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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Precisamos de falar, Joaquim …

Hugo Gomes, 29.08.17

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Caro Joaquim, fora de qualquer tendência de superioridade, gostaria de perguntar o que realmente lhe aconteceu? O que é que o levou a tornar-se num mero técnico à mercê das vontades questionáveis de um alarve cinema comercial? O senhor foi uma promessa em plenos anos 90, conseguiu, com algum requinte, êxitos memoráveis no cinema português, sem precisar de se rebaixar.

Julgava eu que “Sei Lá” (2014) tinha sido um equívoco, essa sua passividade para com tão questionável matéria-prima. Perdoei-lhe essa falta de insurreição de conteúdo, perante uma insurreição de forma. A técnica prevaleceu nessa cópia descarada de “Sexo e a Cidade”, por isso isto não é uma insinuação de incompetências por detrás duma câmara de filmar. Nada disso, eu reconheço o seu potencial, sei que é capaz de mais do que isto. Sim, isto. Este “Índice Médio de Felicidade”, esta adaptação de outro livro que também não foi capaz de se ver insurgido. Nesta história feel-good decorrida nos tempos de austeridade, que poderia de certa forma acompanhar esta vaga de cinema emergente que tem surgido por aí, cujas más-línguas apelidam de “filmes de esquerda”.

Exacto, os Migueis Gomes da vida, essas Mil e uma Noites que tão bem traduziram o estado inerente de um país derrotado e os Sãos Jorges que revelaram força no seu realismo vincado. Poderia ter aprendido com estas abordagens para conceber o seu “Índice Médio da Felicidade”, porque a vida, por mais otimista que a possamos encarar, precisa de ser tratada com veracidade e tom crítico. Ou se não, aí está, passamos por acríticos com promessas de emocionar com aquilo que os portugueses veem artificialmente nas telenovelas. O filme é pesaroso, os diálogos não têm organicidade, tal como a narrativa e a direção de atores.

Pior, esconde as boas intenções de um futuro risonho nas crenças de cada um, com uma descredibilização da “desgraça” das suas personagens. Recordo o popular filme de Danny Boyle - “Slumdog Millionaire – Quem Quer Ser Bilionário” - onde o protagonista (Dev Patel) em pleno concurso de Quem Quer Ser Milionário solicita ajuda numa das mais básicas perguntas. Chocado e de tom trocista, o apresentador (Anil Kapoor) refere que tais temas são ensinados na escola e que todas as crianças da primária têm a capacidade de responder corretamente à questão. O protagonista confronta, afirmando que qualquer criança da “sua rua”, perante a miserabilidade das suas respectivas vidas, sabe perfeitamente a diferença de rúpias entre uma banca de comida e de outra.

Sim, Joaquim, se vai fazer um filme sobre os lesados da crise, do sufoco financeiro que muitos portugueses enfrentaram, nunca coloque uma cena onde o seu protagonista vasculha a carteira em busca de trocos para conseguir comprar um jornal para a sua filha, para que, na cena seguinte, o ponha a levar os filhos ao Jardim Zoológico. Não é filmar num canto só porque parece bem, há que entender que, se vai dirigir este filme para um público, cuja grande parte sofreu com as políticas de austeridade, deve sobretudo falar na respectiva língua. 

Joaquim, lamento, mas tem aqui o seu pior filme, com uma técnica e linguagem puramente televisiva. Com isto espero as melhoras, atenciosamente… 

Um filme "Sei Lá" e um filme sei eu ...

Hugo Gomes, 05.04.14

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Uma inanidade do cinema português, este é um filme que, esteticamente, que pouco ou nada se distingue das inúmeras telenovelas que “empapam” as nossas grelhas televisivas, muito menos ter liberdades ou “desenrasco” para se assumir o camp ou o trash. Movido por um erros de casting palavrosos, onde o único ator de excepção é definitivamente Joaquim Leitão. Sim, o realizador, o homem que fora nos anos 90 responsável pela noticiada “ressurreição do cinema comercial português” [“Adão & Eva”, “Tentação”], encena aqui a má matéria-prima sob um competente trabalho técnico (mesmo pouco ou nada inspirado), ou seja, “enfeites”. 

Contudo, o mais alarve neste concentrado é a sua “cereja no topo do bolo”, o final quase abrupto, ingenuamente ignorante, que discursa amor como o tópico inabalável e atingível ao grau zen de qualquer mulher, e qualquer homem. Tornam-se irracionais perante esse sentimento. Não no sentido da “comédia boba e romântica” a qual estamos acostumados, mas no facto de nos estabelecermos como animais socialmente irracionais. Mas esquecemos esse não tão menos “pormenor” e aventuramos naquilo que supostamente “Sei Lá” tem para nos “oferecer” …

Este rip-off aportuguesado “Sex and the City” é um OVNI narrativo, um equivocado projecto cinematográfico de visão distorcida e anorética acerca das mulheres em geral, devedoras a futilidades e a homens ainda mais ridículos que elas (apesar de não se esperar aqui uma reprodução de Scarlett O’Hara). De dramaticamente burlesco para involuntariamente desesperante, “Sei Lá”, essa demorada adaptação do primeiro romance de Margarida Rebelo Pinto, não consegue satisfazer nenhuma das suas quadras, é demasiado tosco para conscientizar-se como “cinema para feminino” (não confundir com cinema no feminino), e tecnicamente “certinho” (mas nunca vibrante) para se revelar culto de temas e armadilhas. 

Com isto tudo chego a dar razão a João César Monteiro que citou perante aos ataques críticos ao seu “Branca de Neve” – “Queriam o quê? Telenovela?” – Ora bem, temos a resposta.