"Gremlins" (Joe Dante, 1984)
“Olha, lá vai o rapaz dos Gremlins“, Zach Galligan pode não ter tido a carreira mais brilhante, mas orgulha-se de ter um êxito, um culto ainda hoje revisto e celebrado – “Gremlins”. Falei com o ator durante a sua passagem em Portugal, na apresentação de uma sessão especial do famoso filme de 1984 no Espaço Nimas e no evento de cultura pop, Comic Con Portugal.
Mais de 30 anos passaram desde a estreia de “Gremlins”, e o filme continua a gerar um certo culto e sucesso entre gerações. Consegue explicar o porquê deste filme ainda ser relembrado ao fim de tantos anos?
Penso que o principal motivo do sucesso é simplesmente porque Gizmo é uma personagem fofa e adorável, e todos parecem adorá-lo. Mas “Gremlins” não se resume a Gizmo. É também um filme que apela a diferentes grupos de pessoas, até porque a noção de seguir e quebrar regras é um conceito universal que as audiências sempre se interessaram, muito mais quando são jovens, que não gostam de regras, ou simplesmente não entendem a sua existência.
Em "Gremlins'', ao quebrá-las trazemos o caos e a destruição, por isso é imperativo sermos corretos. Temos que respeitar as regras. “Gremlins” é, no fundo, um filme moralista, e todos nós gostamos de filmes desse género.
Depois há a noção de que uma criatura tão amigável como Gizmo, tenha a possibilidade de se tornar em algo tão maléfico. Os seres humanos sentem-se dessa maneira, podem ser boas pessoas, mas dentro delas existe aquela possibilidade de revelar um lado negro e destrutivo. Tudo é possível no ser humano, no nosso íntimo temos a coabitação da luz e trevas, o yin e o yang.
Seria possível recriar o original Gremlins na atualidade?
O filme parece, nos dias de hoje, um pouco inocente e julgo que a inocência não tem grande papel na sociedade atual. Cada vez mais evitamos a inocência, seja ela através da internet, das redes sociais, smarthphones, nas mensagens, [risos] vermos pornografia com somente nove anos de idade. Por isso não sei se esse tipo de inocência teria lugar hoje, e se teria passaria por algo bobo e deslocado, ou, na melhor das hipóteses, seria como no caso da série “The Stranger Things”, cuja inocências nos faz desejar regressar a esse período de produção, onde tudo parecia menos complexo e menos complicado.
E como foi o seu casting?
A diretora de casting, Susan Arnold, deu-me uma cena de audição, a de um rapaz a propor um encontro a uma rapariga. Nada relacionado com os “Gremlins”, era um cena que poderia pertencer a qualquer filme. Por isso aceitei.
No dia seguinte conheci o produtor, era para me encontrar com Joe Dante, mas este estava de “plane sick” (com doença de avião), por outras palavras, não gostava de voar. Ou seja, estava mesmo doente [risos]. O produtor gostou daquilo que fiz e combinou comigo para aparecer depois no âmbito de contracenar com uma atriz. O propósito era existir uma química entre ambos.
Esperei por uma resposta, e como estava de férias, voei até a Flórida e nesse mesmo dia soube da aprovação. Nunca mais esqueci desse dia [risos]. Tive que esperar pelo dia seguinte para voar de volta. Depois tive que assinar um contrato, sem ao menos ter lido o guião. Foi algo assustador, ter que assinar para um filme, do qual não sabemos nada, mas tive que confiar, visto ser uma produção de Spielberg. Então assinei e li, por fim, o argumento “top secret”.
"Waxwork" (Anthony Hickox, 1988)
Foi aí que percebeu que iria entrar num filme sobre pequenos monstros.
Exacto [risos].
Numa Hollywood tecnológica como aquela em que vivemos, muitos dos atores têm que contracenar com um fundo verde, que no entanto servirá como palco para criaturas CGI. Mas em “Gremlins”, Zach contracenou com animatrônicos. Era uma tarefa difícil interpretar lado-a-lado com criaturas mecanizadas?
Algo que um ator deve ter, é muita imaginação. Faz parte do nosso trabalho. Imaginem a atriz “fulana tal”, o qual não conhecemos de lado nenhum, a interpretar a minha mulher num filme. Teria que fazer cenas íntimas com ela, como por exemplo, segurar-lhe a mão, beijá-la ou a dizê-la que a amo, e na realidade, não passa de uma desconhecida para mim. Existe muita artificialidade na atuação, seja com uma “criatura” ou com uma pessoa que não conhecemos.
Mas quanto à criatura – Gizmo – esta era bastante credível, fazia sons mecânicos, movimentava-se como um animal, parecia estar vivo. Podia até mesmo improvisar com ele. Por exemplo, ao tocar-lhe o nariz, ele reagia. Ou seja, não foi praticamente difícil acreditar que Gizmo era real, até porque os efeitos eram totalmente convincentes.
Então, nos dias de hoje, com a “expansão” do CGI, o trabalho de ator torna-se muito mais difícil?
Sim, completamente, porque simplesmente não temos nada à nossa frente, somos dependentes da nossa imaginação o tempo todo. Temos que improvisar uma criatura à nossa frente, nuvens, um cenário, o quer que seja, termos que imaginar ao invés de simplesmente reagir com algo. Sim, bastante mais difícil.
Como considera a sua carreira fora dos Gremlins?
A minha carreira fora dos “Gremlins” tem sido quase idêntica à de muitos atores. Temos sucessos, o vazio, altos e baixos, trabalho durante 5 a 6 anos, depois já não temos, as pessoas acabam por nos esquecer e de um momento para o outro, nos redescobrem.
Muitos neste ramo tem uma carreira ditada por alguns altos e baixos, períodos de pouca e alta atividade. Relembro o caso de Jackie Earle Haley, que nos anos 70 fez êxito com “The Bad New Bears” (“Que se Lixe a Taça”) e “Breaking Away” (“Os Quatro da Vida Airada”), depois desapareceu, regressando com “The Little Children” (“Pecados Íntimos”) e depois “A Nightmare on Elm Street”. É uma carreira de vaivém, cuja ausência é sucedida a um período de redescoberta e idem, idem.
Somos o “hot topic” do momento, de seguida já não o somos. O que devemos fazer é não ficar aborrecidos com este fenómeno e pensar que provavelmente temos versões melhores de nós próprios. Julgo que uma versão quarentona é boa, mas um “eu” cinquentão é melhor, e provavelmente, um sexagenário meu seja bem melhor que estes que referi.
Tenho uma expressão, o qual utilizo nas minhas aulas de atuação, a carreira de um ator é uma maratona e não um sprint. É uma longa caminhada, e só nos sentiremos realizados ou devidamente reconhecidos quando chegarmos ao fim, um pouco antes de desistirmos na área.
Contudo, tenho o privilégio de dar aulas quando não estou a atuar, por isso, não passo pela experiência de servir mesas ou arranjar pequenos trabalhos para poder sobreviver. Como vês, estou com 52 anos e tenho-me safado bem.
"Gremlins 2: The New Batch" (Joe Dante & Chuck Jones, 1990)
Não fica ofendido, nem sequer desapontado que até à data seja conhecido somente como o ator dos “Gremlins”?
Não. Na minha conta de Twitter eu tenho como “Gremlin’s Guy”, sou o ator dos “Gremlins”! “Olha, lá vai o rapaz dos Gremlins!” Houve tempos em que tal aclamação aborrecia-me profundamente, mas longo encarei o seguinte: ou somos famosos por algo ou somos famosos por nada, e ser famoso pelo filme dos “Gremlins” não é absolutamente mau.
Tenho um ator amigo, o qual não posso dizer o nome, que tem uma carreira brilhante. Certo dia, estava a observar a sua vasta coleção de filmes em que participou, e eu exclamei “Uau, quem me dera ter uma carreira como a tua, ter trabalhado com estes atores fantásticos e com estes realizadores de topo”, logo ele respondeu “pois é, mas tu tiveste um hit”. Ou seja, eu tive um sucesso, muitos atores tem uma carreira estável e nunca conseguem isso. Dou graças por ter um hit e ser relembrado por isso.
Ouve-se falar de um terceiro Gremlins, ou até de um remake. O que pode dizer sobre isto?
Não há remake, isso não irá acontecer. Mas sim, haverá um terceiro filme. Será um projecto novo, provavelmente bastante parecido com o espírito de “Jurassic World” e de “Star Wars: Force Awakens”. Um update, e se forem astutos trarão velhas personagens, assim como a criação de algumas novas. Será um pouco, como trazer o melhor de dois mundos.