Maia IFF 2025 promete cinema para tudo e todos para não se ficar "à mercê de blockbusters semelhantes"
"Moon" (Kurdwin Ayub, 2024): exibido no dia 1 de Maio, pelas 18h30
A cidade da Maia acolhe, pelo segundo ano consecutivo, o seu festival de cinema internacional, provando que a sétima arte pode chegar aos mais diversos cantos, fora da tradicional centralização Lisboa-Porto. É com esta segunda edição que a resistência se faz sentir com mais força, não apenas no formato, mas também na própria presença do evento. Perante uma programação selectiva e diversificada, sem medos de exibir cinema português, com masterclasses, tertúlias e debates, o Maia IFF promete “fincar pé" nesse lugar cultural ainda por explorar.
O Cinematograficamente Falando... desafiou Gustavo dos Santos, director do festival e também realizador ("Zulmiro de Carvalho", "Percepção Delicada de um Raio de Luz"), a desvendar o evento, as novidades e os statements que marcam a sua razão de ser.
Maia International Film Festival arranca amanhã (30/04), no Forum da Maia. A programação poderá ser consultada aqui.
A segunda edição do Maia International Film Festival apresenta uma curadoria ambiciosa e cosmopolita. Num mundo saturado de festivais, o que é que distingue, para si, este festival da Maia enquanto espaço de resistência ou celebração artística?
O cinema (ou a sala de cinema) trava uma luta muito grande com os serviços de streaming. Nunca como dantes as pessoas preferiram tanto o conforto de sua casa ao (des)conforto do cinema. Os festivais devem-se distinguir exactamente como eventos sociais e espaços de visualização de filmes que não poderão ser vistos em casa.
O nosso festival não se pretende diferenciar de outros festivais de nenhuma maneira específica. O nosso objectivo é apenas oferecer uma programação de qualidade e exclusiva (a maioria dos nossos filmes são estreia nacional), e que faça com que o público se reaproxime da sala de cinema. Toda a gente que trabalha com cinema menos comercial depara-se sempre com dificuldades de público, mas se toda a gente desistir, ficaremos exclusivamente à mercê de blockbusters semelhantes!
A presença de realizadores como Margarida Cardoso [Portugal - Moçambique] e Algimantas Puipa [Lituânia] acena a uma ponte entre geografias e memórias distintas. Que tipo de diálogo espera que surja entre o público português e estas cinematografias menos "globalizadas"?
O cinema como arte deve ou deverá sempre despertar curiosidade. Uma pessoa que esteja menos habituada a este tipo de cinema poderá ter mais questões ou questões diferentes em relação a alguém cuja bagagem cinematográfica seja bastante maior. Na minha opinião, isso deverá dar azo a discussões interessantes entre realizadores e o público.
Com uma programação ecléctica e de múltiplo-públicos, como se equilibra o festival da sua vertente formativa com a curadoria para um público já cinéfilo?
Imagino que existam sempre pessoas mais elitistas, cujo conteúdo de alguns filmes não interesse. Mas como elitista eu próprio, acho que de vez em quando também faz bem uma comédia descontraída ou um filme mais "light". De qualquer maneira, mesmo este tipo de filmes, foram escolhidos com critério, são filmes que também têm a sua profundidade.
A escolha do júri é quase um manifesto estético e político: de João Nuno Pinto a Manuela Pimentel. Há aqui uma intenção deliberada em misturar sensibilidades e disciplinas artísticas? Como se cruzam essas vozes na hora de avaliar cinema?
Foi nosso objetivo desde o início ter um júri multidisciplinar. Nunca poderá haver 1 júri sem alguém do cinema, mas há muitas pessoas de outras disciplinas que adoram e entendem de cinema. Essa diferença de sensibilidade é o que nos interessa. Queremos olhos diferentes com visões diferentes. Desta maneira, penso que conseguiremos determinar vencedores de uma maneira mais equilibrada.
- "A Woman and Her Four Men" (Algimantas Puipa, 1983): 1 de Maio, 21h30, seguido por uma masterclasse com o realizador
- "The Hyperboreans" (Cristóbal León & Joaquín Cociña, 2024): 2 de Maio, 18h30
- "Banzo" (Margarida Cardoso, 2024): 3 de Maio, 21h30
Tendo no seu percurso uma forte ligação ao documentário e à videoarte, sente que essas linguagens encontraram já o seu lugar natural nos festivais portugueses, ou continuam, de certa forma, relegadas para as “secções alternativas”?
A minha área de formação é cinema. Sempre estive muito ligado à ficção e ao documentário, a Videoarte é uma paixão recente! A pergunta é pertinente e real e a resposta curta é (e penso que será sempre) afirmativa. Há festivais dedicados exclusivamente a cinema documental onde o documentário é o principal, mas em termos gerais o documentário é "empurrado" para uma secção própria por ser difícil de comparar e julgar em relação à ficção. São dois formatos com características muito diferentes, tempos diferentes, orçamentos diferentes. Numa competição, será difícil um documentário ganhar se estiver a competir contra uma ficção. Em relação a videoarte é pior ainda. Muitas vezes a videoarte não tem uma narrativa, e se tiver, não deverá ser uma narrativa literal ou de palavra. Eu vejo a videoarte como algo muito mais sensorial. Outra coisa são os tempos. A videoarte pode ter 5 minutos ou 24 horas, como comparar isso a um filme tradicional?
O seu próximo documentário aborda o artista Flávio Rodrigues. Como é que a experiência pessoal enquanto criador e programador interfere (ou ilumina) a construção de um festival como este, que parece querer desafiar tanto quanto acolher?
A minha visão como criador é diferente do que como programador. Cada um tende sempre a "puxar a sua sardinha para a sua brasa", e como programador, o objectivo não é agradar apenas a mim, mas a um conjunto de pessoas. Neste momento o júri de pré selecção são quatro pessoas, sendo a programação a visão de quatro pessoas e não apenas minha. Em conjunto, tentamos sempre ter critérios que nos levem a agradar o público, e obviamente que há um público alvo que é o público cinéfilo. Mas queremos que o festival seja para todos. Como criador, a minha visão de artista ajuda sempre a elevar o nível dos filmes que apresentamos no festival. Aquilo que exijo a mim, o critério, irei exigir o mesmo dos outros!
Como poderemos definir o MaiaIFF no futuro? Ambição para as próximas edições?
O nosso objectivo para o futuro é poder alargar o festival em termos de dias e poder termos mais convidados com filmes e mais masterclasses. Como já referi antes, o festival deve criar interacções humanas. Se tivermos mais realizadores, mais actores, mais equipas técnicas, poderemos ter muito mais conversas e muito mais aprendizagem.
Pretendemos também o alargamento de parcerias estratégicas, como instituições culturais locais e internacionais, universidades e colectivos.