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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Um Scrooge de nome Aleixo

Hugo Gomes, 21.12.22

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Por minha vontade, pode virar tradição, mesmo que a palavra Cinema seja empregue de modo intermitente aqui. 

Não foi bem expressão da minha autoria, esta, à atribuição de um cariz religioso, mas recordo, após a questão simplória - “gostaste?” - lançada por um dos representantes do filme, respondi de imediato com um “Bruno Aleixo é família”, até porque o rabugento urso (ou ewok, invocando a sua primeira aparição) tem me acompanhado nas mais diferentes plataformas. Uma personagem fecundada pela imaginação de João Moreira e Pedro Santo em 2008, inicialmente nicho numa improvisada "série televisiva", popularizado até se tornar numa marca própria, ou até mesmo um universo partilhado (televisão, webséries, rádios e agora cinema), Bruno Aleixo persistiu numa comédia chico-esperta, bem aportuguesada, rodeada de figuras pitorescas que compõem uma mitologia própria e mais que identificável. 

Se bem sabemos, que é um fenómeno dito português, com poucas inspirações para o mercado internacional (mesmo com a “perninha” dada no Brasil onde arrecada os seus adeptos), um segundo filme, desta feita abraçando (ou não) o espírito natalício, Aleixo apodera-se da velha fórmula do Scrooge, esse conto de natal à lá Dickens, despindo-o de qualquer fidelidade aos seus inabaláveis termos morais, mas sem desdenhar essas mesmas atitudes. Assim sendo, ao invés de fantasmas, alegoricamente e literalmente falando, são flashbacks na vida do protagonista, da infância (ou melhor, das infâncias) até à sua fase adulta, sem esquecer do futuro como derradeira epifania, a persistir como marcadores no enredo reduzido a um extenso gag

Curiosamente, tal como funcionara no filme anterior e inaugural, é nessas brechas narrativas que a criatividade formal ou estética se manifesta - se em 2019 seguíamos de género em género em busca de um filme algures - com o “O Natal do Bruno Aleixo”, cada episódio memorial transcreve numa forma animada, e sob diferentes criadores (João Alves, Pedro Brito, Bruno Caetano, Rafael da Silva Hatadani, Jorge Ribeiro), conjugando uma pequena banda de um mundo tão negligenciado como talentoso que é a animação portuguesa. 

Portanto, não há que ser mesquinhos, Bruno Aleixo é em todo o caso um dos melhores exemplos de comédia transcrita no cinema português, e não por uma “unha negra”, é por grande distância … principalmente de atropelamentos rurais que “deliciam”, inexplicavelmente, públicos.

Fantasmagorias decadentes

Hugo Gomes, 10.03.20

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Por enquanto só podemos especular sobre o que levou o realizador João Alves (“Morcegos no Campanário”) a não seguir em frente com o seu projeto de longa data e consequentemente "Inner Ghosts – Fantasmas Interiores" acabar por "cair" nas mãos de Paulo Leite, produtor que aqui assume o crédito como realizador. Divergências artísticas são as palavras em voga para estas “trocas e baldrocas” e Hollywood é perita nesses comunicados. Portanto, se a visão original de João Alves é uma projeção que eventualmente poderemos nunca vir a conhecer, o que restou é uma simples réplica com a intenção de continuarmos no escuro e nunca reerguermos qualquer tipo de indústria.

Filme falado em inglês (com atores britânicos e portugueses), “Inner Ghosts” é todo um aglomerado de tendências do mercado do terror atual e não parece disfarçar os gestos copistas, nem sequer esconder as suas ausentes ambições para ser mais do que o conformista “mais do mesmo” (com menos recursos). Das assombrações que se entrelaçam com investigações do foro psico-paranormal (com as desculpas mais esfarrapadas quee podemos encontrar) até à escolha da atriz Celia Williams de mimetizar os tiques de Lin Shaye (tardia "scream queen" da saga "Insidious"), tudo diluído num "tratado" que encaram como argumento (rebuscado e despachado nem qualquer noção), chega a ser triste, ou mesmo desolador, como esta investida de cinema género à lusitana se perde ao colar-se às convenções que os "gringos" pisaram e continuam a pisar sem pudor.

Em nome do mercado que recompensa nas bilheteiras estes “esforços” regidos a régua e esquadro, o que fica é uma tentativa de “imitar” sem ter em conta a realidade do seu mercado... interior, como o subtítulo português parece indicar. O que fica é um produto "série Z" que deseja sobretudo passar por aquilo que não é e levar o espectador ao engano. Face aos resultados, João Alves pode ficar de consciência tranquila, mas o cinema português merecia muito mais, inclusivamente nos seus próprios fracassos.

Por esta medida, “coisas” como “Linhas de Sangue”, de Manuel Pureza e Sérgio Graciano, que passou pelos cinemas nacionais há quase dois anos e corre para o título de pior filme português, possuem mais valor por causa dos riscos que correm. Até nos nossos fracassos devemos exigir originalidade e pretensões, nada do que entra neste objeto recauchutado que é em "Inner Ghosts".

Fica uma nota final para o eventual público que deseja contrariar as nossas indicações e arriscar: se sofrer de epilepsia ou qualquer género de fotossensibilidade, este filme ainda se recomenda menos.