos da carreira de John Wayne), um cowboy racista assumido e desertor que evidencia sem pudor a preferência de matar um membro da sua família do que aceitá-lo após uma interação com índios, os ditos "selvagens" que não são como mais como meros reflexos de uma sociedade hipócrita e possante. Isto seria uma tarefa impossível numa Hollywood mais correta, mas John Ford transforma o exemplo "a não seguir" num dos autênticos anti-herói do seu tempo, genuíno nesse contexto de selvajaria do Oeste.
Selvajaria essa, imposta no efeito de sugestão que The Searchers sujeita-se. Talvez seja a censura e a preservação dos bons valores da época que limitou a violência explícita que poderia culminar, quer física, psicológica ou contextual, "abraçando" essa sugestão como uma escapatória formal ao dialeto das imagens. Ou seja, para além de possuir uma estética invejável, luxuriosamente degradante, John Ford ainda requisita e entrelaça o desconhecido, o que as câmaras escaparam e não interessam em captar. Resultado, um filme com mais alusões e evocações do que supostamente aquilo que se expõe gratuitamente, leituras entrelinhas são então necessárias e escalpes são assim retirados como similaridades de dois lados da História do conflito, tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais.
Se tivéssemos que traduzir para miúdos, The Searchers é um "bonito" western sobre "cowboys bons" contra "índios / selvagens maus", mas sob um olhar mais atento, aperceber-nos que o patriotismo e conservadorismo característico de John Ford é um embuste, o que vemos é o desespero índio, sobrevivendo em terras roubadas e o maniqueísmo evidente é burlado e julgado em praça pública. Aí a decisão é nossa, ou encaramos tudo como uma fantasia cinematográfica com direito a final feliz, ou a extinção de um povo, a conquista abordada por um cinismo fílmico e contraditório. Em que ficamos? Conforme seja o nosso senso, a verdade é que The Searchers é um dos grandes do seu género e nisso estamos de acordo, mesmo nos tempos que decorrem, onde supostamente o "western está morto e enterrado".
"Let's go home, Debbie."
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