Jessica Hausner
Amor Louco (“Amour Fou”) é uma das estreias da semana, um filme que nos remete ao fim de uma época e à transição para outra, mas é sobretudo um resgate de costumes perdidos, principalmente o romantismo cego e vicioso.
Falei com a realizadora Jessica Hausner sobre esta pouco convencional biografia do poeta alemão Heinrich von Kleist, os seus devaneios e ideias quase fantasiosas que demonstram uma sociedade “acorrentada” pela sua estética.
Onde surgiu o fascínio pelo poeta alemão Heinrich von Kleist?
Há muitos anos que planeava fazer um filme sobre um suicídio duplo e já há algum tempo procurava uma história capaz de conter os ingredientes nos quais estava interessada. Porém, não era capaz de encontrar tal história, até que há um par de anos atrás li um artigo que falava de Heinrich von Kleist, o qual retratava a forma como perguntou à sua melhor amiga se ela não queria morrer com ele. Ela automaticamente respondeu que não e o poeta seguiu para a sua prima, que também recusou morrer juntamente com ele. O poeta finalmente encontrou Henriette, que certamente iria morrer devido a uma doença. Ela disse que sim e Heinrich aceitou-a para o seu grande plano. Foi através da correspondência que trocaram que eu senti que existia nesta relação uma certa ambiguidade. Penso que os dois não estavam cem por cento certos se o suicídio seria a solução mais correta de se fazer.
Normalmente nós adquirimos essas histórias de um ponto mais vista romântico, uma tragédia amorosa assim por dizer. Quanto à sua questão, foi este tipo de abordagem que me fez interessar. Talvez por pensar que tratou-se tudo de um mal-entendido ou de não existirem certezas se querem realmente fazer aquilo E no momento em que isso aconteceu, não o considero uma colaboração, mas mais uma separação.
E quanto a Henriette Vogel? O que tem de especial a sua personagem?
Interessei-me por um destino que não estava totalmente nas suas mãos, isto bem pode servir quer para os homens, quer para mulheres. Mas a Henriette é uma personagem que não está muito consciente do que quer, ou do que não quer. Foi por isso que ela foi influenciada. Mas mesmo assim, eu penso que todo o ser humano tem consciência de que não tem total controlo do que pode acontecer. É como uma bola nas mãos desse tal “destino”.
E qual o interesse neste período histórico específico? Porquê o início do século XIX?
Pelo menos é aquilo que nós imaginamos. Sempre imaginamos que as pessoas do século XIX eram vinculadas com os regulamentos da sociedade. Hoje, tal também acontece, mas obviamente as regras mudaram. Imaginamos que essas pessoas estavam muito longe da liberdade, até duvidavam da liberdade na natureza humana. Para eles não passava de uma palavra estranha, assim como amor, que era algo inalcançável. A liberdade e o amor eram apenas ideias. A verdade é que tais ideias são desejos, mas aquilo que sempre pretendemos é ser aceites na sociedade em que vivemos. Ser aquilo que todos esperam que sejas. Isto é a verdade, nada mais que a verdade, e não apenas no século XIX. Mas provavelmente essa característica no século XIX tem sido mais que óbvia, pois imaginamos que as pessoas desse século são rígidas, quase não se movimentam, e preocupam-se em controlar os seus sentimentos. Atualmente não sabemos se isso é verdade. Provavelmente até se sentam como nós sentamos numa cadeira hoje em dia. Mas para o demonstrar, visualizar, foi mais fácil situar a história em pleno século XIX.
Amour Fou (2014)
Nota-se um certo tom satírico no filme, principalmente no retrato da aristocracia?
Sim, mas não para satirizar a própria aristocracia. O que tentei fazer foi focar-me na verdade. Se temos uma verdade, temos também o oposto dessa verdade, ou seja, não existe uma verdade absoluta. Tudo depende do individuo e do respetivo estado de espírito. Por mais que a sociedade mude, os grupos mudem, as perspetivas mudem, aquilo que poderá ter sido ontem, desabará no amanhã.
Ou seja, você tentou abordar o declínio dessa aristocracia?
Sim.
Quais foram as inspirações para o design visual do filme? Se me permite dizer, são bastante únicas.
Eu tentei transmitir o mais materializado possível. Por isso procurei entre imagens, pinturas e artes visuais, não apenas do século XIX, mas até anterior, e encontrei uma verdadeira inspiração para grande parte do espírito visual deste filme nas pinturas de Johannes [Johan Vermeer]. Ali descobri uma certa ordem de colocar elementos na tela, uma perspetiva muito central, o fundo e o primeiro plano são contraditórios, mas correspondem. O espectador terá que procurar por si próprio, “ver” a imagem. Isso interessa-me bastante, o de criar imagens que deixam o espectador sozinho com a sua escolha. Se verá ou não.
Quanto a novos projetos?
Sim, tenho um novo projeto, mas ainda estou no processo de recolher todas as ideias e materiais para o desenvolver. Isso levará bastante tempo. Bem, penso não ter mais nada para dizer sobre isso. Ainda é um bocadinho cedo, preciso ainda descobrir o que vai sair dali.